A importância da autoimagem: moda pode ser ferramenta de transformação para idosos 656l31

Aos 82 anos, Vó Izaura expressa sua personalidade através do estilo, e atrai milhares de seguidores nas redes sociais 384f4m

Em meio a uma agitada rotina de compromissos, Izaura Demari nem tem tempo para pensar nos raros dias de descanso em sua casa no bairro Coqueiros, em Florianópolis. De um Airbnb em SãoPaulo, cuida da produção de stories para as redes sociais, dá entrevistas, vai a eventos e desfiles.

É o dia a dia corrido de uma influencer de moda com mais de 225 mil seguidores no Instagram. Isso no auge de seus 82 anos de idade.

A história de Vó Izaura é o perfeito exemplo de que nunca é tarde para descobrir uma nova vida.

Izaura Demari ou por uma transformação após os 60 – Foto: Arquivo PessoalIzaura Demari ou por uma transformação após os 60 – Foto: Arquivo Pessoal

Foi em Gramado, no Rio Grande do Sul, há cerca de 20 anos, que tudo começou a mudar.

“Eu ia para um café e as pessoas paravam para tirar foto comigo. Comecei a ter os meus primeiros fãs lá”, brinca ela.

O sucesso tardio veio após uma grande transformação. Izaura nasceu em Londrina, no Paraná,e cresceu em uma família italiana tradicional e conservadora.

Criada “na roça”, como ela mesma diz, enfrentou a rigidez dos costumes e regras estritas impostas por seus pais. É a sétima de nove irmãos.

“Eles eram bem exigentes, minha mãe principalmente: tinha que cobrir o joelho sempre, e decote nem pensar. Ela ficava brava”, relembra Vó Izaura.

Depois de trocar o sítio pela cidade, Izaura se casou, e por mais de quatro décadas, manteve o hábito na forma de se vestir.

Depois da morte de seu marido, começoua se autodescobrir. Foi seu filho caçula, Márcio Demari, quem desempenhou um papel fundamental nessa transformação.

“Nós começamos a viajar bastante. E ela sempre comprava coisas para levar para casa, como móveis antigos, artefatos para a plantação etc.”, explica ele.

Cultivar flores era o principal hobby de Izaura, mas quando precisou se mudar de uma casa para um apartamento, sua paixão foi interrompida.

Porém, foi a partir desse momento que a chave virou. Izaura começou a se expressar por meio de suas roupas, encontrando ali a liberdade para explorar seu estilo.

Os jardins de cores vibrantes que sempre amou aram a ser refletidos em suas vestimentas. E há algo que se destaca ainda mais no guarda roupa de Izaura: a extensa coleção de chapéus.

E eles carrega mum significado afetivo. “Meus irmãos costumavam ir para a roça e eu ficava em casa com minha mãe. Eu os via saindo com chapéus e achava aquilo a coisa mais linda. Desde então, nunca mais saio de casa sem um chapéu. Comprei tantos, tenho mais de 700 e já doei 500 deles”, revela a influencer.

Hoje Vó Izaura é seguida nas redes sociais até pelo estilista de chapéus da realeza britânica. “Foi demais”, resume Izaura o sentimento de poder se vestir como bem entende e, com isso, inspirar pessoas e atrair fãs.

Vó Izaura já desfilou duas vezes na SPFW - Arquivo Pessoal
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Vó Izaura já desfilou duas vezes na SPFW - Arquivo Pessoal
Ela possui mais de 220 mil seguidores no Instagram - Arquivo Pessoal
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Ela possui mais de 220 mil seguidores no Instagram - Arquivo Pessoal
Izaura Demari planeja agora uma carreira internacional - Arquivo Pessoal
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Izaura Demari planeja agora uma carreira internacional - Arquivo Pessoal

Seu sucesso foi impulsionado por seu filho Márcio, que começou a compartilhar os looks de sua mãe nas redes sociais, e assim ela se tornou garota propaganda de marcas, presença confirmada em eventos e uma figura extremamente reconhecida no mundo da moda.

Izaura desfilou na São Paulo Fashion Week pela marca Thear, em uma homenagem à poetisa Cora Coralina.

“Assim como Cora, que se libertou através da escrita em seus 70 anos, minha mãe tem uma história similar. Por isso, acharam que essa homenagem seria perfeita”, destaca Márcio com orgulho.

A agitada vida de Izaura não é problema para a influencer de 82 anos. Ela mal pensa em retornar para descansar em Florianópolis antes de dezembro, se for possível.

Além disso, já está organizando a logística e os custos para desfilar em outros países, pois os convites não param de chegar.

“Estou muito contente. Já desfilei duas vezes na SPFW. Sou a mais jovem da turma! Espero desfilar muito, tanto aqui no Brasil quanto no mundo inteiro”, declara Izaura cheia de entusiasmo.

Para Márcio, ver o sucesso e oimpacto positivo que sua mãe causa éextremamente gratificante.

“Recebemos um muito positivo e coisas que nos deixam muito felizes. Recentemente, uma peça da Lucinha Lins foi inspirada na minha mãe. Isso não tem preço”, complementa.

Um nicho que irá crescer 5t6w1u

Ser verdadeiro consigo mesmo é parte fundamental da vida. A moda é uma ferramenta para expressar isso, e também para se sentir bem vestido, bonito e deixar uma impressão.

