A cadeia é pior para as mulheres e não é lugar de criança 354v4g

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História de criança que ficou detida por dois anos é exemplo do que não deve ocorrer no sistema prisional; conscientização coletiva tem possibilitado a conversão de prisão em medida cautelar para mães

REPORTAGEM: Schirlei Alves
EDIÇÃO: Beatriz Carrasco

A história de uma criança que ficou presa com a mãe até os 2 anos de idade no Presídio Regional de Itajaí virou lenda dentro do sistema prisional, e serviu de referência a todos os órgãos públicos sobre o que não deve ocorrer.

A menina, como toda criança, reproduzia os mesmos gestos da mãe na prisão, inclusive pedia para ser algemada.

No ano ado, Defensoria Pública de SC fez mutirão para analisar processos de gestantes e mães – Arquivo/Agência Brasil/Divulgação/NDNo ano ado, Defensoria Pública de SC fez mutirão para analisar processos de gestantes e mães – Arquivo/Agência Brasil/Divulgação/ND

A mãe foi presa por tráfico de drogas quando estava grávida. Ela recebeu duas condenações pelo crime.

A menina, que nasceu em abril de 2014 na maternidade do Hospital Marieta Konder Bornhausen, devia ter permanecido na unidade com a mãe até os seis meses de vida – período do aleitamento materno.

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Porém, foram muitos os obstáculos para encontrar um parente que pudesse assumir a guarda provisória da bebê. A irmã da condenada acabou presa pelo mesmo crime.

Falta de vagas em creche e condução até a escola foram argumentos que também dificultaram a guarda para a avó. O processo de guarda provisória não é simples. Depende de trâmite judicial e estudo social, uma vez é preciso garantir o acolhimento da criança em boas condições.

Liberdade tardia 3q5o2v

“É uma corrida contra o tempo, seis meses am rápido. O processo é demorado porque é feito um estudo social para checar se a pessoa que se habilitou a receber a criança é adequada”, explicou o gerente da unidade de Itajaí, Ederson Fior da Cruz.

A pequena ‘ganhou a liberdade’ em fevereiro de 2016. Após três dias no abrigo, ela foi acolhida pela avó. A mãe saiu da prisão no início deste ano. Depois disso, não houve novo registro de criança que tenham permanecido por tanto tempo na cadeia.

“Não é aconselhável que a criança fique mais de seis meses no presídio, pois prejudica o seu desenvolvimento motor, é o período de descoberta da criança”, completou Cruz.

Segundo dados do IBGE, em 2015 mais de 28 milhões de famílias eram chefiadas por mulheres – Arquivo/NDSegundo dados do IBGE, em 2015 mais de 28 milhões de famílias eram chefiadas por mulheres – Arquivo/ND

Habeas corpus coletivo para mães e gestantes 1252g

No ano ado, inclusive, o STF (Supremo Tribunal Federal) concedeu habeas corpus coletivo impetrado pelo CADHu (Coletivo de Advogados em Direitos Humanos), determinando a substituição da prisão preventiva por domiciliar a mulheres presas gestantes, mães de crianças de até 12 anos ou de pessoa com deficiência.

A medida abrange todo o território nacional. Na época, a Defensoria Pública de Santa Catarina fez mutirão para analisar os processos e verificar a possibilidade de aplicar medidas cautelares às mães que estavam presas e ainda aguardavam condenação.

Presídio Feminino de Chapecó – Deap/Divulgação/NDPresídio Feminino de Chapecó – Deap/Divulgação/ND

De lá para cá, os defensores perceberam mais conscientização do Ministério Público, do Poder Judiciário e do próprio sistema com as mulheres, uma vez que elas costumam ser as responsáveis pelos lares.

A falta do pai em casa é ainda mais evidente nas regiões vulneráveis. Segundo dados do IBGE, em 2015 mais de 28 milhões de famílias eram chefiadas por elas.

“A questão da mulher presa é muito mais sensível, significa a retirada da mulher da família”, destacou a defensora pública de Florianópolis, Caroline Teixeira.

Se houver política pública para tentar reorganizar a família e dar condições para que ela possa ficar próxima da família e amparar os filhos, contribuirá com o sistema e a sociedade”, avaliou a defensora pública.

Sistema avança, mas ainda falha com elas 3i1h3s

Até 2017, o sistema prisional catarinense contava apenas com cadeias masculinas. As mulheres ficavam detidas em alas ou unidades velhas com pequenas adaptações.

As cobranças das defensorias públicas e as demandas sobre as necessidades fisiológicas das mulheres, gestantes e mães impulsionou o Deap (Departamento de istração Prisional) a investir em unidades femininas.

Presídio Feminino de Chapecó – Deap/Divulgação/ND – Deap/Divulgação/NDPresídio Feminino de Chapecó – Deap/Divulgação/ND – Deap/Divulgação/ND

Três novas unidades construídas exclusivamente para elas foram entregues em Florianópolis, Criciúma e Chapecó. Outras duas em ville e Itajaí ainda estão pendentes de liberação.

