Trilhas de aprofundamento, itinerário formativo, projeto de vida. Esses são alguns termos que os jovens do ensino médio estão conhecendo.
São palavras que vêm na esteira da Lei n.13.415/2017, responsável pela criação do novo ensino médio no Brasil e que muda, profundamente, a formação que antecede o ensino superior.
Conforme o prazo do MEC (Ministério da Educação), 2022 é o ano-chave da mudança. O ensino médio está diferente e a avaliação de quem vive essa fase da educação, ensinando e aprendendo, é positiva.
Jogos, realidade aumentada e as perguntas e respostas na palma de mão fazem parte da rotina das novas gerações – Foto: Raphael Dias – Prefeitura de Congonhas
Ao todo, o ensino médio de Santa Catarina tem 266.537 matrículas, sendo 232.842 na rede pública e 33.695 na particular. A rede pública também tem mais instituições: 764 contra 251 particulares.
Nessas instituições, mais de 200 mil cabeças estão experimentando um ensino médio que oferece mais liberdade nos estudos. No Estado, de forma piloto, a implementação começou em 2020 em mais de 100 unidades.
Agora, vale para todas as escolas. O doutor em ciências humanas e mestre em ciências políticas, entre outras especializações, o jornalista João Vianney, 64 anos, trabalha com educação desde 1995, quando coordenou o laboratório de ensino à distância da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).
Quem está hoje no ensino médio nem tinha nascido e Vianney já conduzia o primeiro núcleo de ensino superior pela internet do Brasil. Para ele, o novo ensino médio chegou tarde.
“Essa mudança ocorreu nos principais países do mundo há praticamente um século. É você deixar de ter um ensino focado em conteúdo se criar um conteúdo orientado para aplicação na vida. Tínhamos um ensino médio focado apenas em ar no vestibular”, critica o educador.
Mudanças no ensino médio ao longo dos anos 45b1b
- 1942: O decreto 4.244 cria os cursos científico e clássico
- 1971: Lei 5.692 extingue científico e clássico, e coloca o nome único de ensino de 2º grau
- 1996: Lei 9.394 muda para ensino médio
- 2017: Lei n. 13.415 cria o novo ensino médio
Desafios em montar um currículo interdisciplinar u3250
A engenheira de alimentos Nadine Heisler, 54 anos, trabalha na área de educação há mais de três décadas. Desde 2018, comanda uma empresa de tecnologia voltada para a educação básica.
Na visão dela, o novo ensino médio é extremamente positivo,mas tem desafios.
“A mudança propõe um olhar diferenciado para o jovem. Nós temos, hoje, um nível de evasão muito grande no Brasil. Ela começa no final do fundamental 2, mas o ensino médio tem uma evasão alta também e, muito disso, quando olhamos as pesquisas, é por falta de identificação do jovem com o modelo vigente”, comenta.
Nadine acredita que o cenário agora pode mudar, com o aluno podendo focar nos temas que lhe são mais gratos.
“O jovem estará mais próximo do que seria um trabalho.Tudo isso incentiva a permanência na escola. Acho bárbaro, ainda mais quando agregamos a questão do projeto de vida, que é fundamental para o jovem. Não sonhamos aquilo que não conhecemos. Uma orientação em relação à vida é fundamental”, defende.
Entre os desafios, a educadora aponta a recomposição dos currículos, fazendo professores trabalharem em conjunto.
“Daí vem outra dificuldade, os professores, normalmente, têm carga bastante pesada. Como vão sentar juntos para montar um processo interdisciplinar? O sucesso dessa mudança a muito pela formação do professor”, constata.
Para o especialista João Vianney, a rede pública terá mais dificuldades.
“Vamos pegar o IEE (Instituto Estadual de Educação), por exemplo,que tem milhares de alunos. Eles não têm como oferecer 50 cursos de educação profissional diferentes, por causa da estrutura. Isso ainda é um problema.”
Os desafios, na leitura de Vianney, serão oferecer as alternativas da educação técnica e profissional sem ter estrutura, professores, laboratórios e campos de prática.
“Isso vai demandar contratação de pessoal e treinamento, ou seja, dinheiro e tempo. As escolas tradicionais não têm essa mão de obra e não existe orçamento para que todas tenham estrutura de educação profissional. É um dinheiro que não existe em nenhum lugar do mundo. A resposta é o ensino híbrido. Senão, o aluno não poderá fazer escolhas”, reflete.
Para Vianney, não adianta pegar os alunos de uma cidade e colocar naquela escola só o curso de práticas agrícolas.
“Precisamos de pessoas da área de eletricidade, mecânica, informática, contábil, comercial e também da área agrícola. É preciso um cardápio e isso não é viável no atual modelo de ensino presencial”, alerta.
Democratizando a educação entram em cena as edtechs 54i3o
A Covid-19 está um pouco mais controlada, porém, ainda existe e entre as sequelas que deixou estão reflexos na educação, aumentando os desafios do novo ensino médio.
“O aluno da escola pública teve 75% menos atividades de aula do que o aluno de escola privada na pandemia, no Brasil inteiro”, observa Vianney.
Foi neste cenário caótico que a tecnologia entrou para ajudar. Para Nadine, a tecnologia democratiza ao dar o a mais pessoas a um determinado conteúdo e oferecer conteúdos de qualidade, que podem ser disseminados ao grande grupo.
“Além disso, amos a ter dados para extrair e entender, em tempo real, onde o jovem está parando e porque se interessa por um material e não por outro.”
Integrante da Acate (Associação Catarinense de Tecnologia), ela lembra que a capital catarinense dispõe de um ecossistema muito fértil de soluções para educação.
A região tem dezenas de edtechs – empresas de tecnologia educacional – e a Acate, inclusive, tem um braço com 46 companhias nessas duas áreas.
Algumas soluções oferecidas pelas Edtechs 6g1e
- Programas que ajudam a executar avaliações
- Soluções para correção de redação utilizando a inteligência artificial
- Ferramentas que entregam conteúdo de forma rastreável
- Jogos, simulações e realidade aumentada
- Robôs sendo desenvolvidos para tirar dúvidas
- Tecnologia utilizada como canal de tutoria online
- Soluções para itinerários formativos, ajudando os jovens a se formar, por exemplo, em programação, numa plataforma com desafios da área
Educador lembra que professor tem que ser mais rápido do que os apps 1gs1o
Vianney é mais simplista sobre o papel da tecnologia na educação:
“Basicamente, a revolução é o telefone na mão do aluno. O mundo inteiro está orientado para lidar com o aluno digital, que está abandonando lápis e papel, escrevendo com os polegares, anotando no celular e fotografando o quadro. São alunos polegares”, define o educador.
O especialista enfatiza que os estudantes, agora, trabalham na velocidade do Whatsapp e querem a agilidade dos apps, o que se tornou mais agudo na pandemia.
Para ele, este é mais um desafio, pois querem professores melhores que os aplicativos.
“Praticamente todos os conteúdos do ensino médio estão disponíveis. O aluno ou a estudar em vídeo e não mais nos livros. Eu chamo esse movimento de videalização”, pondera Vianney.
“Estamos na fase das promessas. Agora que acabou o primeiro semestre da mudança. Só os alunos que começaram o ensino médio neste ano estão na nova matriz. O Enem [Exame Nacional do EnsinoMédio] só vai mudar em 2024. A expectativa do MEC é que a mudança vá até 2030. Ela é progressiva, não é de uma vez”, completa o educador.