O que vem à cabeça quando você pensa em um carro de mensagens ao vivo? Provavelmente um momento marcante de aniversário ou uma melosa declaração de amor. Para Lucas Estevan Soares, diretor e roteirista do filme “Coração de Neon”, isso vai mais além: a ideia está associada a um Corcel de nome Boquelove, repleto de marcas do tempo e tomado por luzes coloridas.

O veículo, que teve o seu auge nos anos 1970, é um elemento crucial no longa-metragem de estreia do cineasta de 32 anos, que chega aos cinemas nesta quinta-feira (8). “É um carro todo ferrado, mas, ao mesmo tempo, fofo e feito com carinho”, comenta o curitibano.
Gravado totalmente em Curitiba (PR), “Coração de Neon” traz a parceria de Fernando, um jovem performer, e seu pai, que trabalham transmitindo mensagens ao vivo com um carro de mensagens. A vida do protagonista, interpretado pelo próprio diretor, muda drasticamente após um telegrama terminar em tragédia. O que vem a seguir é uma jornada sobre perseguir sonhos. A produção também é estrelada por Wawa Black, Ana de Ferro, Paulo Matos, Wagner Jovanaci e Wenry Bueno.
“A mensagem se conecta com o mundo inteiro porque todos têm um sonho, um objetivo de vida, algo que querem correr atrás”, reflete Lucas. “A sensação que tentei construir foi para que cada pessoa saísse [da sessão] e corresse atrás dos seus sonhos”, completa.

O espírito otimista, reforça o diretor, define o tom de parte dessa história. “O filme tem uma pureza e uma leveza. Mas, como na vida, uma tragédia pode despertar o sombrio, por mais bondosa e amorosa que a pessoa seja”, explica. A amplitude de sentimentos, por sua vez, vai além da trama. “O carro de mensagens de amor carrega diferentes emoções e não se limita a uma coisa. E o filme é uma mistura de gêneros, então é difícil definir um só”.
O icônico carro de mensagens, inclusive, tem relação direta com a vida do cineasta. “Não faz só parte da minha infância, mas parte do brasileiro. Isso sempre me fascinou pelo que representa: chamar um carro para homenagear alguém. Muitos veem como piada, mas sempre achei que teria pano para manga para um roteiro”.

A produção independente já teve sessões na Argentina, França, Estados Unidos, Japão e Rússia, e foi exibida e premiada como melhor filme em festivais de Houston (EUA) e Moscou (Rússia). “A gente ficou surpreso e percebeu que o filme cruza barreiras e se conecta de maneira universal”, diz Lucas. O longa também garantiu prêmios de melhor filme, roteiro e diretor no FestCine Pedra Azul.
Concebido no pré-pandemia
A ideia do projeto surgiu em 2014, a partir do conceito de uma perseguição envolvendo um carro de mensagens. Filmado em 2019, “Coração de Neon” teve as filmagens finalizadas logo antes do baque da pandemia de Covid-19, que em muito impactou o setor do audiovisual. “Nos concentramos em fazer a pós-produção nessa época, quando estava tudo parado para todo mundo”, conta Lucas.
Foi na pandemia, inclusive, que o cineasta e Rhaissa Gonçalves, sua esposa e sócia, se mudaram para Florianópolis. “Sempre fui muito apaixonado por Floripa e a Rhaissa tem uma conexão com a cidade, onde ela ou parte da infância”, explica Lucas. A empresária atuou no filme como produtora e colorista.
Cinema de guerrilha
O lançamento do primeiro longa de Lucas segue a todo vapor no Brasil, após pré-estreias no Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba. Até esta quarta-feira (8), pelo menos 100 salas estavam confirmadas para receber “Coração de Neon” a partir desta quinta. A conquista é motivo de orgulho para a equipe, dedicada ao cinema de guerrilha.
Segundo o diretor, 99% do longa foi rodado no Boqueirão, bairro onde ele nasceu e cresceu. “É especial introduzir o meu trabalho expressando e mostrando de onde venho”, garante. As ruas por onde o Boquelove percorre no filme foram cenários da infância e adolescência do curitibano, desde a fachada da casa de seus pais a casas de amigos, que serviram de locação.

Trata-se de um projeto sem financiamento público, “100% guerrilha”, como define o diretor. “O desafio começa com o risco pessoal de investir o próprio capital, além da pressão de não saber no que vai dar. São muitas variáveis”, detalha.
As limitações exigem uma habilidade de improviso afiada, bem como uma paixão pela criação em andamento. “É uma equipe enxuta e foi preciso pedir muito apoio. [Esse tipo de projeto] demora mais para ser finalizado e você se questiona o tempo todo se foi uma escolha certa”, conta Lucas. O sonho de ver a obra ganhar vida, no entanto, é mais forte. “Você acha energia onde não tem e se renova a cada dia”.