Você já imaginou como seria um mundo se a jornada de trabalho fosse de apenas 32 horas semanais? Apesar de ter sido muito abordado este ano com o anúncio dos testes no Reino Unido, a semana de quatro dias existe oficialmente desde 2015, e com o ar dos anos vem ganhando adeptos e defensores da ideia.

A ideia de uma semana de quatro dias pode parecer estranha a princípio. Isso ocorre porque o modelo fordista implementado em meados da década de 20, instituiu que seus funcionários trabalhassem 40 horas semanais. A ideia de Ford, em teoria, era aumentar a produtividade de seus colaboradores.
Porém, após décadas nesse mesmo modelo de trabalho, o debate sobre a concordância entre produtividade e bem-estar está sendo aprimorado. Agora, após desvincular horas de rendimento, um novo jeito de trabalhar está sendo estudado e é chamado de “Four days week” ou “semana de quatro dias”.
A iniciativa de diminuir a carga horária de trabalho começou na Islândia, em 2015, quando o governo separou 1% da população ativa do país para aplicar o teste. Os resultados foram tão significativos que levaram os sindicatos a negociar os padrões de trabalho mantidos. Agora, cerca de 86% da força de trabalho mudou para uma jornada semanal menor.
Tendo em vista o potencial do projeto, outros países já começaram a se movimentar, empresas dos Estados Unidos, Japão, Nova Zelândia e Suécia estão promovendo testes na organização para averiguar os benefícios e malefícios dessa nova jornada.
O piloto do Reino Unido iniciou nesta segunda-feira (6), com duração de seis meses. Estão envolvidos mais de 3 mil trabalhadores de 70 empresas. Durante o programa, os trabalhadores irão receber 100% do salário.

E no Brasil? 2y4o3q
Com o trabalho remoto que trouxe a pandemia, empresas do ramo da tecnologia têm repensado a tradicional semana de trabalho, como é o caso da Phonetrack, empresa de mensuração, análise e qualificação de dados de voz.
O CEO Marcio Pacheco, explica que a ideia surgiu durante a busca de recompensas e maior qualidade de vida para os colaboradores. “Foi na procura de benefícios para 2022 que a empresa criou esse movimento da semana com quatro dias. Nós reunimos os líderes, estudamos, mapeamos e então estruturamos um piloto de 90 dias”, conta.
Como primeiro o, a empresa traçou métricas para que pudessem calcular o andamento do teste. Dentre as medidas da organização estavam o banco de horas trabalhadas e demissões por períodos, já os líderes dos setores trouxeram a relação de produtividade. Com a determinação das medidas, o piloto estava mais próximo de ser implementado.

“O segundo o foi delimitar uma escala. Todos teriam um dia de folga na semana, mas para não deixar o setor sem ninguém, separamos em grupos em que uns folgam na segunda e outros na sexta”, explicou.
A gerente de marketing da Phonetrack, Fernanda Fabian, conta que no início “era um misto de sentimentos”. Ela estava feliz que teria um dia a mais de descanso, mas, como líder, ainda havia um sentimento de apreensão de como as coisas iriam funcionar.
“As dúvidas eram mais no sentido de se eu, como gestora, daria conta de manter o mesmo resultado, se teria que contratar mais gente ou como ficariam os salários. Mas o tempo de preparo junto com todos os líderes foi importante para o amadurecimento do projeto”, diz.
Fernanda explica que a transparência da empresa para com os colaboradores ajudou muito no esclarecimento das dúvidas. “Nesse tempo que a empresa deu eu já fui implementando coisinhas básicas de organização, para quando chegasse o grande momento eles estivessem preparados”.
O período inicial de teste também surpreendeu o sócio da agência de comunicação Shoot, Luciano Braga. Ele diz que por ser um assunto inovador e não ter muitos adeptos no Brasil, o início foi uma incógnita.
“Eu me assustei mais do que realmente aconteceu. Eu achei que seria em um nível em que todo mundo ia pirar, teríamos que trabalhar até tarde e não chegou a acontecer”, conta.
Luciano explica que seu receio era porque a Shoot começou suspendendo o trabalho de todos na sexta-feira, porém, mesmo a empresa não funcionando por três dias, o resultado não foi avassalador.

“A gente testou com todo mundo não trabalhando na sexta e viu que não funcionava muito bem por causa dos clientes. Então a gente deu prioridade para isso e adaptou a ideia. Mas mesmo durante os testes no primeiro momento, foi corrido mas fluiu muito bem. Não perdemos nenhum cliente, não deixamos de entregar nada”, conta.
Luciano diz que tiveram outros ajustes durante o cominho, mas o comprometimento de todos ajudou nessa jornada de adaptação. “Todo mundo já tinha entendido que teria que ser mais organizado, menos procrastinador e ter uma autogestão melhor. Estou muito surpreso positivamente porque foi um processo muito mais fácil do que eu imaginava”.
Impactos na saúde mental e produtividade 1z231a
As duas empresas relatam ganhos positivos relacionados ao rendimento e bem-estar. A psicóloga Joice Daniela Tambosi explica que ter um tempo a mais para si reduz o estresse e o risco de esgotamento, muito conhecido como Síndrome de Burnout.

