Nenhuma lista é um consenso. São atestados de um momento, de um contexto, de um ano ou às vezes da própria personalidade do crítico. Listas de melhores filmes/livros/música podem e devem ser diferentes umas das outras – ou qual seria a graça se todos concordassem em tudo? Listas, acima de tudo, necessitam ser argumentativas.
A arte pode e deve ser embasada. A paixão pode andar de mãos dadas com a racionalidade, afinal. Listas indicam, sintetizam e permitem a nostalgia, a retrospectiva açucarada ou a reação inflamada. Mas, principalmente, listas destacam: uma grande atuação, um grande filme, um grande diretor, uma grande sequência.
Listas de melhores do ano são divertidas por nos colocar diante do ado com reverência e apontar o que de melhor chegou a nós no mundo das artes.
Para mim, o melhor do cinema de 2019 é representado pelos 25 filmes a seguir:
- Dois Papas, de Fernando Meirelles
Meirelles tem o controle soberano sobre um filme de amor e comunhão num momento caótico- provavelmente, o mundo que enxerga. Jonathan Pryce é inesquecível, assim como sua personificação de um homem que escolhe não fugir de seu ado.
- Professor Substituto, de Sébastien Marnier
“O medo é contagioso“. Um retrato assustador sobre a agem do conhecimento, da promessa para frustração, da juventude para a fase adulta, numa ótica que flerta com horrores psicológicos como Os Inocentes.
- Coringa, de Todd Phillips

Coringa combina algumas das apropriações mais interessantes do terror a partir dos anos 60, quando a estrutura do gênero começou a se aprofundar mais no tom desafiador que gerava se debruçar num psicopata, como A Tortura do Medo. Arthur provém de um mundo alarmante e Philips constrói o caos em cima desta personalidade, onde a gentileza é uma fantasia.
- Piranhas, de Claudio Giovannesi
Existe uma decisão de Claudio Giovannesi que orienta o espectador por sua principal intenção narrativa (e a mais profunda): deixar-nos próximos de Nicola. Ao enquadrar seu protagonista sempre absoluto, o diretor nos imerge no ponto de vista de Nicola – fazendo com que cada sensação nova seja identificada pelo público com naturalidade: de seu entusiasmo até a sua ingenuidade. Compreendemos tristemente, afinal, o caminho daqueles adolescentes sedentos em querer fazer parte de um sistema tóxico, em querer se sentir abraçados por todos, em querer iração social, dinheiro, sexo e poder. Giovannesi troca os likes da internet pela rua ao tratar sobre a juventude, porém faz com que um filme acerca de gangues ainda consiga se manter atemporal e profundo.
- Synonyms, de Nadav Lapid
É comovente a maneira com a qual o personagem do ótimo Tom Mercier tenta se impor sobre seu próprio destino, sem perceber que o controle nunca estará ao seu alcance. Navad Lapid transita por momentos românticos, obscenos e outros de crise, de desespero e de solidão profunda, onde ninguém está lhe ouvindo. É um testemunho eficiente sobre a vida e a nossa identidade. Sobre a liberdade e o que nos reprime. Sobre pertencer e não pertencer, na mesma intensidade, neste mundo.
- Irlandês, de Martin Scorsese

Aos 77 anos, Scorsese a a querer compreender um pouco mais da proximidade da morte natural como penitência. Há uma pergunta que parece invadir O Irlandês sem que nunca seja realmente enunciada: “o que sobra para quem vive demais?“.
- Mike Wallace Está Aqui, de Avi Belkin
Por meio de uma poderosa montagem visual e sonora, o documentário de Avi Belkin deixa claro o tipo de jornalista que Mike Wallace era sem que precise apontar ao espectador e dizer – olhem só, vejam isso. Humano como poucos, Mike se misturava com a gana social por respostas claras para grandes questões, equilibrando-se entre o ousado, o atrevido e o consciente. Acima de tudo, o filme nos evidencia o caráter que separa Wallace de outros tantos imitadores condenáveis – sua empatia e a sua paixão pela verdade.
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- Loucuras de Rose, de Tom Harper
Quando Ashley McBryde canta Girl Going Nowhere, numa cena extremamente delicada de Wild Rose, ela não está ecoando apenas a sua voz, mas marcando na sua música uma geração inteira. Uma geração inteira de jovens compositoras que percorrem mundos nefastos para chegar até um palco e serem capazes de reproduzir seus versos para milhares de pessoas. As luzes se apagam e lá está – a artista, o violão e a sua música. Uma das poucas coisas da vida que pode chamar de sua. Aquele simples instante nos demonstra a força de uma artista e da arte na nossa personagem-título, a qual entende (aos poucos) que todos têm sua própria história e sua própria casa. Todos possuem sua própria mensagem. O caminho é doloroso, competitivo, solitário e profundo, como uma boa música country.

