SC é o 2º estado do país que mais recebe refugiados venezuelanos 4i4h54

Mais de 10 mil refugiados já foram realocados para o Estado; Chapecó é a cidade que mais recebeu pessoas da Venezuela

A cada 15 dias, sempre em uma quinta-feira, o venezuelano migrado no país, Abraham Salazar, 26 anos, vai com a esposa Esaú Abraham, de 22, e o filho Sharon, de 3, no mercado em Florianópolis, Capital do Estado catarinense. Eles compram uma farinha especial para cozinharem arepas, tradicional lanche do país de origem da família.

Abraham e família vivem em Florianópolis, no estado catarinense, desde novembro de 2019Abraham e família vivem em Florianópolis desde novembro de 2019 – Foto: Arquivo Pessoal/ND

A família faz parte dos 10.540 refugiados venezuelanos que vieram para Santa Catarina, segundo do Ministério da Cidadania em parceria com as agências de refugiados e migrantes da ONU.

No total, o Brasil tem mais de 50 mil refugiados reconhecidos que saíram de Roraima e foram para outras regiões do país desde março de 2018, os chamados “interiorizados”.

E Santa Catarina é o segundo Estado com maior número de refugiados venezuelanos no país, atrás apenas do Paraná (11.218). Em terceiro, está o Rio Grande do Sul (9.506), seguido de São Paulo (9.370) e Amazonas (5.280).

Segundo a Coordenadora de Projetos em Santa Catarina da Organização Internacional para as Migrações, Yssyssay Rodrigues, um dos motivos que faz o Estado catarinense receber tantos refugiados é a disponibilidade de emprego.

“Um em cada quatro venezuelanos empregados no país está no Estado catarinense. Para eles se reinserirem economicamente, Santa Catarina mostra que é um dos Estados mais fortuitos, com mais empregos”, explica Yssyssay.

As cidades catarinenses também estão no topo das que mais receberam interiorizados no país.

Com 1.976 refugiados, Chapecó aparece em 6º lugar entre as cidades brasileiras que mais receberam venezuelanos, à frente de capitais como Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

Completam a lista ville (973), Balneário Camboriú (817) e Florianópolis (777), como as cidades catarinenses preferidas por esses migrantes.

Chegada ao Brasil 3i612q

Só que antes de ser mais um a chegar em Santa Catarina e criar raízes em Florianópolis, onde residem atualmente, a filha de Abraham ou por caminhos difíceis.

Tanto que a frase mais repetida pelo Abraham durante a conversa foi “Eu chego firme. Sempre arriscar. Quem não arrisca, não ganha”. E o mais importante lembrete: “estou acostumado a tomar decisões brutalmente”.

Era junho de 2018 quando a família decidiu se arriscar e saiu de Caracas, capital da Venezuela, para chegar em Pacaraima, em Roraima. A cidade brasileira é considerada a “porta de entrada” no Brasil, por estar na divisa entre os dois países.

Esaú estava grávida de 25 semanas  quando atravessaram a fronteira. Três dias após chegarem ao país, eles foram direto para Manaus.

“Trinta minutos após chegar em Manaus, o meu filho Sharon nasceu”, disse Esaú com um sorriso no rosto.

O casal sentiu que foi um recomeço dentro do novo começo. “Brincamos que o tempo que estamos aqui no Brasil é a idade dele (Sharon), 3 anos e 8 meses”, lembra Abraham.

Só que o começo destes quatros anos no Brasil, não foram fáceis. Eles vendiam bananas e frutas em uma barraca de rua na capital amazonense. Enquanto os pais trabalhavam, o bebê dormia em uma caixa de bananas com lençóis.

Manaus é a cidade que mais recebeu refugiados venezuelanos no país: 5.223 no total. Com a grande quantidade de migrantes, também há reflexos no dia a dia.

“Você é venezuelano, não vou comprar de você’, um cliente me falou uma vez. Eu comecei a chorar e respondi para ele “eu estou apenas trabalhando, não preciso da pena dos outros”, conta Esaú.

"Sempre arriscar. Quem não arrisca, não ganha", repete Abraham “Sempre arriscar. Quem não arrisca, não ganha”, repete Abraham – Foto: Arquivo Pessoal/ND

Com as dificuldades, tanto financeira quanto social, a situação estava difícil. Até que um dia, Abraham disse enfático para si mesmo ao levantar da cama – “Ya estoy cansado” (já estou cansado).

