‘Aula de história’: Dascuia narra trajetória de princesa africana na Nego Quirido 3s6t5b

A rainha de bateria da Dascuia, Eduarda Mendes, encantou o público ao desfilar grávida de 8 meses pela arela em Florianópolis

Segunda escola a entrar na arela Nego Quirido, às 22h30 de sexta-feira (28), a Dascuia enalteceu o legado da princesa africana Zacimba Gaba. Para uma arquibancada lotada, o desfile narrou a história da mulher negra que se tornou símbolo da resistência à escravidão no Brasil.

Primeiro carro da Dascuia apresentou a coroação da princesa africana Zacimba Gaba – Foto: Divulgação/Mafalda Press/NDPrimeiro carro da Dascuia apresentou a coroação da princesa africana Zacimba Gaba – Foto: Divulgação/Mafalda Press/ND

Às 22h40, os 15 membros da comissão de frente aguardavam o sinal sonoro de cabeça baixa e olhos fechados, em absoluta concentração. Às 22h43, cruzaram a linha amarela de início com a cabeça erguida.

A Dascuia desfilou com 1,9 mil integrantes, 18 alas, três carros alegóricos e um tripé. O primeiro carro apresentou a coroação da grande homenageada do enredo, a princesa africana Zacimba Gaba, interpretada pela matriarca da escola, Dona Valdeonira, de 89 anos.

Decorado com búzios e estampas étnicas, o abre-alas foi inspirado na residências originais do território de Cabinda, na Angola, além do ouro das fantasias que representa as riquezas do reino.

Dona Valdeonira é viúva de Seu Dascuia, apelido do carnavalesco Altamiro José dos Anjos, que faleceu em 2018 e dá nome à escola de samba.

“A história da princesa é muito importante. Esse samba para mim representou uma aula de história. Espero que haja entendimento de que a nossa escola todos os anos tem se preocupado com a melhora da comunidade”, avalia a matriarca, em entrevista ao ND Mais.

Viúva de Seu Dascuia, Dona Valdeonira representou a princesa Zacimba Gaba – Foto: Beatriz Rohde/NDViúva de Seu Dascuia, Dona Valdeonira representou a princesa Zacimba Gaba – Foto: Beatriz Rohde/ND

“A escola conseguiu mostrar na avenida como, através da arte, a gente pode diminuir essa discriminação que está tão ferrenha nesse nosso Brasil”, completa.

A presidente da Dascuia, Edna Maria dos Anjos, é filha de Dona Valdeonira e Seu Dascuia. “Meu pai ia ficar muito feliz com o desfile. Ele está feliz, porque adorava o Carnaval”, diz a presidente.

“A escola quis falar que o negro também é gente e que precisa ter políticas públicas para reparar o que foi no ado, quando o negro era escravo. As cotas são uma reparação, mas faltam muitas coisas ainda”, afirma Edna Maria dos Anjos.

Enredo da Dascuia narra a luta da princesa Zacimba Gaba pela liberdade 3ky4f

O samba-enredo “Zacimba Gaba – A princesa da liberdade”, dos compositores Rafael Lima, Junior Fionda e Julio Assis, narra a jornada da princesa africana desde sua captura até a libertação.

A herdeira do trono de Cabinda foi capturada, escravizada e levada até o Brasil, onde ou a organizar insurreições com outros escravizados dos engenhos do Espírito Santo. Após se libertar, Zacimba Gaba fundou e foi líder de um quilombo, que atacava os navios negreiros que chegavam da Costa Africana para libertar os cativos.

“Princesa guerreira liberte seu banto / Do engenho que assola o Espírito Santo / Negro é raça e não é mercadoria / Vê nascer a esperança no raiar de um novo dia”, cantou o intérprete Anderson Costa.

Emiliana Magda Coelho, de 52 anos, compõe o grupo musical. Ela participa da Dascuia desde que a escola foi fundada como um bloco de Carnaval, em 2004, e não perde um desfile sequer.

“Já saí em bateria, destaque, eu já participei de todas as alas”, conta Emiliana. A parte favorita, porém, é o grupo musical: “Ali é uma emoção, tu vê a escola toda ar”.