- Vida Invisível, de Karim Aïnouz
A principal pergunta de Karim Aïnouz corresponde a: “de quantas lacunas uma história precisa?“. Qual a diferença entre o que previmos, o que realizamos, o que idealizamos e o que é real? A Vida Invisível é justamente sobre uma vida que não se fala, uma vida desigual, ainda que, ironicamente, tão comum. O resumo da obra do cineasta cearense é que a vida nunca sairá como imaginamos. São as lacunas, entretanto, que carregam a força do filme – as famosas entrelinhas – e, por que não, da bagagem de cada um de nós.
- Beach Bum, de Harmony Korine
Matthew McConaughey em um daqueles papéis que um grande ator se depara apenas uma vez na vida. Muito além do nonsense e da graça, Moondog traz profundidade, sensibilidade e humanidade, em The Beach Bum – talvez meu filme favorito do Harmony Korine. Ainda não estreou no Brasil.
- Não Mexa Com Ela, de Michal Aviad
Liron Ben-Shlush é soberba na pele de uma mulher trabalhadora que é abusada pelo chefe Benny (Menashe Noy). A obra da diretora Michal Aviad é cruel e crua na medida, conseguindo deixar o espectador impotente diante dos avanços constantes de Benny e alerta à nossa própria realidade.
- Mustang, de Laure de Clermont-Tonnerre
Laure de Clermont-Tonnerre cria um testemunho poderosíssimo sobre a ressocialização de um preso, o qual alia um mundo de selvageria e violência com o de comunhão, de humanização e de claras vicissitudes. A transformação de Roman não vem por caráter punitivo ou clichê, mas com a autorreflexão da importância de se sentir parte de algo, de voltar a sonhar, de se sentir novamente valorizado. Há um valor documental na obra de Laure. O cavalo selvagem jamais soa uma analogia simples e óbvia. A diretora é capaz de evidenciar a impotência diante de nossa condição contextual com a mesma naturalidade do gatilho que provoca o desejo de amor ou de vingança.
- Jojo Rabbit, de Taika Waititi
– Hora de queimar alguns livros!
– Yeaaaahhhh!
Surpreendente, debochado e ousado, Jojo Rabbit inicia com uma hilariante apresentação de seu personagem-título (o incrível Roman Griffin Davis), cujo amigo imaginário é nada mais nada menos que Adolf Hitler, na frente de um espelho, sinalizando afinal o que a vida na França espera dele naquele momento. Depois de um rápido “aprendizado” em um campo escoteiro nazista, onde ganha o apelido “Rabbit”, Jojo fabula sobre um mundo que não existe, enquanto as projeções aleatórias e surreais dos coadjuvantes evidenciam as humilhações impagáveis de um período absurdo da história do mundo expostas por Taika Waititi. Há algo bizarro, estúpido, debilitante e juvenil no preconceito, afinal. Estreará comercialmente em janeiro de 2020.
- Dor e Glória, de Pedro Almodóvar
Salvador Mallo (Banderas) é um homem que não pertence ao presente. Perdido entre seu sentimento de não pertencer ao mundo que vive e os flashes de sua memória que insistem em se confundir com sua realidade, ele se entorpece com pequenas doses diárias de medicamentos. Procura abraçar seu ado, inclusive perdoando narrativas que havia superado, na mesma intenção de projetar um futuro que possa fazer parte. A procura de Salvador acaba encontrando o símbolo máximo do artista: como se respira? Deixando o nosso pensamento sair para telas, ear por letras e encontrar nossos destinatários, é o que raciocina.
- 11. Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles

A decadência da humanidade na visão de Kleber e Juliano encontra uma alta dosagem de John Carpenter e Glauber Rocha. Bacurau é quase um faroeste nordestino que reside na tênue linha entre ado, presente e futuro. Tudo é complementar. Tudo é orgânico. Tudo é fundamentado em porquês. É um testemunho poderosíssimo sobre a recente ira que incendeia o mundo e no que isso pode nos transformar.
- Ford V Ferrari, de James Mangold
Uma das repetições mais inteligentes presentes no filme de James Mangold, Ford V Ferrari, é o silêncio. Ele é absorvido pelo público em situações diferentes, por homens distintos, vivendo vidas distintas. Porém, de alguma maneira, todos os personagens refletem sobre a mesma pergunta levantada ao início e ao final do longa-metragem: “quem é você"});// Remover os listeners após a execução document.removeEventListener('click', loadTaboolaConfig);document.removeEventListener('touchstart', loadTaboolaConfig);document.removeEventListener('mousemove', loadTaboolaConfig);document.removeEventListener('keydown', loadTaboolaConfig);}document.addEventListener('click', loadTaboolaConfig);document.addEventListener('touchstart', loadTaboolaConfig);document.addEventListener('mousemove', loadTaboolaConfig);document.addEventListener('keydown', loadTaboolaConfig);});