Não há como entrar em Florianópolis, por meio das pontes Hercílio Luz, Pedro Ivo Campos e Colombo Salles, sem, literalmente, dar de cara com o Terminal Rodoviário Rita Maria, com o Armazém Rita Maria e, como consta em cartas náuticas de antigamente: monte de Rita Maria.
Mas, você já se perguntou quem é Rita Maria? O Floripa 350, em busca de respostas, encontrou muitos ‘causos’ de uma Capital antiga, mística e lendária, que talvez ajudem a justificar porque a cidade é conhecida como a Ilha da Magia, tão retratada nas escritas de Franklin Cascaes.

Em um primeiro momento, a equipe do Floripa 350 apurou que Rita Maria seria uma mulher negra, talvez enfermeira, e importante na comunidade em que vivia, na região portuária de Florianópolis. Aí, há um toque de mistério e lenda. Esta senhora, descendente de povos escravizados, ajudaria os viajantes que aportavam seus barcos na Ilha de Santa Catarina a descansar, na companhia de lindas jovens animadas.
Só que depois, a reportagem ouviu que o nome, o termo Rita Maria, estaria ligado ao misticismo das bruxas e benzedeiras da Ilha, uma fábula que atravessa gerações. Fontes disseram também que Rita Maria, na verdade, não era uma mulher, mas sim uma comunidade, no morro onde hoje parte do Parque da Luz, no o insular à ponte Hercílio Luz. Há muitas lendas e mistérios por trás desse nome.
Mas afinal? Quem é Rita Maria? 1e2n63
Você já percebeu que histórias e causos sobre isso não faltam. Para esclarecer este ministério concretamente e de forma acadêmica, buscamos dois historiadores: o escritor Fábio Garcia e o historiador da FCC (Fundação Catarinense de Cultura), Rodrigo Rosa.
“Rita Maria é uma terminologia, digamos, polêmica”, adianta Rodrigo Rosa.
“Isto porque, no senso comum, hoje o que se tem é que esta pessoa teria sido tão importante que seu nome foi escolhido para o Terminal Rodoviário de Florianópolis. Inclusive existe uma obra de arte no terminal Rita Maria que representa esta pessoa”, continua o historiador.

Mas a história não seria bem assim, segundo Rodrigo Rosa. “O que acontece é que aquela região já tem esta nominata muito antes de haver uma população escravizada significativa na Ilha de Santa Catarina”, explica.
Segundo ele, a afirmação se faz possível ao olhar as cartografias do século 18.
“Se nós olharmos cartografias do século 18, mapas espanhóis, por volta dos anos de 1.700 já apresentam indicações de que ali onde hoje é o Parque da Luz, onde já foi cemitério, é colina, ou monte de Rita Maria”, afirma o historiador, apresentando o mapa.

É preciso separar versões q2d1a
Por outro lado, segundo Rodrigo Rosa, “apesar dos relatos informais trazerem a Rita Maria romântica da lenda, não se encontram documentos que subsidiem a existência dela”. É aí que entra a fala e as pesquisas de outro importante historiador de Florianópolis, Fábio Garcia.
“Com bem disse meu colega Rodrigo Rosa, havia naquela região do cais e o estaleiro Arataca, a região denominada Rita Maria. Não temos a informação de que isso teria relação com uma mulher”, conta.
“No início do século 20, sai uma nota no jornal dizendo que uma mulher, uma senhora negra, foi designada para cuidar de pessoas feridas e dar uma assistência aos residentes daquela região”, descreve Fábio Garcia.
Mas, para ele, são coisas distantes: a lenda, a colina, e a suposta enfermeira.
“Com o ar do tempo, as pessoas acabaram juntando as histórias, confundindo as informações. A região era chamada de Rita Maria, ali moravam muitas pessoas descendentes de africanos, era uma região portuária, com todas suas características. A elite não via o lugar com bons olhos. Então é preciso separar estas histórias”, alerta Fábio Garcia.