Emiliana Magda Coelho não perde um desfile da Dascuia – Foto: Beatriz Rohde/NDEmiliana Magda Coelho não perde um desfile da Dascuia – Foto: Beatriz Rohde/ND

A ala das baianas, logo atrás da comissão de frente, trouxe as matriarcas da escola como símbolo da ancestralidade do samba, das tradições religiosas e do sagrado feminino.

O primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Patrick Vicente e Lara Lyandra Da Cunha, ressaltaram as riquezas do território africano e sua diversidade de fauna e flora com figurinos de cor marfim e dourado.

Patrick Vicente e Lara Lyandra Da Cunha formam o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira da Dascuia – Vídeo: Júlia Reis/ND

Com um sorriso de orelha a orelha, a rainha da escola, Ana Letícia Padilha, também representou a riqueza da terra de Zacimba Gaba nas cores de cobre, diamantes e argilas.

Atrás da primeira alegoria, veio a velha guarda com a sabedoria dos griots, tradicionais narradores de histórias nas sociedades africanas. Ala das crianças veio em seguida, com três casais mirins de mestre-sala e porta-bandeira, em figurinos inspirados em sementes.

Daniela Cristina, de 42 anos, é harmonia da ala infantil e trouxe os filhos Maria Isabela, 11 anos, e Arthur, 6 anos, para participar do desfile. O mais novo já nasceu integrante da escola de samba, que virou tradição familiar.

“Eu já saía com a Dascuia. Eu saí com ele grávida sem saber que estava grávida. E a Isabela sempre saiu, desde pequena”, conta.

Daniela Cristina, de 42 anos, é harmonia da ala infantil e trouxe os filhos Maria Isabela, 11 anos, e Arthur, 6 anos, para participar do desfile - Beatriz Rohde/ND
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Daniela Cristina, de 42 anos, é harmonia da ala infantil e trouxe os filhos Maria Isabela, 11 anos, e Arthur, 6 anos, para participar do desfile - Beatriz Rohde/ND
Daniela Cristina, de 42 anos, é harmonia da ala infantil e trouxe os filhos Maria Isabela, 11 anos, e Arthur, 6 anos, para participar do desfile - Beatriz Rohde/ND
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Daniela Cristina, de 42 anos, é harmonia da ala infantil e trouxe os filhos Maria Isabela, 11 anos, e Arthur, 6 anos, para participar do desfile - Beatriz Rohde/ND

Ela destaca a importância de enaltecer uma princesa africana no enredo da escola. “Eu trabalho em um projeto social para as crianças se aceitarem como negras”, afirma. “Eu sou uma pessoa negra casada com uma pessoa branca e existe muito racismo sim, até hoje. Não é camuflado, eu já ei muita coisa”.

Daniela, que participa desde quando a escola era bloco, não esconde sua torcida: “Eu tenho um amor, assim, de paixão, pela Dascuia”.

‘Vai nascer Dascuia’: rainha de bateria desfila grávida de 8 meses 3r5u

A rainha de bateria Eduarda Mendes, 32 anos, encantou o público ao sambar grávida de 8 meses. Ela garante que o primeiro filho, que se chamará Lucca, “vai nascer Dascuia, com certeza”.

“É mais difícil sambar, tem um peso a mais. Mas a alegria, a força de honrar o amor por essa cultura, com certeza é maior”, conta Eduarda, que é rainha de bateria da escola há cinco anos.

Eduarda Mendes desfilou grávida de oito meses – Foto: Beatriz Rohde/NDEduarda Mendes desfilou grávida de oito meses – Foto: Beatriz Rohde/ND

Ela e a rainha juvenil Beatrice Pinheiro dos Anjos foram responsáveis por destacar a força feminina e a importância da juventude, reforçando que a luta pela liberdade e pela preservação das tradições abrange todas as gerações.

A bateria de 128 ritmistas puxada pelo mestre Eduardo Calixto estava vestida de cores intensas, tons metálicos e padrões geométricos, em referência à pluralidade e exuberância do continente africano.

