Microempresas têxteis: a geração de empregos, desafios e concorrência em Brusque 4c3654

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Referência do setor no Brasil, cidade com forte tradição têxtil sofre transformações por conta dos desafios enfrentados, como a falta de mão de obra qualificada e a concorrência com produtos chineses

“Eu tinha 15 anos e não sabia nada de costura. Não sabia nem mesmo colocar a linha na máquina e aprendi quando fiquei sem os pais e fui obrigada a trabalhar. Meu primeiro emprego foi com 14 para 15 anos. A gente escutou na rádio que estavam precisando de costureira”, conta Rita Bertoldi da Silva, 57 anos, sobre o início de sua profissão em Brusque, cidade do Vale do Itajaí considerada até hoje a capital têxtil do Brasil.

Microempresas do setor têxtil representam 78,2% das empresas catarinenses – Foto: Kassia Salles/NDMicroempresas do setor têxtil representam 78,2% das empresas catarinenses – Foto: Kassia Salles/ND

A história de Silva exemplifica a importância das pequenas e microempresas em relação à geração de empregos: “são a grande maioria nos setores têxtil e de confecção em Santa Catarina”, segundo dados do Observatório Fiesc (Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina) de 2020.

São 5.687 microempresas catarinenses no setor de confecção, o que corresponde a 84,9% dos estabelecimentos comerciais do Estado. Já no setor têxtil, há 1.458 microempresas, 78,2% das empresas catarinenses.

De acordo com o RAIS (Registro Anual de Informações Sociais), as microempresas de confecção empregam 27.602 pessoas, 29,1% em relação aos empregos formais do Estado. No têxtil, são 7.697 empregados, 13% do total do setor.

Tecendo a história da cidade b6z3s

A história da cultura têxtil em Brusque começa no final do século 19, com imigrantes poloneses que operavam teares rústicos em empresas como a Renaux, uma das pioneiras, fundada em 1892, ao lado da Buettner e Schlösser.

“Em 1970, a economia da cidade começou a diversificar: houve a consolidação do setor metalúrgico, uma confecção incipiente. Em 1975, havia 15 confecções em Brusque”, explica Renato Riffel, professor de design de moda da Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

O acadêmico explica que outra mudança surgiu com as enchentes de 1984 e 85 na região, o que fez o governo liberar o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) para que os trabalhadores pudessem reconstruir suas vidas.

“Muitos investiram na compra de máquina de costura e montaram confecções caseiras, sobretudo na Rua Azambuja. Era um jeito familiar: poucas pessoas trabalhando, mão de obra escassa, não profissionalizada, que faziam produtos básicos, não eram produtos de moda. A Rua Azambuja, por um bom tempo, foi o local principal da cidade”.

Foi exatamente nesta época, no fim dos anos 1980, que os pais da empresária Rubia Mara Furbringer Ristow, Waldir e Francisca Furbringer, decidiram investir na indústria de confecção em um local no fundo da rua, onde hoje está localizada a fábrica, e com apenas dois funcionários.

Rubia Mara Furbringer Ristow iniciou sua trajetória no setor têxtil com apenas 15 anos – Foto: Noah Silva/Divulgação/NDRubia Mara Furbringer Ristow iniciou sua trajetória no setor têxtil com apenas 15 anos – Foto: Noah Silva/Divulgação/ND

“Eu comecei a trabalhar aos 15 anos com o meu pai, fazendo a parte istrativa e depois fui para a área de criação, desenvolvendo produtos e atendendo clientes”, relembra a diretora da Warusky Confecções, hoje uma grande empresa.

A empresária e seus pais fazem parte do desenvolvimento do setor na “capital têxtil do Brasil”. Além disso, a empresa também contou com comércio na tradicional rua Azambuja para aproveitar o grande movimento das pessoas que viajavam para a cidade do Vale do Itajaí, tanto devido ao apelo do turismo religioso quanto do comercial.

“Nós tivemos uma loja para vender algumas peças que fabricávamos durante algum período”, conta Ristow. No entanto, o comércio fechou e a Warusky seguiu no mercado de private label – criação, desenvolvimento e produção de produtos para outras marcas.

Ainda de acordo com Rubia, apesar do crescimento e de contar atualmente com 450 funcionários, a costura das peças é realizada em outra localidade. “A mão de obra de costura é bem escassa na cidade. Isso faz a nossa empresa produzir mais para o interior do Estado”, complementa.

