Quando o dia do desfile chegou, Zezilaine Coelho da Silva Fraga, à época musa da Nação Guarani, não tinha fantasia. Era Carnaval de 2020. “A Kika [a carnavalesca da agremiação, Kris Regina de Souza] me entregou um cinturão branco que tapava a barriga. Mas, e o costeiro? E a cabeça? Eu não tinha”, lembra a hoje rainha, de 38 anos. Tudo estava a ser feito.
Financeiramente, era um ano crítico para a Nação Guarani. A agremiação atravessa montanhas para colocar o carnaval na arela com recursos bem inferiores àqueles recebidos pelas demais. Apostando no enredo “Sabedoria ancestral: O Ecoar de uma Nação Transforma Lixo em Criação”, a solução foi montar fantasias com resíduos sólidos.
O perfil faz parte de uma série de reportagens do ND Mais com as rainhas das escolas de samba de Florianópolis que vão desfilar no Carnaval 2024.

A ideia por trás da roupa de Zezi, seu apelido carinhoso, era construir uma roupa com lacres de latinhas que ela ou meses guardando – e pedindo aos amigos que fizessem o mesmo. Após pegar restos de tecido e poucos apetrechos, a musa ou a madrugada de sábado adiantando a peça no barracão improvisado que tem em sua casa, em Palhoça, próxima ao endereço da sede da escola, no bairro Caminho Novo.
Faltando poucas horas para o início do desfile, Zezi suava tingindo as penas brancas que ganhou – e que precisavam ser pratas. A fantasia ficou pronta às 0h. Ela vestiu a roupa recém-confeccionada, foi ao ponto de ônibus e pegou a linha Madrid da primeira hora da madrugada, em direção à arela.
Instantes antes do início do desfile da Nação Guarani, Zezilaine chegou com lacres de latinha brilhando em forma pulseiras, compondo adereços presos ao top e desenhando fivela que prendia a sandália gladiadora ao pé da então musa. Deu tempo para ela levar a arela o seu famoso “samba leve”, alcunha dada pelo diretor Mazinho, que vê a leveza e o charme no o de Zezi.

Rainha da Nação Guarani, estilista, costureira e cozinheira 6s356m
Normalmente, a roupa de toda a Corte é desenhada e costurada por carnavalescos. A exceção fica por conta da fantasia do Volta à Praça XV, momento em que as musas, princesas e rainhas colocam a criatividade em jogo. Os custos, que alcançam a casa dos R$ 5 mil, são arcados por cada membro, sem dispêndio à escola, que se dedica às vestimentas das alas.
“É trabalho, barracão e fantasia, feita aos 48 minutos do segundo tempo”, ironiza Zezi ao falar da sua rotina.
As manhãs são dedicadas aos cuidados da família e a sua marmitaria, que istra há três anos. À tarde, os esforços se voltam à casa e ao marido.
“Depois, volto à fantasia. Se tem ensaio, vou ao barracão, e logo volto para casa confeccionar. Tenho que dar um jeito para fazer a minha roupa”, afirma.

Confeccionar as fantasias do Carnaval é uma prática que começou em 2019, três anos após ela entrar na Nação Guarani. Ela teve de aprender a buscar referências, tal como as técnicas de costura e bordado. De lá para cá, construiu um local em sua casa destinado à produção das peças.
Discrepância de orçamento 3y4x2c
Por trás desse acúmulo de funções, há uma limitação financeira e um princípio de estar alinhada com o perfil da Nação Guarani.
“Eu não posso ser mais do que aquilo que consigo ter. Não adianta eu pagar R$ 5 mil para ficar toda cravejada. E como fica a escola?”, destaca a cozinheira. “É o que cabe no nosso bolso”.
O orçamento da Nação Guarani é pequeno. A escola pode receber um limite de até R$ 100 mil da prefeitura de Palhoça. No último ano, o ree foi de R$ 90 mil. Para o Carnaval de 2024, o valor ainda não estava na conta até quinta-feira (1º), segundo o presidente da escola, Lui Vandré.

A título de comparação, e considerando só aquilo que é destinado pelos municípios, cada uma das oito agremiações de Florianópolis recebeu neste Carnaval R$ 500 mil da prefeitura da Capital. Ao somar também outros patrocínios, as agremiações da Ilha de Santa Catarina têm um orçamento médio de R$ 700 mil por edição.
Neste ano, a realidade financeira da Nação Guarani ficou ainda mais aquém das demais escolas. Isso porque, até 2023, a escola Jardim das Palmeiras, agremiação de São José, se equiparava à Nação Guarani nos rees. Mas, neste ano, a prefeitura de São José reajustou o valor reado à escola, elevando para R$ 400 mil.
“Nada se perde, tudo se transforma” 5a4s1w
Os baixos rees impõem uma máxima filosófica no barracão da Nação Guarani: ‘nada se perde, tudo se transforma’. Instalado em uma casa onde a maior parte dos cômodos é tomada por sacos de lixo repletos de fantasias adas, cada Carnaval é construído com materiais reaproveitados em adereços de outras edições.

No dia 10, a Nação Guarani presta homenagem às mulheres. A rainha Zezi fez uma reivindicação: usar vermelho na fantasia, no lugar do azul e branco da escola. É a mesma cor do vestidinho xadrez com o qual a então menina de sete anos no Morro do Mocotó se “sentia grande” ao estrear no Carnaval em 1995. À época, desfilava pela Protegidos da Princesa, que homenageava Nilson Nelson Machado, o Duduco.
Ao ser questionada sobre quem será a mulher de inspiração para a sua fantasia, ela responde: ‘eu mesma. Por lutar tanto dentro da Nação quando é tão difícil sair na avenida. É muito luta todo ano. A gente chega a desistir, e pensa ‘não, não vou desistir porque já estou aqui”.