Bateria da Dascuia levou 128 ritmistas à Nego Quirido – Foto: Beatriz Rohde/NDBateria da Dascuia levou 128 ritmistas à Nego Quirido – Foto: Beatriz Rohde/ND

Ao fundo, a Ponte Hercílio Luz estava iluminada nas cores verde e rosa, em homenagem à escola de Florianópolis que foi apadrinhada pela Estação Primeira de Mangueira, do Rio de Janeiro.

Patrícia Fonttine, primeira musa trans do Carnaval de Florianópolis, desfilou com lentes de contato amarelas. “Hoje eu represento uma leoa, a mãe, a rainha e a riqueza da savana”, apresenta. O tripé trouxe o boneco de um leão coroado, animal que é símbolo do reino de Zacimba Gaba e também da Dascuia.

Patricia Fonttine, musa trans da DascuiaPrimeira musa trans, Patricia Fonttine desfila há cinco anos pela Dascuia – Foto: Beatriz Rohde/ND

O segundo setor do desfile abordou a invasão portuguesa na África e os mais de 200 anos de exploração. O segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira, Andriel Da Rosa Gonçalves e Luana Cristina Velozo De Assis, representaram a resistência das comunidades africanas aos colonizadores.

A coreografia encenou a travessia dos escravizados rumo ao Brasil após a derrota do exército de Zacimba Gaba. As fantasia fizeram alusão a um mar em vermelho de sangue, destacando a crueldade e a dor da diáspora.

O tripé trouxe a figura do leão, símbolo do povo de Cabinda e também da Dascuia – Foto: Beatriz Rohde/NDO tripé trouxe a figura do leão, símbolo do povo de Cabinda e também da Dascuia – Foto: Beatriz Rohde/ND

Na sequência, a segunda alegoria apresentou a chegada no “Novo Mundo”. A primeira parte do carro trouxe a princesa africana em um cenário que reproduz um tumbeiro, denunciando os maus-tratos nos navios. Na parte de trás, a alegoria representou o Porto de São Mateus, no Espírito Santo, onde Zacimba Gaba desembarcou.

O terceiro e último carro da Dascuia retratou o Quilombo de Zacimba, carregando a imagem da serpente que contribui para a libertação dos cativos e formação de um espaço de resistência.

Os mais velhos eram os mais animados. A apenas dez metros de cruzar a linha de chegada, ainda sobrava energia para entoar o samba-enredo a plenos pulmões.

Veja fotos do desfile da Dascuia na arela Nego Quirido 6a6d3h

Patrick Vicente e Lara Lyandra Da Cunha formam o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira da Dascuia - Divulgação/Mafalda Press/ND
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Patrick Vicente e Lara Lyandra Da Cunha formam o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira da Dascuia - Divulgação/Mafalda Press/ND
Comissão de Frente da Dascuia - Divulgação/Mafalda Press/ND
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Comissão de Frente da Dascuia - Divulgação/Mafalda Press/ND
Dascuia narrou a trajetória de princesa africana na Nego Quirido - Divulgação/Mafalda Press/ND
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Dascuia narrou a trajetória de princesa africana na Nego Quirido - Divulgação/Mafalda Press/ND
Abre-alas representou Zacimba Gaba - Divulgação/Mafalda Press/ND
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Abre-alas representou Zacimba Gaba - Divulgação/Mafalda Press/ND
O tripé trouxe a figura do leão, símbolo do povo de Cabinda e também da Dascuia - Beatriz Rohde/ND
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O tripé trouxe a figura do leão, símbolo do povo de Cabinda e também da Dascuia - Beatriz Rohde/ND
Segunda alegoria apresentou a chegada no “Novo Mundo” - Beatriz Rohde/ND
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Segunda alegoria apresentou a chegada no “Novo Mundo” - Beatriz Rohde/ND
Terceiro e último carro da Dascuia retratou o Quilombo de Zacimba, tendo à frente a imagem da serpente que contribui para a libertação dos cativos e formação de um espaço de resistência - Beatriz Rohde/ND
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Terceiro e último carro da Dascuia retratou o Quilombo de Zacimba, tendo à frente a imagem da serpente que contribui para a libertação dos cativos e formação de um espaço de resistência - Beatriz Rohde/ND
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