Das mãos das rendeiras, sobre almofadas coloridas e lúdicas, após horas de trabalho, conversa e “terapia”, saem toalhas de mesa, bolsas e peças de roupas. Em comum, aprenderam o ofício cedo, por volta dos 7 anos, com as mães e avós. Hoje, são elas que mantêm viva e ream para crianças nas escolas de Florianópolis a herança cultural trazida pelos açorianos logo após a chegada ao Brasil no século 18.
De geração em geração, a renda de bilro se solidificou na cultura da Ilha. Para marcar o Dia da Rendeira e do Rendeiro, celebrado neste sábado (21), o Grupo ND traz histórias de pessoas que fazem da renda de bilro uma forma de receita extra, mas também de manter viva a tradição histórica.

Manezinha da Lagoa da Conceição, Olinda Dominga Pereira, 73, aprendeu a renda de bilro aos 7 anos, com a mãe e a avó. “Tinha que fazer um tanto e se não fizesse, não saía dali. Era fazer e depois brincar. A mãe dava tarefa, porque quando era época de festa, a gente tinha que terminar bem rápido para comprar roupa e poder ir. Sapato, vestido, a gente tinha que comprar tudo, então, era terminar e vender”, conta Olinda.
Companheira diária 6d4h5e
A renda de bilro não é linear na vida dela. Aprendeu aos sete, praticou até os 18, depois saiu para trabalhar como doméstica na casa de uma família. Aos 25, foi para Cruz Alta (RS) e só voltou a sentar em frente ao cavalete para fazer arte quando retornou para Florianópolis. Namorou, casou, teve o filho e continuou na renda. “Trabalhei muitos anos também na praia da Joaquina, na lojinha de artesanato. Vendi muita renda para os argentinos naquela época”, lembra Olinda.
Mesmo um pouco decepcionada pela dificuldade nas vendas nos dias de hoje – acredita que pela falta de valorização do trabalho artesanal –, não deixou o ofício de lado. “Amo fazer meu trabalho, de verdade, de coração. Deixo tudo para fazer um pouquinho de renda. À noite vou até 23h. De dia, como sou dona de casa, a hora que tem tempo, escuto rádio e faço. É um extra e é para a cabeça não ficar parada. Muito mais um exercício, porque eu moro sozinha, se você ficar dentro de casa deitada numa cama, vai ficar doente. Então, a renda de bilro, pra mim, é uma terapia”, acredita Olinda.

Do sustento da família ao trabalho por amor 323w13
Nadir Amandio Gonçalves (Didi), 80 anos, também aprendeu com a mãe e pelo mesmo motivo: ter dinheiro para comprar o vestido, ir às festas e até para ajudar em casa. “Minha mãe ganhava pouco dinheiro, não tinha aposentadoria, meu pai trabalhava na roça. Então, a gente era obrigada a ajudar com algum dinheirinho para comprar o pão de cada dia”, conta Didi.
Depois de casar, a renda virou forma de sustentar os filhos. “Meu marido na época era pescador, andava pelo Rio Grande do Sul pescando. Quando saía, a gente ficava sem dinheiro praticamente, e era obrigada a trabalhar com a renda para sustentar os filhos. Só tem um porém, pois naquele tempo a gente vendia com tranquilidade. Hoje, não”, ressalta Didi.

Assim como a amiga Olinda, Didi segue na renda por amor. “Em casa, às vezes, não tem nada para fazer e, na renda, pelo contrário, a gente está trabalhando a cabeça e se distraindo. Enquanto olhamos pra renda, não pensamos bobagem. Peço à Nossa Senhora que me dê saúde, até ficar bem velhinha, e que possa conseguir fazer minha renda”, clama Didi.
Oficinas a quem quer aprender 101a21
Nice Norzina Nunes, 54 anos, coordena o Centro Cultural Bento Silvério, na Lagoa da Conceição, que oferece oficinas para qualquer pessoa disposta a aprender a renda de bilro. Também aprendeu quando criança, aos 7 anos, com a mãe e as irmãs mais velhas.
“Tínhamos uma barraca, ali quem vai pra Joaquina, próximo da avenida das Rendeiras. Quando criança, ajudava a cuidar enquanto elas se ocupavam dos afazeres da casa e nesse brincar, no lúdico, fui aprendendo”, relembra Nice, que ajuda a rear a cultura às crianças e adultos da cidade.
Segundo ela, aproximadamente 50 rendeiras se reúnem, três vezes por semana, nos encontros das rendeiras tradicionais e uma vez por semana no encontro aberto ao público para rear o ofício a crianças, inclusive meninos que antes não se interessavam tanto pela prática.

Preservação do legado 2n5om
Presidente da Fundação Franklin Cascaes, de Florianópolis, Roseli Pereira defende que a Capital é o celeiro da renda de bilro. “Temos mulheres, crianças, homens que fazem renda de bilro. Essa tradição remonta à vinda dos açorianos há 275 anos, porém, nos Açores a renda de bilro está quase em extinção. Alguns anos atrás, nossas rendeiras fizeram um intercâmbio cultural, levando um projeto do ree do saber da renda de bilro para os Açores, retomando o ensino lá.”
A partir dessa oficina, foram criados grupos de mulheres e uma cooperativa para manter forte o ofício da renda de bilro na Ilha. Além da Lagoa da Conceição, há dois grupos no Rio Vermelho, um no Campeche, um no Continente, além de outras rendeiras e rendeiros espalhados pela Ilha.
“Todo esse trabalho vem se fortalecendo devido aos projetos que estamos executando, e a inclusão das rendeiras nos eventos da cidade. Elas são muito solicitadas e conseguem promover essa economia criativa através da comercialização da renda de bilro, também contribuem na renda familiar e visibilizam essa arte tão tradicional e importante para a cidade”, afirma Roseli Pereira.