Foi a partir dos anos 2000 que as grifes e confecções começaram a se importar mais com o público idoso – principalmente em razão do mercado, já que as gerações com poder de compra começaram a envelhecer.

No entanto, este nicho específico ainda é uma fatia tímida de produção.

Segundo o pesquisador e designer demoda João Jacques Neto, existe uma concepção mais comum do que é estar na moda e ser atraente: é a imagem da pessoa em idade produtiva, jovial.

“Estar na moda e ser percebido socialmente como ‘atual’ é se apropriar da moda juvenil, em qualquer que seja a etapa etária, ou seja, crianças se vestem como adultos jovens, assim como pessoas idosas se vestem mais joviais”, explica.

Não há nada de errado em querer parecer jovem. Mas também não é como se houvesse muitas opções.

Para Jacques, tornar-se mais jovem pelas vestimentas não é uma escolha da pessoa idosa, “é uma cultura que está inserida no mercado e pode ser entendida como imposição da moda, ou seja, não há uma moda para pessoa idosa”.

Ele também entende que é pela moda que a imagem de uma pessoa pode ganhar um significado novo, fundamental para a conexão do idoso com as gerações mais novas,socialização e bem-estar consigo mesmo.

Na visão do pesquisador, uma “moda para idosos” viria dar mais opções para conforto e expressão, levando em conta a anatomia e peculiaridades do corpo idoso– em vez de produzir peças que o façam se sentir bem unicamente quando se veste com as roupas de mercado adulto jovem.

Dessa forma, a moda pode ser compreendida como um facilitador para o idoso se incluir à sociedade, se sentir à vontade para se expressar.

Vestir-se também é uma forma de comunicar um perfil às pessoas em volta.

Aí vêm as escolhas de estilo que são individuais: é importante ter liberdade para se sentir à vontade com a moda feita para o adulto jovem, e também liberdade para se sentir estiloso nas roupas que respeitam a forma do corpo, e que prezam por conforto e praticidade.

Existe a demanda, mas muito pouca produção, segundo Jacques. Apesar de não ter um vasto campo de estudos e nem interesse dos estilistas, as empresas deveriam prestar mais atenção ao nicho, tendo em vista que o Brasil segue a tendência mundial de envelhecimento da população.

Fazendo as pazes com o tempo 142xr

O desejo de se manter jovem é velho. Heródoto, o historiador grego, já escrevia sobre a Fonte da Juventude no século V a.C.

A busca por este mito da imortalidade também figura na crônica de Alexandre, o Grande, nas Cruzadas e na expedição colonialista de Juan Ponce de León no Mar do Caribe no século XVI. Nós continuamos procurando hoje?

Manter-se de aparência jovem, sem rugas e magra é um apelo contínuo da sociedade, um padrão de beleza que se vê em larga escala nas mídias e publicidades, levando nosso cérebro a assimilar aquele visual como padrão desejável.

A pressão sobre a estética é especialmente cruel contra as mulheres, diferente dos homens, que são valorizados ao envelhecer.

Para elas, é um desafio assumir sua idade, mostrar que não é mais jovem e está saindo da idade mais “produtiva”.

Isto acontece porque na nossa cultura atual, a mulher tem seu status de valor atrelado à imagem e fertilidade. Os sinais do envelhecimento nas mulheres não são bem aceitos, nem no mundo do trabalho.

Há profissões que, por mais que as mulheres sejam competentes em seus postos, têm “data de validade” – o que é culturalmente difícil de romper sem uma mudança de perspectiva geral das pessoas, e a partir da mídia.

Há sempre um sentimento bom ao dizer a sua idade e receber um elogio de volta: “nossa, nem parece!”, “achei que era menos”.

É como se fossem adicionados bônus de vida à nossa carreira. Mas essas expressões, apesar de genuinamente gentis, vêm de uma perspectiva de que ‘quanto mais jovem, melhor’.

Essa forma de pensar contribui com a pressão estética e psicológica para ser mais jovem, mais produtivo, com menos marcas do tempo no rosto. No entanto, este é apenas um tipo de beleza, e há uma variedade deles muito rica –  inclusive o da beleza idosa.

Esta assume todas as suas linhas de expressão, a sua história, marcas que são visíveis principalmente na pele mas também no formato do corpo, naturalmente mudando com o tempo – e este tipo de beleza começou a ser valorizado, um nicho de “trend”.

A revista Vogue, referência em moda no mundo todo, recebeu sua modelo mais idosa até hoje. A edição de abril da Vogue nas Filipinas ganhou o mundo com a estampa de uma senhora de 106 anos, chamada Apo Whang-Od.

Com batom bordô e colares, foi ela mesma quem se produziu para a foto, segundo o relato dos fotógrafos.

Além disso, a busca por fotos e referências de street fashion dos idosos começou a ser assunto nas redes sociais.

O conceito de street fashion é aquele de fotos de pessoas comuns, nas ruas, que por algum motivo nos chamam a atenção.

Pode ser pelo jeito de andar, pela autoconfiança, pelo estilo ou pelos órios.

Nas redes sociais, os jovens começam a seguir esses “caçadores” de perfis, colecionando fotos para ter como referência de estilo.

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