Assim como aconteceu em 2020, com o fechamento de estabelecimentos para evitar aglomerações na pandemia de Covid-19, artistas, músicos e demais profissionais da cultura voltam a ter suas atividades diretamente impactadas, mas, desta vez, pela catástrofe climática que atinge o Rio Grande do Sul.

Além de terem as atividades inviabilizadas por danos estruturais às casas de evento e às próprias residências, os trabalhadores da classe não têm sequer perspectiva de quando poderão voltar a atuar.
O iluminador e produtor cultural, Kevin Brezolin está desalojado desde o dia 3 de maio, quando a casa dele, no bairro Floresta, em Porto Alegre, foi atingida pela cheia do Guaíba.

“Eu moro nesse endereço desde 2017 e nunca tinha acontecido nada, a água nunca tinha chegado na minha casa. De janeiro para cá, já alagou três vezes. Com essa chuva agora, eu não tenho o que fazer, eu vou sair dali. Eu nunca vivi uma situação tão desesperadora”, conta.
Além de residência, a casa alugada também era sede de um selo de música independente no andar térreo, cujos prejuízos ainda não foram calculados.
“Eu subi o que deu pro segundo andar. Saí com as minhas duas gatas e algumas roupas. Eu tinha muita esperança de conseguir ir para ver como ficou, mas com a chuva desta semana, a água subiu de novo”, lamenta.

Morador de Porto Alegre desde 2010, Brezolin reflete: “Eu brinquei, esses dias, que na pandemia a gente tinha que ficar em casa e, agora, a gente tem que sair de casa. É o inverso proporcional do pesadelo”.
Setor cultural é o primeiro a fechar e último a reabrir 6r24z
A produtora cultural Sofia Lerrer atua junto ao movimento SOS Música POA para compreender o cenário e auxiliar, de forma emergencial, quem está sofrendo com os impactos da catástrofe em Porto Alegre.
“A gente buscou entender o que aconteceu: o dano foi na casa? O dano foi no estúdio? Como está a família? A nossa ideia é conseguir repor algumas necessidades básicas e ajudar o pessoal a se reestruturar”, explica à reportagem.

Desde que as chuvas começaram, o movimento já conseguiu mapear 446 profissionais da área de cultura, que atuam em Porto Alegre, impactados. Desse montante, 92% perdeu todos os seus trabalhos futuros, 44% tiveram que evacuar locais de trabalho e 41% tiveram que evacuar moradia.
Economia Cultural 642h5g
A economia cultural e das indústrias criativas (ECIC) movimenta R$ 230 bilhões ao ano no Brasil, o que equivale a 3,11% do PIB do país, segundo dados do Observatório Itaú Cultural, com base em microdados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Aqueles profissionais que já vinham sofrendo com dívidas geradas no período da pandemia, sem o aporte correto, talvez não consigam arcar com mais prejuízos e seguir atuando, teme a produtora cultural.
“Na pandemia, o setor cultural foi o primeiro a parar e o último a voltar. A gente não pode ficar empilhando empréstimo. O juro é baixo, mas aí tu vais ar pedindo um empréstimo por enchente? Por pandemia? É uma conta difícil de fechar”, avalia Sofia Lerrer.
Festival para fomentar artistas impactados 1h375n
A Secretaria Municipal da Cultura e Economia Criativa em parceria com o Porto Alegre em Cena estuda a possibilidade de realizar um festival com programação totalmente local. A ideia é que o festival reúna apenas artistas e coletivos do Rio Grande do Sul, a partir de investimento privado via lei de incentivos.
“A ideia é captar recursos e direcionar para quem já foi duramente impactado. A previsão é de que esse evento aconteça entre 21 de novembro e 1º de dezembro”, revela o secretário de cultura de Porto Alegre, Bruno Paim.
Enquanto isso, de maneira emergencial, o município distribuirá mediante cadastro prévio cestas básicas, colchões e cobertores para trabalhadores do setor.
Além disso, Paim afirma que locais públicos e históricos, que tenham capacidade de geração de renda, serão a prioridade nas políticas de reconstrução.
Patrimônio público afetado pela enchente 6c5s3g
Cinco instituições mantidas pelo governo do Rio Grande do Sul foram fortemente afetadas pela tragédia: o Museu Estadual do Carvão, em Arroio dos Ratos, o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs), a Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ), o Museu da Comunicação Hipólito José da Costa (MuseCom), o Memorial do Rio Grande do Sul.
Na Capital gaúcha, foram ao menos três: o Museu do Paço Municipal, o Centro Municipal de Cultura Lupicínio Rodrigues, que abriga o Atelier Livre e o Teatro Renascença, e o Museu Joaquim José Felizardo.