Tradições açorianas da Páscoa e ligação com SC são tema de estudo; confira 1j66w

Tradições açorianas da Páscoa são tema de estudo de pesquisador da UFSC; conheça quais são elas

A celebração da Páscoa cristã é uma das festividades mais importantes para as famílias açorianas e seus descendentes. Domingo de Páscoa é para muitos um momento de comunhão em família, em que as diferenças são deixadas de lado e celebra-se a ressurreição de Jesus Cristo e a renovação da fé.

SC possui similaridades com Ilha dos Açorem na comemoração da Páscoa – Foto: Divulgação/NDSC possui similaridades com Ilha dos Açorem na comemoração da Páscoa – Foto: Divulgação/ND

Para o historiador Francisco do Vale Pereira, do Núcleo de Estudos Açorianos da UFSC, a Páscoa é um momento de introspecção e de reflexão sobre a vida. Ele explica que todos os elementos dessa data estão repletos de significados: “O ovo da Páscoa, por exemplo, está relacionado à fertilidade, ao nascimento e também à renovação da vida”.

O historiador revela que na Sexta-feira Santa, na tradição cristã, deve-se comer peixe, e tanto nos Açores como em Portugal Continental o bacalhau é o mais escolhido pelas famílias. Aqui comemos peixe e bacalhau, mas a diferença é que o bacalhau daqui é feito de abrótea. Além disso, para o historiador, este é um dia de interiorização.

“Antigamente as famílias açorianas bem como seus descendentes tinham o hábito de não pescar, não ir à roça, nem mesmo varrer a casa, ou seja, não praticar nenhuma atividade que demandasse esforço, apenas aquelas que mantivessem o vínculo com o sagrado.

Francisco já morou durante dois anos na Ilha açoriana de São Miguel, na cidade de Ponta Delgada, onde participou do curso Altos Estudos da História Insular e Atlântica, século XV ao XX, na Universidade dos Açores. Ele conta que aprendeu muito sobre a história dos arquipélagos dos Açores, destacando a importância da posição estratégica dessas ilhas para as navegações do Atlântico Norte.

“A questão da religiosidade nas ilhas açorianas também é algo profundo na alma daquele povo, pois, por serem habitantes dessas ilhas vulcânicas e oceânicas, a população está muito sujeita às intempéries, tais como erupções vulcânicas, terremotos e fortes tempestades, por isso os açorianos são muito agarrados à proteção divina e à fé cristã”, pontua o historiador.

Procissão da Ilha de São Miguel e o folar pascal integram tradição – Foto: Divulgação/NDProcissão da Ilha de São Miguel e o folar pascal integram tradição – Foto: Divulgação/ND

O historiador afirma também que a religiosidade foi fundamental para a vinda dos açorianos para Santa Catarina. “Quando os colonizadores chegaram a essas terras, aqui era um mundo desconhecido. Eles aram por inúmeras dificuldades até formar as primeiras comunidades, por isso a fé cristã ajudou tanto na fundação das cidades catarinenses como na comunhão das famílias que vinham de diversas localidades celebrar as festividades cristãs nas paróquias”.

Ademais, celebrações como a Páscoa tornavam-se um momento em que as famílias não apenas se uniam em torno das festividades, mas também trocavam várias informações entre si e prestavam apoio àqueles que necessitavam de amparo.

 A presença açoriana em Santa Catarina 1r573y

Entre 1747 e 1754, mais de seis mil açorianos migraram para o Sul do Brasil, e 4.500 deles se estabeleceram em Santa Catarina. Contudo, apesar da distância entre Florianópolis e o arquipélago das ilhas vulcânicas dos Açores, ambas as localidades carregam as mesmas raízes culturais e religiosas, principalmente as tradições católicas como a Páscoa.

