Chegar à aposentadoria e poder parar de trabalhar é o sonho de muitos. Mas há aquela parcela da população que opta por continuar na atividade mesmo depois de alcançar a terceira idade. O ND+ levou o assunto para quatro idosos, que explicaram suas visões e motivos para seguir trabalhando.

Um estudo do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudo Socioeconômicos) mostrou que quase um quinto da população brasileira é composta por pessoas com mais de 60 anos.
Sabendo que grande parte da população atinge essa faixa etária, seria ingênuo pensar que essas pessoas ficam apenas em casa, no sofá ou diante da TV, durante todo o dia. Muitas delas, além de cuidar da casa e da família, também contribuem com as finanças, trabalhando mesmo após a aposentadoria.

Mas não é somente em função do dinheiro que os idosos optam pelo trabalho. Sair de casa e ter contato com outras pessoas contribui para manter a saúde mental em dia. Esse é o caso da Maria José Lopes Fontoura, mais conhecida como Zezé Fontoura, de 70 anos. Ela é formada em enfermagem, mas está atuando com serviços gerais.
No caso de Zezé, a questão financeira é o principal motivo, mas estar em um ambiente agradável tem dado forças para continuar. “É uma coisa prazerosa porque você lida com o público. Eu sou faxineira e o povo é muito educado e conversa comigo. A gerente chega a falar ‘você não vai embora não?’”, conta.
Zezé explica que sempre lidou com o público devido aos trabalhos que teve. Não foi diferente com a pedagoga Zelita Chamone, de 73 anos. Ela descobriu a vocação ainda na juventude, quando começou a ensinar uma amiguinha de bairro, que tinha Síndrome de Down, a escrever. “Eu nasci professora”, diz.

A professora também explica que tem um carinho por voluntariado. “Assim que eu me aposentei já comecei meus projetos na área da educação e alfabetização de idosos”. Zelita montou uma sala de aula na garagem de casa, para ensinar o “beabá” a idosos carentes, mostrando que nunca é tarde para aprender e que é possível fazer a diferença em qualquer idade.
Os dados do IBGE estimam que a população idosa deverá representar 25,5% dos brasileiros até 2060. Quem está prestes a chegar à terceira idade é o comerciante Amauri Zabot, de 58 anos. “Não é só trabalhar remunerado, tem casas de apoio, asilos e ONGs que precisam de pessoas que queiram ajudar. Também tem o simples fato de interagir”, diz. Ele começou a trabalhar aos 7 anos, por necessidade, e atualmente segue por uma paixão.
“Eu amo o que faço”, diz Zabot. Frase que pode se encaixar muito bem com o pensamento do advogado César Luiz da Silva, de 81 anos, que continua a atuar na área por uma paixão pelo direito.
Nem tudo são rosas 1s6270
Como diz o César, “cada caso é um caso”. Apesar da força de vontade, conforme o tempo a, certas atividades vão ficando cada vez mais difíceis de serem realizadas.

Um levantamento de 2019, feito pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), apontou que cerca de 29% das pessoas com mais de 60 anos não conseguiram trabalho por serem consideradas muito idosas.
Zezé conta que um dos motivos para não atuar mais com Home Care – assistência médica domiciliar – é que não tem mais condições físicas de prestar serviço. “É uma realidade. Como eu vou levantar uma pessoa da cadeira de rodas e colocá-la na cama se eu não tenho força física?”, questiona.
Além do tratamento em domicílio, outro emprego que não permaneceu por causa da saúde foi o de zeladora de apartamento. “Eu estava sempre molhada e chegou uma hora que o corpo cobrou e eu comecei a ficar muito doente. Era uma semana trabalhando e uma semana de atestado médico”, conta.