Rita Bertoldi da Silva é aposentada e tem a costura como sua paixão – Foto: Arquivo Pessoal/NDRita Bertoldi da Silva é aposentada e tem a costura como sua paixão – Foto: Arquivo Pessoal/ND

A escassez de mão de obra e sobretudo o déficit de capacitação no setor têxtil ainda persiste desde os anos 80. A costureira Rita diz que “naquela época, a costureira era mais valorizada. Falta mão de obra porque a juventude não vai mais costurar. As filhas das faccionistas não querem sentar na máquina para aprender. Não é mais a filha aprendendo com a mãe. A formação é dada através do Senai, não mais dentro das empresas”.

Além do Senai e Senac, a Ampe (Associação de Micro e Pequena Empresa) de Brusque fornece gratuitamente oficina de ensino de costura. Segundo a presidente da entidade, Sandra Neli Werner, foram formadas 400 costureiras nos últimos 18 meses.

“Um dos problemas que a confecção tem é a falta de mão de obra de costureira. Brusque recebe muita gente de fora, como Bahia e Pará, que chegam procurando emprego. Chegam sem capacitação ou qualificação. A gente faz o treinamento de costura para eles entrarem em uma empresa ou abrirem o próprio negócio. Isso fomenta a produção da cidade, a economia e o social porque gera emprego”, destaca Werner.

AMPE é uma das responsáveis por oferecer cursos de costura em Brusque – Foto: AMPE/Divulgação/NDAMPE é uma das responsáveis por oferecer cursos de costura em Brusque – Foto: AMPE/Divulgação/ND

Desafios atuais 36bd

Embora sejam fundamentais na economia catarinense, as microempresas têxteis enfrentam dificuldades em relação à competição com as grandes indústrias, mas sobretudo em relação às peças importadas da China.

Isso faz com que muitos empreendimentos em por processos de falência, sobretudo com a desaceleração da economia durante a pandemia de Covid-19.

O perfil familiar dessas empresas também pode contribuir para o fracasso: falta de formação e de experiência profissional são alguns dos desafios que os microempreendedores buscam superar.

“O microempresário sofre com uma falta de visão e, quando empreende, consome as reservas para isso, e esse é o grande motivo da mortalidade das empresas. Sabe do negócio, da técnica, mas agora é um empresário que tem burocracia para seguir. Tem funcionário para treinar, clientes para conquistar, fazer o pós-venda. Mas nem todo mundo procura essas especializações, e o risco é sentir a dor muito tarde ou quando não tiver mais fôlego para tocar o negócio”, avalia o presidente da Câmara Têxtil, Confecções, Couro e Calçados, Giuliano Donini.

Modernidade x tradição 4f1x2j

Empresas menores dependem de clientes tradicionais para manter as vendas e garantir o sustento da família. É o que conta Vinicius Adriano Pavesi, dono de uma das mais antigas empresas têxteis de Brusque.

O negócio começou com o avô, ou para o pai e agora segue com ele e com a esposa, Munick. Eles vendem tapetes, panos de prato e toalhas de mesa para outros Estados e, durante a pandemia, tiveram que diminuir a produção e contar com clientes de mais de 30 anos para manter o negócio em operação.

Vinicius Adriano Pavesi é dono de uma das mais antigas empresas têxteis de Brusque – Foto: Kassia Salles/NDVinicius Adriano Pavesi é dono de uma das mais antigas empresas têxteis de Brusque – Foto: Kassia Salles/ND

“A gente ainda está sentindo o impacto de 2020, tudo ficou muito caro, dobrou de preço, e os clientes ainda não voltaram a comprar o que compravam antes”, conta Pavesi.

Quando a pandemia estourou, ele teve que dispensar funcionários e tocar a produção com apoio do pai, Valter, já aposentado, e da esposa.

A presidente da Ampe, Sandra Neli Werner, ressalta que “o maior desafio são as importações da China, uma concorrência desleal em termos de impostos e de valor de mão de obra, que na China é muito barata”.