“A ligação religiosa entre esses dois lugares é muito forte e tem origem no catolicismo ibérico. Os católicos açorianos e seus descendentes dão muito valor ao período da quaresma, ao jejum e à abstinência de carne, às romarias e aos preparos em torno da sexta-feira santa, bem como à celebração em família no domingo de Páscoa”, explica o historiador Sérgio Luiz Ferreira, que já esteve sete vezes nos Açores para participar de congressos sobre a cultura açoriana e também para receber uma honraria à Casa dos Açores de Santa Catarina.

É importante destacar também que as celebrações em torno da Páscoa têm as suas similaridades aqui e lá, mas também preservam as particularidades de cada ilha açoriana.

O historiador conta que aqui em Santa Catarina contamos com duas importantes romarias, que ocorrem durante a semana da quaresma, uma no bairro de Azambuja, na cidade de Brusque, e outra em Angelina.

Já nos Açores, a romaria mais conhecida é a da Ilha de São Miguel, tradição que ocorre há 500 anos e da qual participam apenas homens e meninos que, durante uma semana, percorrem o caminho ao redor da ilha caminhando e rezando o Pai-Nosso e a Ave-Maria.

Além disso, segundo o historiador, sexta-feira santa é o dia de buscar água na fonte antes do amanhecer, assim como o ovo no galinheiro para fazer remédio e ervas de macela para chás medicinais.

“A sexta-feira santa é um dia muito importante para os católicos, em que tudo é sagrado. É como se a natureza ficasse suspensa à espera de um milagre”, afirma Ferreira. Antigamente, ele explica que a sexta-feira santa tinha mais importância do que o domingo de Páscoa, inclusive para os católicos não praticantes era o único dia do ano em que se ia à igreja.

Já sábado, na tradição católica, era o dia de malhar o Judas. Em algumas regiões mais antigas da ilha, como Ribeirão da Ilha, Santo Antônio, Rio Vermelho e Costa da Lagoa, ainda é possível presenciar um boneco de pano amarrado no poste e com as pessoas da comunidade batendo na representação do traidor de Cristo.

Ferreira pontua que, a partir das 11h do sábado, terminava o luto, e as festas já podiam ser realizadas. Tradicionalmente, nos sábados à tarde, os fiéis iam matar o gado que vinha da serra para depois dividir a carne entre as famílias açorianas e comê-la no almoço do domingo de Páscoa, celebrando a união e a fartura entre os seus membros.

“Comer peixe é algo comum e faz parte do dia a dia dos descendentes de açorianos, mas comer carne está mais ligado às festividades”, pontua o historiador.

Santa Catarina é a 10ª ilha dos Açores 2cmp

O padre Marco Martinho, natural da ilha açoriana do Faial, trabalha há 22 anos na Ilha do Pico, atuando na Paróquia da Igreja Matriz de Santa Maria Madalena e na Paróquia São Matheus.

Martinho também é ouvidor na ilha e reitor do Santuário do Senhor Bom Jesus Milagroso. Ele conta que 90% dos habitantes dos Açores são católicos cristãos e que há muitos séculos os fiéis mantêm as suas tradições religiosas da Páscoa.

Uma das tradições mais antigas é a Romaria da Semana Santa da ilha de São Miguel. O padre explica que “é uma tradição ada de geração a geração, do bisavô ao avô, depois ao pai, até chegar ao filho”.

Esse ato religioso tem tanto destaque entre os açorianos que algumas ilhas menores aram mais recentemente a adotar as romarias, como a Graciosa, a Terceira e São Jorge.

O padre revela que há três anos não acontecem as romarias por causa da pandemia de coronavírus e que os fiéis estão tristes e ansiosos, mas também esperançosos de que no próximo ano poderão dar continuidade à tradição. Além disso, as novas gerações de imigrantes de açorianos que foram para os Estados Unidos e para o Canadá no início do século XIX costumam voltar aos Açores para as romarias da Semana Santa.

“Apesar de a imigração dos açorianos para o Brasil ter ocorrido há mais de 300 anos, são muitas as tradições cristãs da Páscoa trazidas pelos franciscanos no período colonial e que se mantêm até hoje, entre elas a Procissão do Senhor dos os”, destaca.

