
Quem mora em Florianópolis há algum tempo, já deve ter encontrado pelo menos uma pessoa adepta do veganismo, movimento que busca excluir todas as formas de exploração e de crueldade contra animais, tanto na alimentação quanto no vestuário ou em produtos de higiene.
Muito mais do que uma dieta restrita, o veganismo é considerado um estilo de vida, que defende os direitos dos animais à vida, sem ser explorado pelo ser humano. Produtos feitos por empresas que realizam testes em animais, por exemplo, são boicotados. E os itens são substituídos, na medida do possível, por versões naturais e livres de crueldade (cruelty free).
O interesse por esse estilo de vida dobrou nos últimos 12 meses na Ilha de Santa Catarina, segundo indicadores da ferramenta Trends, do buscador Google, a qual demonstra o volume de pesquisas sobre assuntos específicos ao longo do tempo. Segundo essa ferramenta, o estado de Santa Catarina é o quarto com maior índice de buscas sobre o tema “vegano” no Brasil. Fica atrás apenas de São Paulo, Distrito Federal e Rio de Janeiro.
Não há dados específicos sobre o número de pessoas veganas no país, entretanto, números divulgados pelo Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística) em 2012 apontavam a existência de 16 milhões de vegetarianos no Brasil, equivalente a 8% da população. Em abril de 2018, o percentual saltou para 14%, ou cerca de 29 milhões de brasileiros (levando em conta uma população de 208,4 milhões de pessoas, segundo dados do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] divulgados em julho deste ano).
De acordo com estimativas baseadas na proporção vegetarianos para veganos de outros países, estima-se que o Brasil tenha por volta de cinco milhões de veganos. Não é pouca coisa. A quantia é suficiente para provocar uma revolução no mercado alimentício e em outros setores da economia. Mesmo sem dados exatos, empresários brasileiros sinalizam que este é um mercado que cresce 40% ao ano.
Restaurantes, bares, supermercados e outros estabelecimentos fazem adaptações para atender as exigências desse novo público, incluindo opções veganas em seus cardápios. Mas alguns empreendedores preferem apostar 100% nesse nicho, abrindo negócios voltados ao consumidor vegano.

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Uma homenagem à Ilha
Foi pensando nisso que a empresária Michelly Negri, de 41 anos e vegetariana desde os 13, mudou-se do Rio de Janeiro para Florianópolis, em fevereiro deste ano, e abriu a Açougue Vegano, no bairro Itacorubi. A marca, que já possui lojas no Rio e em São Paulo, começou a funcionar no dia 23 de março, aniversário da cidade, “porque eu queria que fosse uma homenagem à Ilha”, diz Michelly.
Com dois funcionários, o espaço atende não apenas veganos, mas todos que se interessam por uma comida saúdavel e saborosa. Entre os carros-chefe da empresa estão a premiada coxinha de jaca e o hambúrguer Vega Melt, feito de shitake e recheado com cheddar vegano feito à base de cenoura e molho de cebola. Também são oferecidos hambúrgueres de grão de bico, quinoa com espinafre, soja e cogumelos, linguiças vegetais, molhos diversos, espetinhos e sucos naturais. Aos sábados, o prato principal é a feijoada vegana.
Apesar de ter morado em vários estados, a empreendedora e mãe de duas crianças de 5 e 2 anos de idade, optou pela Ilha por ter familiares aqui, ser uma cidade conhecida como reduto da alimentação saudável e pelo Estado ter grande número de vegetarianos. “A maioria dos restaurantes da cidade já oferecem alguma opção vegana no cardápio, e isso é reflexo do mercado”, aponta.
A novidade atraiu cerca de 500 pessoas apenas na inauguração e mantém uma média de vendas de 300 a 400 coxinhas e 150 sanduíches por mês, excluindo o que é comercializado em eventos. Neste sábado (10), por exemplo, a empresária participa do Ilha Veg, feira de gastronomia e produtos veganos que acontece das 11h às 19h, no bairro Córrego Grande, na Capital. “Normalmente, levamos freezers e as e fazemos os lanches na hora. Às vezes, os hambúrgueres vão pré-prontos para agilizar a operação e também temos um carrinho para os eventos”, explica Michelly.
A iniciativa deu tão certo que ela já abriu uma segunda unidade em Ipanema, na zona Sul do Rio de Janeiro, que fica a cargo de sua sócia Jadna Zimmermann. Mas ela também estuda a possibilidade de atuar em outros bairros de Florianópolis.