“Ter um período maior para organizar sua vida, descansar a mente, estar com as pessoas que se ama, faz com que essa oxigenação no cérebro seja transformada em felicidade e senso de pertencimento no seu ambiente organizacional”
Ela explica ainda que a era pós Covid-19 ajudou a repensar a maneira que vivemos atualmente. “Em um período de pós-pandemia, onde alguns sistemas foram alterados para forma híbrida, foi visto que há outras maneiras de ser produtivo e isso não afetaria diretamente a produtividade e consequentemente o resultado final”, diz
Os resultados dessa mudança puderam ser sentidos por todas as áreas das empresas. Para a Phonetrack, Márcio conta sobre os relatos de seus colaboradores.
“Eu recebi depoimentos incríveis, uns usaram o tempo extra para resolver assuntos da faculdade, cuidar da saúde, lazer e até concluir cursos pendentes. O nível de felicidade cresceu significativamente na empresa. Nosso IFT (Índice de Felicidade no Trabalho) está em 92%, um percentual incrível”.

Para Fernanda, funcionária da Phonetrack, o dia a mais no fim de semana ajudou a se cuidar e dedicar a vida pessoal.
“No início eu aproveitei para colocar o médico em dia, então nos meus primeiros dias de folga eu estava sempre batendo ponto na clínica. Eu aproveitei para adiantar as coisas que ficava postergando durante a semana. Agora que eu estou conseguindo aproveitar melhor meu dia, por exemplo, na última sexta-feira eu estava estudando, terminando de ler um livro que comecei fazia um tempo já”, conta.
Na Shoot a ideia de implementar uma semana reduzida surgiu na procura de uma melhora na qualidade de vida dos funcionários. “A gente implementou a semana porque as pessoas estavam muito cansadas, e a nossa empresa preza muito pela saúde mental”, conta Luciano.

“É legal ver isso, elas têm tempo para fazer o que quisessem na sua vida pessoal. Elas chegam no trabalho com a vida organizada e a mente descansada. Com gás para trabalhar”, diz. Em seu day off (dia de folga), Luciano conta que usa para desenvolver seus outros hobbies.
“Pra mim esse um dia vem como uma benção, eu gosto muito de escrever então tenho me dedicado a isso. No primeiro momento deu uma confusão mental porque a semana estava menor, mas por outro lado foi muito bom porque eu tenho tempo para me dedicar aos meus projetos”, explica.
As duas empresas relataram progresso quanto a pontualidade das reuniões. Conversas que antes duravam horas, agora são feitas em 30 minutos. “Um dos principais ganhos foi que as pessoas aprenderam a valorizar reuniões, e não fazer reuniões que podiam ser um email”, diz Fernanda.
O que diz a legislação brasileira? 632l15
Conforme a Reforma Trabalhista, aprovada pela Lei 13.647/2017, a CLT (Consolidação das Leis de Trabalho) determina que a jornada de trabalho seja de no máximo oito horas diárias, podendo se estender por até duas horas e que seja concedido um dia de descanso semanal.
Segundo Pricila Farias, advogada especializada em Direito Trabalhista e sócia do escritório MB-F Advogadas & Associadas, não existe uma legislação que proíba uma carga horária menor do que a estipulada pela Constituição, mas poderá haver complicações caso a empresa queira retornar ao modelo trabalhista anterior.
“É importante alertar que, se a empresa simplesmente optar pela redução da jornada dos funcionários, mantendo o mesmo salário, posteriormente, caso queira retornar à jornada normal, ela iria contra a Constituição, sendo necessário, um aumento de salário a todos os funcionários”, explica

A advogada afirma também que a orientação, para não gerar nenhum eventual problema jurídico, é que as alterações sejam formalizadas por meio de .
“Portanto, recomenda-se que a redução proporcional da jornada e do salário, quando não pactuada por meio de convenção ou acordo coletivo, seja acompanhada de uma justificativa, em que se possa aferir que a adoção da medida é benéfica ao empregado”, finaliza.
Por ser algo recente e não haver previsão legal que regulamente a nova modalidade, não há problemas na adoção do método desde que não impacte nos direitos do empregado.
Ambas as empresas optaram por não reduzir o salário de seus colaboradores. “Nós mantemos o mesmo salário, as horas também não foram distribuídas, a gente simplesmente adotou que um dia da semana sumiu”, conta Luciano.
Quando questionadas sobre a reversão da jornada de trabalho de quatro dias, as empresas afirmaram não terem a intenção de voltar ao modo convencional.
“Tudo indica que para nós a mudança será permanente”, diz Márcio. Para Luciano, “não tem porque voltar atrás”, finaliza