O padre açoriano conta que já esteve em Florianópolis, em setembro, de 2003, para a Festa do Divino Espírito Santo, em Santo Antônio de Lisboa: “Sinto uma profunda gratidão e alegria em saber que as tradições religiosas cristãs continuam sendo perpetuadas por seus descendentes açorianos, afinal Santa Catarina é a 10ª ilha dos Açores”.

As similaridades e as diferenças da Páscoa aqui e lá 1q6k6f

“As tradições religiosas e culturais estão muito arraigadas ao nosso povo. São manifestações ricas, com grande significado para Santa Catarina, graças à nossa multiculturalidade. A presença açoriana em Santa Catarina no litoral catarinense há 274 anos trouxe uma grande contribuição cultural.

A  profunda religiosidade é uma característica forte entre a nossa gente e os açorianos”, destaca a socióloga Lélia Pereira Nunes, membro emérito do IHGSC, escritora, titular da Cadeira 26 da Academia Catarinense de Letras, que assina regularmente uma página no Diário dos Açores, além de jornais da comunidade açoriana nos Estados Unidos e Canadá. Atualmente, Lélia é curadora do projeto ‘Viva Açores, conhecer é viver!’ do Grupo ND.

“Os açorianos de ontem e de hoje são profundamente religiosos e vivem intensamente as celebrações da Páscoa que antecedem o tempo de Pentecoste, a celebração do Espírito Santo, a maior devoção dos açorianos em qualquer parte do mundo”, ressalta Lélia.

A escritora conta que há 34 anos foi pela primeira vez aos Açores e nunca mais deixou de ir anualmente. “Entre este ir e vir constante, já perdi as contas de quantas foram as idas e vindas entre o “cá” catarinense e o “lá” açoriano.

Acredito que mais de 40 viagens realizei sempre estudando e investigando a história cultural comum e as nossas realidades”, conta Lélia, que é doutora em  Culturas e Literaturas Insulares pela  Universidade da Madeira e dos Açores.

Para a socióloga muitos dos usos e costumes do tempo da Semana Santa e da Páscoa já não se realizam com tanta força de expressão e proibições como no ado. No entanto, ainda é possível observar o jejum da carne, quebrado apenas no sábado de aleluia e domingo de Páscoa no almoço das famílias.

A escritora revela que no ado não se ouvia rádio, não se fazia nenhuma atividade doméstica como varrer a casa ou lavar a roupa. Sem diversões, sem namoros e muito menos casamentos. Era tempo de penitência e silêncio.

“Hoje, essas proibições perderam sua força. No entanto, nos costumes do povo é ainda muito comum  a malhação do Judas, a coleta de macelas e ervas para chás e até guarda do “ovo da sexta-feira santa”, pontua.

Segundo Lélia, uma das tradições sobreviventes  é a Procissão da Ressurreição  que acontece na madrugada de sábado para domingo de Páscoa, ao redor da igreja ou em direção ao cemitério, relembrando a ida das mulheres  ao Santo Sepulcro na manhã da Páscoa.

“Nos Açores, além das celebrações e rituais religiosos, o tempo da Paixão é marcado pelas romarias, sobretudo na Ilha de São Miguel, e pelo costume de fazerem os folares –  massa sovada doce e com ovos de galinha inteiro, com casca e sem cozer”, explica.

Folar é uma massa sovada doce e com ovos de galinha inteiro – Foto: Divulgação/NDFolar é uma massa sovada doce e com ovos de galinha inteiro – Foto: Divulgação/ND

O folar  é assado em forno de lenha. São receitas adas de geração e com raros registros de sua presença no  litoral catarinense. Os ovos encerrados dentro da massa como sepultados, renascem à vida na alvorada pascal.

A doutora explica que o folar açoriano pode ser comparado com o pão pascal ou bolo da páscoa muito comum na zona rural e nas  cidades do interior catarinense e é uma tradição realizada em diferentes culturas, simbolizando a partilha do pão e a fertilidade.

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