Muito além do figurino: como a ‘roupa de trabalho’ fala sobre desigualdade de gênero e política

Para mulheres e negros a roupa vai além do estilo e a a ser uma ferramenta de proteção física e intelectual na rua e em ambientes corporativos

Muito além de uma questão de estilo, para as mulheres a roupa é quase uma ferramenta de tentativa de proteção na rua e demonstração de competência em ambientes corporativos.

Explico isso com um teste rápido:

Você já parou para pensar no trajeto que vai fazer da sua casa até determinado lugar e isso te “impediu” de usar determinada roupa? Se a resposta for “não”, provavelmente você é um homem.

Mulheres estão habituadas a pensar se precisarão pegar ônibus, se vão voltar à noite, se terão companhia, entre outros  fatores, antes de decidir o que vestir (e não, não é por vaidade!).

Para as mulheres a roupa é uma ferramenta que demanda investimento de tempo e carga mental. No livro “Mulher, roupa, trabalho: como se veste a desigualdade de gênero”, a produtora de moda Thais Farage e a advogada Mayra Cotta tratam sobre como moda vai além do superficial.

Mayra e Thais exemplificam que mulheres mais velhas querem parecer mais jovens e as jovens mais velhas – tudo isso “impondo respeito” e sem ultraar o “limite” da feminilidade.

Mayra Cotta e Thays Farage falam no livro “Mulher, Roupa e Trabalho: como se veste a desigualdade de gênero” como a roupa vai além de estilo e a a ser política – Foto: Renato Parada/DivulgaçãoMayra Cotta e Thays Farage falam no livro “Mulher, Roupa e Trabalho: como se veste a desigualdade de gênero” como a roupa vai além de estilo e a a ser política – Foto: Renato Parada/Divulgação

A saia não deve ser curta demais para não ar uma imagem de “vulgaridade”, mas também não deve ser comprida demais para não parecer antiquada.

“Pensar a respeito do que vestir para ir trabalhar constitui um exercício diário de reivindicação do pertencimento, uma vez que a roupa é a expressão material da nossa insistência em ocupar o mundo do trabalho e representa uma prática constante de negociação entre o que nos é imposto e o que de fato queremos” – Thais Farage e Mayra Cotta.

Vestir é um ato político, mas para quem?

Para a produtora de moda Marcela Casagrande, o motivo pelo qual alguns grupos são subjugados pelo que vestem tem origem na construção de uma sociedade fundamentada não só no machismo, como também no racismo.

Negros também pensam na roupa como proteção: sair “desarruado” de casa ou ear na vizinhança sem camisa, mesmo ainda criança, pode significar ser confundido com um criminoso ou suspeito a ponto de levar uma investida violenta da polícia.

“A sociedade cresceu com um imaginário social baseado no racismo e isso se perpetua por meio de diversas formas: muitas vezes pela linguagem, com comentários e falas, e outras vezes por meio de ações. Um exemplo é como o racismo perpetuou a ideia das ‘mulheres da cor do pecado’ e como isso foi o pedestal fundamental para a construção de estereótipos que exaltam a sexualidade e o erotismo da mulher negra, resultando na hipersexualização delas”, explica Malu.

Macela Casagrande é produtora de moda e comenta como moda é, sobretudo, política – Foto: Arquivo PessoalMacela Casagrande é produtora de moda e comenta como moda é, sobretudo, política – Foto: Arquivo Pessoal

Infelizmente a liberdade plena das mulheres em relação ao que vestem ainda está distante. É necessário uma quebra de padrões machistas e racistas profundos, para que estes grupos sejam considerados verdadeiros donos de seus corpos.

“Estamos muito longe do ideal e acredito que para um dia atingirmos isso seria necessário mais ações afirmativas: legislações e políticas públicas eficientes no que diz respeito a igualdade de gênero e raça”, destaca Malu, produtora de moda.

“Liberdade não é um direito”

Mães negras se preocupam desde a infância com abordagens violentas pela polícia. Na conferência TEDx São Paulo em 2017, a atriz Tais Araújo diz se preocupar com o “estilo” do filho desde criança. O fato do menino correr despretensioso na rua, como uma brincadeira, pode significar a vida dele e a segurança de seu corpo ainda pequeno.

“Meu filho é um menino negro e liberdade não é um direito que ele vai poder usufruir se ele andar pelas ruas descalço, sem camisa, suado saindo da aula de futebol. Quando ele se tornar adolescente, ele não vai ter a liberdade de ir para a escola, pegar um ônibus com a mochila com seu boné, com seu capuz, com seu andar de adolescente sem correr o risco de levar uma investida violenta da polícia”, refletiu a atriz.

“No Brasil, a cor do meu filho é motivo para as pessoas mudarem de calçada, esconderem suas bolsas e blindarem seus carros”- Tais Araújo

Pensando de uma forma crítica, para mulheres, negros e minorias num geral, viver é um ato político. E isso começa na roupa que você escolhe vestir, envolvendo a cor, comprimento e forma.

“Sabendo que conviver em sociedade é sobre política e que o próprio ato de vestir é um ato político, quando não nos vestimos podemos ser presos. Não é possível desassociar um do outro, moda e política caminham juntas”, conclui a produtora de moda Marcela Casagrande.

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