Atenção: o texto possui spoilers sobre o filme, incluindo detalhes importantes da história e elenco.
A caminho de uma sessão do filme “Indiana Jones e a Relíquia do Destino”, na quinta-feira (29), no Continente Shopping, na Grande Florianópolis, lembrei de uma ida ao cinema a quinze anos atrás. Foi em 2008, com “Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal”, que tive o meu primeiro contato com os filmes do arqueologista e me tornei grande fã.
A franquia começou em 1981, com “Os Caçadores da Arca Perdida”, e teve duas continuações na mesma década, que formam a chamada “trilogia original”. O quarto capítulo é considerado pelos iradores oitentistas como um grande fiasco e, mesmo reconhecendo suas fragilidades, cultivo por ele um carinho especial. O primeiro filme de Indy a gente nunca esquece.

A quinta aventura, que acabou de chegar aos cinemas, aceita, talvez mais que o anterior, o período contemporâneo. Estamos diante de um Indiana Jones de 1969 (a trilogia original se a nos anos 1930), mas imerso em uma produção de cinema de 2023, que já aceitou a abundância de efeitos visuais hollywoodianos.
Perde-se parte da simplicidade que transparecia nas cenários distantes e visualmente atraentes e ganha-se a chance de ver mais uma vez Harrison Ford vivendo o personagem que o eternizou. Perde-se o ritmo irável dos filmes oitentistas e ganha-se sequências de ação que rejuvenescem o ator de maneira surreal.
O novo longa-metragem foi anunciado como a última empreitada de Ford como o personagem. Aos 80 anos, ele mantém a essência do Indiana Jones intacta: resmungão, criativo na hora do perigo e aterrorizado por cobras. No mundo ficcional da franquia, que já trouxe alienígenas e arcas com poderes sobrenaturais, a idade não impede Indy de galopar ferozmente em meio a uma multidão ou escalar obstáculos. O bônus aqui é a autoconsciência da idade, trabalhada de forma bem-humorada.
A idade dialoga justamente com um dos temas centrais: o tempo. Uma frase que me marcou quando vi o quarto filme, em 2008, ficou comigo desde então e representa bem o cerne da nova aventura: “Chegamos à idade em que a vida para de dar e começa a tirar”. É o medo das perdas, do enfraquecimento, da percepção de uma contagem regressiva da vida.

Neste novo longa, o primeiro sem Steven Spielberg na cadeira do diretor, Indy, de fato, perdeu ainda mais: o casamento encantador da história anterior ruiu e o filho recém-descoberto está morto. O sossego já era, aqui arruinado não por tropas nazistas ou rituais macabros, mas por jovens vizinhos barulhentos. O herói está mais mundano, se aposentando da sala de aula e dando pouca bola para um dos eventos mais marcantes da história, a chegada do homem à Lua.
Apesar da melancolia que carrega, “Indiana Jones e a Relíquia do Destino” termina com uma perspectiva positiva, graças à revigorante afilhada do protagonista. Helena Shaw é vivida por Phoebe Waller-Bridge, da série “Fleabag”. É sobre abraçar o tempo que temos – o presente – e encontrar maneiras de enxergar o que está imperceptível ao nosso redor. Sempre há algo a incorporar positivamente em nossas vidas ou alguém por quem zelar, por mais que isso não esteja visível.
É preciso aceitar que Hollywood continuará turbinando seus filmes de aventura com efeitos visuais e que nunca mais teremos a estética exata dos clássicos. Ainda assim, temos lançamentos como este e “Halloween Kills: O Pesadelo Continua”, de 2021, que homenageiam suas raízes. Nem se Spielberg voltasse ao comando conseguiria emular o que fez quando tinha as ferramentas dos anos 1980.
No caso de Indiana Jones, a afilhada do herói é quem coloca tudo em perspectiva. Não há escapatória: por mais seguro e confortável, não podemos tentar viver no ado – nem literalmente, como deseja Indy. O mesmo se aplica à franquia, que chegou ao seu quinto capítulo como pôde, se adaptando ao que o cinema de hoje tem a oferecer.
Em que ano “Indiana Jones e a Relíquia do Destino” se a? 6a2j15
As primeiras cenas do filme se am em 1944, alguns anos após o terceiro capítulo, “Indiana Jones e a Última Cruzada”, lançado em 1989. Vemos um Harrison Ford rejuvenescido digitalmente, atrás de um item histórico poderoso, criado por Arquimedes, capaz de encontrar brechas para viajar no tempo.
Após a sequência de abertura, a história pula para 1969, o período presente de Indiana Jones, que na trama tem seus 70 anos. No terceiro ato, vamos rapidamente para o ano de 213 a.C, quando os personagens voltam no tempo e testemunham a invasão de Siracusa pelos romanos e Indy fica cara a cara com Arquimedes.
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Harrison Ford retorna no papel principal, ao lado da estreante na franquia Phoebe Waller-Bridge, que interpreta a afilhada do arqueologista. Ela certamente carrega parte do brilho e não fica às sombras do protagonista. Certeira e realista, funciona por conta própria e vai se abrindo para a relação de carinho que havia criado com Indy no ado.

O vilão é vivido por Mads Mikkelsen, o personagem que dá nome à série “Hannibal” e o novo Grindelwald de “Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore”. Há participações de Antonio Banderas e Karen Allen, a paixão de Indy que dá as caras no primeiro e no quarto filmes.
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“Relíquia do Destino” resgata alguns elementos da franquia: dos mapas mostrando trajetos de personagens pelo mundo a armadilhas mirabolantes em lugares claustrofóbicos. Falando nisso, aqui a sensação de claustrofobia tem o seu auge em uma cena subaquática. Mesmo com essas peças-chave, o filme não se a na nostalgia para tentar agradar os saudosistas.

As trilhas originais de John Williams, que retorna como compositor, são usadas de forma estratégica. Como uma boa continuação de uma franquia antiga, traz as notas associadas a personagens quando eles são introduzidos na tela e desperta memórias de filmes anteriores. Impossível não se emocionar quando Karen Allen surge como Marion Ravenwood.
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Harrison Ford é rejuvenescido digitalmente algumas décadas por uns bons minutos no começo do filme. O que poderia dar muito errado acaba funcionando para amarrar o novo capítulo ainda mais às aventuras clássicas.
Mesmo que a técnica desperte críticas quanto à autenticidade da performance (aqui é Ford, de fato, que gravou as cenas), ela vem sendo utilizada cada vez menos timidamente nos últimos anos.

Carrie Fisher, ainda viva na época, voltou a aparentar ter 19 anos em “Rogue One: Uma História Star Wars”, de 2016. Já Peter Cushing, do mesmo filme, foi “revivido” por computação gráfica. Paul Walker, que morreu durante as filmagens de “Velozes & Furiosos 7”, teve suas cenas finalizadas graças a uma combinação de técnicas.
O que aconteceu com o personagem de Shia LaBeouf? c6s53
As menções aos filmes anteriores não ficaram apenas nas entrelinhas. Uma das mais notáveis tem relação com Mutt Williams, personagem de Shia LaBeouf em “Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal”.

Considerado uma das apostas de elenco do capítulo anterior, o ator ficou de fora da nova aventura. Mutt havia sido revelado como o filho de Indiana Jones, mas aqui descobrimos que o personagem se alistou no Exército durante a Guerra do Vietnã.
O fim foi trágico e é sentido por Indy neste quinto filme. Segundo o diretor James Mangold, a decisão de não trazer Mutt novamente foi “certa emocionalmente” para fortalecer o arco do protagonista.