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Aposta certeira
O técnico em gastronomia Asdra Martin, de Florianópolis, também apostou nesse nicho. Mas seu ingresso no mercado vegano se deu de forma mais intuitiva. A mudança ocorreu após adotar seu primeiro cachorro, o Pico, em 2010.
“Eu comecei a pensar no veganismo depois de adotá-lo, então vi um documentário e nunca mais fui o mesmo. No dia seguinte comecei a procurar receitas de hamburguer vegano, para substituir os que eu comia, que eram de carne”, conta. “Eu já era cozinheiro, mas não praticava, só comecei mesmo quando vi a necessidade de fazer minha própria comida vegana. Os amigos começaram a pedir e eu fazia os hambúrgueres no final de semana e vendia congelados”, acrescenta.
Depois disso, ele resolveu comercializar os produtos em eventos ao ar livre, que pipocavam por toda a cidade, e criou sua própria marca, a Picnic Food. “Eu ia nesses eventos e não achava nada para comer, então vi esse nicho e criei minha marca a partir da minha necessidade. Comecei a fazer os sanduíches para vender e para mostrar que comida vegana não precisa ser seca e sem gosto”.
Atualmente, o bar de Asdra comercializa cerca de 80 hambúrgueres por dia, durante a semana, e até 160 por dia nos fins de semana. Com um público receptivo a coisas novas e naturais, a cidade se abre cada vez mais ao veganismo. “É uma tendência que não vai acabar, ao contrário, só vai aumentar. Inclusive, a oferta de produtos veganos industrializados também está aumentando, mas ainda são caros no Brasil”, avalia Asdra.
O cozinheiro afirma que a indústria alimentícia tradicional já percebeu a demanda e lança muitos produtos, mas vários não são verdadeiramente veganos. “Se são feitos por fábricas que fazem testes em animais, então não podem ser considerados produtos veganos apenas por não conterem ingredientes de origem animal. O veganismo não é uma dieta, é um estilo de vida, tem a ver com todo o resto – não usar couro ou seda, não comer mel e não consumir nada que venha da exploração animal”, finaliza.

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Mudança radical 1i286t
Algumas pessoas acabam se tornando veganas quando procuram um estilo de vida mais saudável. O casal de programadores Ester Fogaça da Silva, 27, e Bruce Cantarim, 35, resolveu acabar com a rotina de lasanhas congeladas e adotar uma alimentação mais natural. A mudança também aconteceu após assistirem um documentário sobre o tema (What the Health). “Mudou a minha vida! Começamos a cozinhar em casa nos fins de semana, em vez de comprar comida pronta, porque os produtos veganos industrializados são muito caros”, explica Ester.
Mas a troca radical de alimentos não foi tão tranquila. Na primeira semana, aram fome. “A gente não sabia direito o que comer, eu não conseguia comer só salada fria no inverno e ingerimos muito carboidrato, basicamente macarrão, e muitos grãos”, lembra a programadora. “Nosso corpo não estava acostumado, então dava muitos gases, até que aprendemos a colocar os grãos de molho antes do consumo; e adorávamos hambúrguer, então ficamos muito felizes quando encontramos opções veganas desse prato”, diz.
ados cerca de oito meses, o casal ainda está se adaptando, aprendeu a ler os rótulos dos produtos para identificar ingredientes nocivos, como aditivos químicos e corantes derivados de animais, e ou a se preocupar não só com a dieta como com a causa animal. “Muitos aderem ao veganismo para emagrecer, nós não emagrecemos nem engordamos, mas o corpo funciona melhor, diminui a compulsão por doces, a pele fica mais viçosa e todo processo de cicatrização é mais rápido porque diminui o ciclo inflamatório”, aponta Ester.

A dica para quem quer aderir ao movimento é ir aos poucos, para que a transição seja mais gradual, e não esquecer de incluir proteínas vegetais no prato. A nutricionista vegana Luana Zapelini faz workshops e orienta pacientes que querem aderir ao veganismo. “Começa pelo fato de entender que deve haver essa transição gradual, com
orientação profissional adequada”, explica. E dá dicas de como proceder:
– escolha comida de verdade, natural, não industrializada;
– inclua proteínas vegetais (quinoa, tofu, cogumelos, sementes de abóbora, grão de bico, feijão);
– procure acompanhamento nutricional para sua transição alimentar;
– faça exames de sangue para avaliar a necessidade de suplementação de vitaminas e minerais;
– para evitar gastos excessivos, cozinhe em casa e use bastante temperos;
– aprenda a ler os rótulos dos produtos para identificar ingredientes tóxicos, como conservantes e outros aditivos químicos.
Luana reforça que o importante é acrescentar o máximo de nutrientes possíveis no prato, incluindo saladas, sementes e proteínas vegetais que dão saciedade. Com isso, e uma dose considerável de força de vontade, o processo tem tudo para dar certo.