Naquele dia, novamente no impulso, ele comprou as agens para Florianópolis e avisou a Esaú que a família tinha apenas mais dois meses em Manaus.

“A primeira coisa que pensei foi em poder ir para praia em Santa Catarina”, relembra Esaú, enquanto faz um afago no cabelo de Abraham.

Com amigos e conhecidos vivendo em Santa Catarina e Paraná, eles estavam convictos que tinham tomado uma boa decisão.

E após 60 dias, eles embarcaram em um novo recomeço a Santa Catarina em busca de estabilidade e trabalho.

Empregos e vagas no Estado 2j6u15

Existem várias modalidades para interiorização dos venezuelanos, segundo o do Ministério da Cidadania.

A modalidade na qual Santa Catarina se destaca é “Vaga de Emprego Sinalizada”, segundo o Oficial de Meios de Vida do ACNUR Brasil, Paulo Sérgio Almeida.

Isso ocorre quando pessoas venezuelanas são realocadas a partir de uma oferta de emprego feita por empresas estabelecidas em outras cidades brasileiras.

“Santa Catarina se destaca pela oferta de empregos na área da indústria de processamento de alimentos. É um dos Estados que mais contribuíram para interiorização. Em Santa Catarina, 19% chegaram ao Estado com uma vaga de emprego sinalizada, enquanto a média nacional dessa modalidade é de 9%”, explica Paulo Sérgio.

Apesar dos grandes números, não foi esta situação que Abraham e Esaú encontraram quando chegaram aqui.

Vida de manezinho 23165o

Após a família ser “interiorizada”, o casal demorou para conseguir se estabelecer em Florianópolis.

Eles moravam em uma quitinete no Monte Serrat e também vendiam frutas para pagar as contas.

Desde os 15 anos, quando começou a vender café colombiano pelas ruas de Caracas, Abraham tem uma relação próxima com as vendas. Já ela, na contramão do marido, afirma que não é boa com as vendas.

Além das frutas, o casal chegou a vender brigadeiros e até artesanatos em frente ao Mercado Público de Florianópolis entre 2019 e 2020.

Abraham montava uma barraca ao lado do Mercado Público para a venda de produtos artesanais – Foto: Leo Munhoz/NDAbraham montava uma barraca ao lado do Mercado Público para a venda de produtos artesanais – Foto: Leo Munhoz/ND

Abraham também trabalhou na praia vendendo produtos artesanais, como chapéus de capim dourado.

Dificuldades 2y1e2c

Segundo Yssyssay, é comum os venezuelanos irem primeiro para o mercado informal. E quem mais sofre são os jovens de até 24 anos e mulheres. Estes dois grupos representam cerca de 60% do total que estão na informalidade.

“Se a gente está em situação econômica não favorável, isso afeta. E tem o português, que é outra língua”, afirma Yssyssay.

Em abril de 2021, Abraham e Esaú entraram para as aulas na ONG Círculo da Hospitalidade, localizada no Saco dos Limões, onde obtiveram conhecimento sobre finanças, marketing, empreendedorismo e, principalmente, português. Era uma etapa para ingressar no mercado formal.

Após quase um ano de aprendizado, no final de 2021, Abraham, com a alma de comerciante, mais uma vez tomou a decisão. Ele estava convicto em abrir o próprio negócio. Desta vez, segundo ele, com uma “dose de planejamento”: com CNPJ, legalizado e em estabelecimento comercial.

“Foi metade impulso e metade planejado, pensamos em subir mais um degrau e ao mesmo tempo foi na hora, mas foi pensado. Eu disse topo e vamos lá”, relembra o venezuelano.

Há menos de um mês, em janeiro de 2022, o casal abriu um frango assado e churrasco na rua Rio Tavares, em Florianópolis, que funciona aos sábados, onde conseguem ter a própria renda.

“Eu falava você não me conhece, ‘chego’ firme”, relembra Abraham.

O casal usou a criatividade e uniu o jeito do churrasco brasileiro com molhos típicos do país de origem. O que, segundo eles, se dá em uma comida suculenta e espetacular.

E o casal, finalmente, conseguiu o que queria desde o começo após anos no Brasil, com uma vida toda na Venezuela – apenas se sentir em casa.

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