A temperatura global está subindo, principalmente se comparada a média registrada há 20 ou 30 anos. E a tendência é que aumente ainda mais, podendo aquecer 2,7°C até o final do século XXI, segundo o relatório Lacuna de Emissões 2021: O calor está em alta, realizado pela ONU.
Em função disso, cada vez mais o mundo precisa se dispor a alterar o quadro e reduzir o aquecimento global já em andamento ao mínimo possível. As mudanças em curso têm potencial para impactar todo o quadro biológico do planeta, inclusive quando falamos em agricultura.

Tudo aquilo que envolve o universo biológico, desde as plantas até os animais, podem ser aplicados ao que conhecemos como agricultura. São processos de cultivo desses bens naturais que mais tarde serão consumidos. Todos os serviços estão conectados com a questão climática, explica Cristina Pandolfo, pesquisadora da Epagri.
“Qualquer ser vivo que tem seu desenvolvimento nesse ambiente é afetado diretamente pelos processos vitais. Por serem formados basicamente por água, a questão da temperatura é responsável por todos os processos metamórficos e químicos que são acelerados ou desacelerados pela temperatura”.
A preocupação dos pesquisadores está em construir estratégias que preparem os ecossistemas e adaptem os seres vivos para as mudanças climáticas, além de evitá-las. “São trabalhos que demoram e, enquanto isso, têm as práticas de manejo e conservacionistas no dia a dia”, explica Pandolfo.
Cultivos adaptados ao clima 56j31
Alterações das áreas plantadas, reflorestamentos, culturas adaptadas ao clima e novos métodos de plantio e colheita vão sendo adotados. Com isso, a agricultura tradicional a por inovações constantes. No campo, as adaptações e tecnologias precisam do envolvimento do agricultor.

Vinicius Perego percebeu que a produção de frutas era um campo pouco explorado em Garibaldi, cidade onde vive e produz alimentos ao lado da família. A principal atividade é o gado de leite, mas ele, seu pai, mãe e irmão decidiram produzir maçã em 2016.
“Fomos atrás do extensionista do município, que indicou essas variedades adaptadas”, explica Perego. Os cultivares modificados foram lançados pela Epagri para serem produzidos em climas mais quentes.
Na propriedade, as plantações começaram em 2019, mas “a princípio, essas variedades se apresentaram muito bem”. Além de maçã e leite, a família produz erva-mate, tomate e cebola.
Eles pretendem ampliar os pomares. Cristina Pandolfo explica sobre as pesquisas: “a busca é por conciliar as práticas conservacionistas com a vida e o rendimento do agricultor”.
Sistemas agroflorestais 76j2n
Árvores, plantas rasteiras, bem como aquelas de média e baixa estatura podem ser cultivadas juntas, em uma mesma área. Este tipo de manejo é chamado de Sistema Agroflorestal e a troca é benéfica quando feito com planejamento, respeitando as características do solo e do ambiente. Além de tudo, há retornos econômicos com a venda desses alimentos.
“Esse sistema vai desenvolver fungos, bactérias e insetos. Assim começa uma visão diferente nossa [produtores deste sistema], de que eles não são nossos inimigos, mas nossos aliados”, comenta o agricultor orgânico e extensionista da Epagri, Glauco Lindner.
Em sua propriedade rural em Santa Catarina, Glauco implementou o sistema agroflorestal em duas áreas: uma onde nogueiras pecã, laranjeiras e bananeiras coexistem; a segunda tem laranjeiras, bananeiras, árvores madeiráveis, palmito Jussara, café, aipim e feijão.
“Os modelos não devem ser necessariamente todos iguais”, complementa o agricultor e extensionista. “Nossa riqueza é levar em conta esse conhecimento cultural porque, afinal, a agricultura tem a palavra cultura dentro dela, então há um jeito de fazer. E o jeito de quem faz no dia a dia é interessante e deve ser considerado”.
Biocombustíveis 5q3z6k
A produção e a exportação de suínos e aves é um dos carros chefes da agricultura em Santa Catarina. As fezes destes animais, quando conservadas na ausência de oxigênio, produzem gás metano que, ao lado do CO2, é um dos principais causadores do Efeito Estufa.
Quando o manejo é feito de maneira consciente e adequada, é possível reduzir consideravelmente a emissão desses gases, transformando o dejeto em biocombustíveis que, por sua vez, podem servir de energia renovável.
Como explica o pesquisador da Embrapa, Airton Kinmz, nas pocilgas onde os animais estão alojados há local para descarte desses resíduos, sejam lagoas ou esterqueiras.
Quando estocados nestes locais abertos as fezes entram em decomposição e o metano gerado no processo vai direto para a atmosfera. “Tudo o que pode ser feito através do manejo para evitar que essa condição biológica se estabeleça vai ser útil para que você reduza as emissões”.
Uma tecnologia que mitiga reduz a liberação do gás metano no processo de decomposição das fezes dessas aves e suínos é utilizada na Embrapa de Concórdia (SC).
O biodigestor transforma, sob condições controladas, a matéria orgânica de metano para CO2 com menor poder de estufa quando comparado ao primeiro. A partir daí, como explica Kinmz, o gás, em vez de ser liberado para a atmosfera, é transformado em energia elétrica.
Clima e adaptação f723q
“Ainda não temos essa forma de trabalhar e indicar o que é ou não efeito do aquecimento global”, conta Cristina Pandolfo. As pesquisas vão no sentido de analisar quantidades e intensidade de ocorrências dos eventos, sempre comparando com os registros históricos.
Há alterações climáticas que são próprias do ambiente e, por isso, nem todos os fenômenos climáticos são reconhecidos como efeitos diretos do aquecimento global. As análises não funcionam como “bola de cristal”, são projeções do que se pode esperar a partir do cenário atual comparado ao ado.
Ações específicas de mitigação são planejadas a partir de pesquisas e políticas públicas. A partir delas, espera-se que a agricultura possa se adaptar e criar mecanismos de enfrentamento às mudanças climáticas.
As análises atuais indicam uma necessidade de adaptação do manejo e dos cultivares próprios do clima temperado de Santa Catarina. Maçã, pêssego e uva, por exemplo, precisam de uma quantidade mínima de horas frias. O aumento do calor será prejudicial e acarretará em menor produção, floração menos uniforme e a qualidade será prejudicada.
Por outro lado, essa mesma mudança pode permitir que frutas como a banana, que não são facilmente cultivadas em Santa Catarina, tenham a produção expandida. “Não é que não vai mais se plantar no Estado, mas a janela de cultivo vai se modificar, com plantios sendo postergados ou antecipados”, explica Pandolfo.
Mercado e ações 5f1c6y
O relatório Lacuna de Emissões 2021: O calor está em alta foi utilizado como métrica para as ações sugeridas por líderes de todo o mundo em novembro, durante a COP-26 (26ª Conferência das Nações Unidas).
No encontro dos líderes, o governador de Santa Catarina, Carlos Moisés, assumiu o compromisso de reduzir a emissão de gases de efeito estufa pela metade até 2030 e atingir a neutralidade em 2050.
Descarbonização das cadeias de produção virão com força nos próximos anos e os mercados deverão se adaptar. O pesquisador da Embrapa Airton Kinmz vê o mercado de carbono como promissor e diz ser uma oportunidade para substituição dos combustíveis fósseis.
“É preciso estar atento a esses sinais de mudança. Nossas cadeias são competitivas internacionalmente e, cada vez mais, países que atuam com questões climáticas vão exigir esse compromisso dos seus exportadores”.