O historiador da FCC, Rodrigo Rosa, completa: “É possível que as mulheres negras de Rita Maria, daquela região, prestavam estes serviços de enfermagem e estas benesses popularizadas nas lendas, e os causos foram se adaptando e sugerindo que fosse uma mulher, Rita Maria. Já o Armazém, que hoje está nos arredores da comunidade de Rita Maria, não se refere a esta mulher, mas sim àquela região”, enaltece o estudioso.
O Armazém Rita Maria confirma o nome do empreendimento em alusão ao bairro, mas sobressalta também que Rita Maria pode ter sido uma importante benzedeira daquela comunidade e também seria uma forma de homenageá-la.
A lenda por trás do nome 2v6q58
Várias são as versões. No entanto, há uma lenda muito famosa sobre Rita Maria.
O historiador Rodrigo Rosa apresentou ao Grupo ND a famosa “Lenda de Rita Maria”, conforme consta na “Enciclopédia Negra: Biografias Afro-brasileiras”, de Flávio dos Santos Gomes.

Acompanhe o relato na íntegra:
“O centro urbano da cidade compreendia as imediações da Praça XV de Novembro o qual, por sua vez, era circundado por uma dezena de bairros, dentre eles o de Rita Maria, que abrigavam uma pequena comunidade de mais ou menos 30 casas de madeira bruta, teto coberto por telhas nativas, com telhas de meia-cana; a chamada telha de canudo. Essas eram construções tipicamente ilhoas-açorianas, em que a casa, em duas águas, era feita por sala e quartos, a cozinha, um adendo em “meia-água”, cuja agem se fazia a partir da ligação de uma porta.
O bairro de Rita Maria ocupava um território extenso, que ia desde o alto do Morro do Cemitério chegando à Fortaleza e à beira-mar, e deslocando-se até as imediações do Arataca, na antiga vila do Desterro.
Segundo várias fontes locais, o nome do bairro, Rita Maria, fora adotado pela comunidade em homenagem a uma senhora negra, de pequena estatura, que residia rente à praia e que era muito procurada por suas rezas, chás e benzeduras, tornando-se famosa pelos seus muitos benefícios e sua atividade como curandeira.
Ela era também conhecida por sua aptidão culinária, com a qual se sustentava. Fornecia pratos feitos aos marítimos dos pontos mais distantes da ilha, os quais, trazendo botes, lanchões, baleeiras e canoas, repletas de mercadorias e pescados diversos, vinham comerciar na cidade.
Dizia-se que Rita Maria era também proprietária de uma “casa de tolerância” naquelas imediações, onde os marinheiros e pescadores buscavam o “aconchego feminino” após um dia de trabalho. Ainda por volta de 1950, quando as últimas casinhas estavam desaparecendo, a área era continuou conhecida como Rita Maria.
O certo é que Rita Maria acabou se popularizando e imortalizando-se na imaginação da comunidade local, com sua figura lendária permanecendo forte até os dias atuais e estando sobretudo associada a seus poderes de cura.
Rita Maria foi homenageada no dia 7 de setembro de 1982, quando seu nome foi concedido ao Terminal Rodoviário Rita Maria. Naquela mesma data, foram erigidos dois monumentos: um, em ferro sucata, estilizando a figura de Rita Maria, e outro, em concreto armado, simbolizando sua mão espalmada.
Muitos ainda se lembram de Rita Maria como uma senhora negra, gorda, com mais de 80 anos, sempre risonha, que podia ser vista todos os domingos na Igreja Nossa Senhora do Bom Parto. Ela teria falecido na década de 1920 e fora sepultada no Cemitério do Morro perto de sua casa”.
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O projeto Floripa 350 é uma iniciativa do Grupo ND em comemoração ao aniversário de 350 anos de Florianópolis. Ao longo de dez meses, reportagens especiais sobre a cultura, o desenvolvimento e personalidades da cidade serão publicadas e exibidas no jornal ND, no portal ND+ e na NDTV RecordTV.