Como Zezé, a professora Zelita também ou por imes no trabalho. Ela narra como sofreu preconceito na escola onde trabalhou, sendo mais cobrada e tratada com discriminação. “Uma vez fui ensinar diferentes grafias e a diretora interrompeu minha aula para dizer, na frente dos alunos, que meu ensinamento era antiquado. Eu estava seguindo o script do próprio MEC [Ministério da Educação]”, diz
Ela ainda complementa: “Acho que eles pensam: ‘aquela velha tá lá e ela não vai dar conta das crianças’. Mas isso não me abala, não vou deixar de estar lá por conta disso”.
Mesmo com as dificuldades 576038
No caso do advogado César, o obstáculo é hereditário, mas superado com a ajuda de todos no escritório. “Eu tenho um problema sério de visão chamado degeneração macular. Quando alguém no escritório faz alguma petição, eles vêm aqui para discutirmos o documento e, como eu não consigo ler as letras, eles leem em voz alta pra mim”, explica.

“Eu faço isso com a permissão deles e é por bem do escritório, em razão da minha experiência”, finaliza. A filha dele, Thessa Silva, também advogada, revela que trabalhar com o pai é uma inspiração. “Às vezes a gente tem argumentos diferentes, até por causa do contraste da advocacia antiga para a nova, mas o aprendizado é muito bom”.
Diante da pandemia, muita coisa mudou para o comerciante Amauri. No entanto, ele vê os aprendizados com positividade. “A pandemia veio como um ensinamento, foi um recomeço e ajudou a aprender a lidar com as pessoas a distância”, diz.

Ele conta que sempre foi muito próximo dos seus clientes, demonstrando carinho através do contato físico e conversas. Não poder receber seus fregueses no restaurante “foi um baque psicológico”. “Eu fiquei esse tempo todo entregando comida através do vidro. Foi um aprendizado para a forma como você conduz essa relação a distância”, diz.
Atividade física 34z1o
Fazer exercícios é fundamental em qualquer idade. Os benefícios vão além do ganho na capacidade funcional e redução de riscos cardiovasculares, existem também os ganhos neurológicos, motores e mentais. No caso de Zezé, ela encontrou amparo na dança.
“A dança ajuda muito a me manter viva”, diz. Ela conta que a mudança para Praia Grande foi o que a ajudou a fixar na atividade porque “era o que a mantinha em pé”.

Junto com Zezé, Amauri também entra no grupo dos que praticam exercícios. “Você precisa queimar essas energias, não só do corpo, mas também o estresse da mente. Estou me adaptando há alguns anos a pedalar antes do trabalho, me manter ativo”, explica.
Pensar em parar? 726h4d
Para muitos, o trabalho serve de refúgio para a mente. Um estudo feito pelo IEA (Institute of Economics Affairs) em 2013, mostrou que a aposentadoria pode elevar em 40% as chances de desenvolver depressão. Estar envolvido com a rotina, praticar exercícios e evitar a solidão são motivos para não abandonar as atividades após os 65 anos. Ainda assim, também é importante o indivíduo aceitar que o corpo pede descanso e cuidado.
Para Zezé, as condições ainda não são favoráveis, mas ela nutre um sonho de viajar pelo mundo. “Se eu pudesse parar, eu pararia e iria viajar”, diz. Já para o advogado César, a história é outra.

Quando questionado sobre o fim da carreira, César responde: “Eu amo o que faço. Digo para todo mundo que vou morrer trabalhando… e tenho certeza disso. Não penso em parar não, porque se eu parar é como se desse marcha ré. E trabalhar com jovens nos contagia porque eles nos transmitem energia boa, faz bem pra gente”.
A professora Zelita, assim como o advogado, não pensa em parar agora. “Não vou dizer pra ti que eu estou 100%, mas não me vejo parada não”, explica.
O comerciante Amauri, apesar de ainda não ter chegado à terceira idade, também não se vê nesse cenário. “Confesso que não desejo parar de trabalhar. Quando fico uns dias sem vir à Cantina, me faz falta esse contato com o cliente, com os colaboradores. Não me vejo com o tempo dizendo ‘vou me aposentar’”, conta.