As microempresas lidam com desafios que muitas vezes as impedem de implementar grandes estratégias de negócio – “a preocupação principal é sobreviver”, afirma Selene Siqueira Soares, professora de Economia da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

Os desafios da competitividade 2e4v3f

A professora aponta três grandes fatores que influenciam a competitividade das microempresas:

  • Empresariais – ligados à forma de empreender, inovação, cultura organizacional – aspectos controlados pela empresa;
  • Estruturais  – ligados ao ecossistema e ao mercado no qual a empresa está inserida. Houve um boom de microempresas nos anos 2000 atrelado ao momento da renda e da economia, com o real estável;
  • Sistêmicos – sobre os quais a empresa não tem controle algum, como a inflação (que acumula alta de 12,04% nos últimos 12 meses, segundo o IBGE), a pandemia e a restrição de matéria-prima (causada pela crise de logística e dificuldades de importação durante a pandemia).

À medida que a desigualdade cambial avança, o custo da matéria-prima (sobretudo o algodão) também começa a gerar dificuldade às microempresas têxteis.

Em contraposição ao cenário favorável dos anos 2000, “agora há um cenário desestruturado e avesso à atividade empresarial, estrangulada pela questão tributária, de renda e de preços. As microempresas não têm muita margem de lucro, então o contexto faz com que haja falências”, diz Soares.

A professora de Economia aponta que a microempresa não possui um departamento de marketing ou de finanças, por exemplo. Quem concentra todas as atividades é o empresário, “que não saberá de tudo. Então é importante que o ambiente da empresa seja favorável em educação, estrutura, conhecimento técnico e e de empreendedorismo”.

A Têxtil Pavesi é uma delas, já que os responsáveis pelo financeiro e istrativo da empresa são os próprios donos. Eles contam com apoio do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) para profissionalizar a istração e conseguir capacitação.

Mas para Vinicius, “falta apoio” dos poderes públicos, o que seria essencial para que empresas menores, como a dele, possam manter-se competitivas diante das dificuldades.

Profissionalização do setor têxtil 4x3z4u

Diferentemente da produção no auge dos anos 80, a partir da década seguinte foram abertos diversos cursos de moda, o que mudou radicalmente a produção têxtil. Se antes eram peças básicas, rápidas, de pronta entrega, hoje as empresas focam em seus nichos e trabalham produtos mais voltados à moda.

“Os cursos aparecem no momento em que o mercado muda. É necessário profissionalizar o mercado da moda, e o design aparece como fator competitivo. Não é só a camiseta, mas uma camiseta de moda. Há uma outra dinâmica, há um diálogo diferente com o consumidor. Metade das empresas estão cientes da profissionalização, mas ainda há empresas que trabalham de forma muito amadora”, pontua Riffel.

“A marca hoje tem conceito e valor agregado. Depois que surgiram universidades de moda, Santa Catarina é o Estado que tem o segundo maior número de escolas de moda do Brasil, tanto em graduação como no nível técnico”, afirma Eliana Gonçalves, professora de moda da Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina).

Outra barreira à profissionalização é a informalidade do setor, que já foi maior. O selo da ABVTEX (Associação Brasileira do Varejo Têxtil), necessário ao fornecimento de produtos a grandes magazines e lojas, assim como a popularização do MEI (Microempreendedor Individual) contribuíram com a redução da informalidade no setor.

“A informalidade é muito séria porque pressiona a empresa formal ainda mais – há uma concorrência desleal. A falsificação é muito ruim, a carga tributária é muito alta. Hoje, com o cenário econômico totalmente desfavorável, é muito mais difícil (a competição)”, analisa Soares.

O presidente da Câmara Têxtil, Confecções, Couro e Calçados, Giuliano Donini, estima a informalidade no setor entre 30 e 35%.

O microempreendedor, contudo, se pauta principalmente pelo sonho de se tornar dono de um meio de produção rentável à família. Os desafios são diversos, mas a determinação pode muitas vezes ser recompensada.

“Costurei a vida toda e entrei ganhando um bom salário, que guardei para comprar carro e apartamento. Mas hoje em dia, quem tem facção não tem horário para trabalhar. É dia e noite para tirar um salário mais ou menos. Tu leva quase um dia inteiro para fazer uma peça que pagam R$ 20. É pouco! Tem que trabalhar muito. Tem gente que trabalha muito mais que 10 horas e tira entre R$ 160 e R$ 180 no dia. Tenho amigas que trabalham até 16 horas para entregar, mas a média é de 10 a 12 horas diárias”, finaliza a costureira Rita.