Atualmente, 11 unidades abrigam mulheres no Estado, sendo seis mistas e cinco exclusivamente femininas – considerando as prisões antigas que foram adaptadas.

Berçário no Presídio Feminino de Chapecó – Arquivo/Elizandra Gomes/TJSCBerçário no Presídio Feminino de Chapecó – Arquivo/Elizandra Gomes/TJSC

Em Florianópolis, a unidade velha – com 58 vagas – foi substituída por uma nova, anexa ao Complexo da Agronômica, com 120 vagas, inaugurada neste ano.

O problema de superlotação foi sanado e a qualidade das celas melhorou. A antiga cela de castigo, que era extremamente precária, também não existe mais. Foi substituída por uma cela comum.

Cela de triagem na antiga unidade de Florianópolis – Defensoria Pública/DivulgaçãoCela de triagem na antiga unidade de Florianópolis – Defensoria Pública/Divulgação

Porém, essa é a única unidade nova sem berçário e creche. Segundo a defensora Caroline Teixeira, ainda é preciso resolver o problema de assistência médica.

A unidade não conta com atendimento direcionado para as mulheres nas questões ginecológicas e de pré-natal. A obtenção de medicamentos também é morosa por falta de entrosamento com o Município.

A defensora destaca que o problema de saúde poderia ser resolvido se a Prefeitura de Florianópolis asse a integrar a política nacional de assistência à pessoa presa. Por meio do programa, o município receberia verba para fornecer equipe de saúde às unidades prisionais.

Em Chapecó e Criciúma, onde há unidades novas completas, os defensores Everton Beltrão de Mattos e Diego Torres avaliam que os estabelecimentos têm atendido às expectativas.

Uma característica inovadora de Chapecó é o contato direto entre as agentes e as reeducandas, o que possibilita o tratamento mais humanizado.

Problema em projeto atrasa obra 4e6b2i

O atraso na obra de ville, porém, é visto com preocupação pela defensora Fernanda Aparecida Rocha Silva de Menezes. Lá, as presas continuam ocupando uma ala no Presídio Regional, cuja estrutura é originalmente masculina e precária.

Para se ter uma ideia, o vaso sanitário é aterrado no chão, exigindo delas que se equilibrem sobre o buraco. Além disso, o chuveiro fica em cima desse buraco.

Mulheres costumam ser abandonadas pelos parceiros durante o cumprimento da pena – Arquivo/NDMulheres costumam ser abandonadas pelos parceiros durante o cumprimento da pena – Arquivo/ND

Fernanda também ressalta a necessidade de se ampliar os kits de higiene feminina, pois o material entregue uma vez por mês não é suficiente. As mulheres menstruam, portanto, precisam de pelo menos dois pacotes de absorvente, mas contam apenas com um.

“Elas não costumam receber tantas visitas quanto os homens (são os familiares que costumam levar alimentos e produtos de higiene). Por isso, elas dependem muito mais dos kits. Quando o companheiro é preso, a mulher continua visitando. Mas quando ela é presa, o companheiro não continua”, comentou a defensora.

Segundo o Deap, o Presídio Feminino de ville previsto para o segundo semestre de 2018 atrasou por “necessidade de adequação e adaptação do projeto ao local da obra”. O novo prazo é 2020.

Panorama no Estado 3w142y

Em Itajaí, a unidade nova está concluída, mas aguarda a realização de novo concurso público para ser inaugurada, pois não há agentes suficientes para atender a estrutura com mais vagas.

Na atual unidade, onde viveu a criança, há espaço adequado para as mães e gestantes. No que diz respeito às outras presas, o ambiente não é tão acolhedor por se tratar de unidade antiga, construída na década de 1970. Os kits de higiene também são defasados.

“Não é um local adequado para as mulheres. Precisaria de espaço para instalar oficinas de trabalho e atender a outras demandas. A equipe de istração se esforça bastante, mas falta espaço”, comentou a defensora que atua em Itajaí, Samara Beatriz Fortunato Bellan.

Uma quinta unidade feminina também começou a ser construída em 2017 em Tubarão, no Sul do Estado. Segundo o Deap, a obra está 90% concluída, restando ajustes finais.

Na Serra Catarinense, porém, as presas devem continuar numa unidade antiga de Lages. A maior demanda por lá, segundo o defensor Volnei Loreno Hasse, é a necessidade de creche e local adequado para amamentação. O ideal, na avaliação dele, é desmembrar a cadeia masculina da feminina.

“Está dentro da razoabilidade, pois a estrutura é antiga. Mas me preocupo com o frio aqui na região. Tenho a impressão que estão mal vestidas, seria bom ter uma jaqueta mais grossa para o inverno”, avaliou.

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Contraponto do Deap 734e5d

A reportagem fez contato com o Deap para detalhar as questões das unidades femininas. Confira as respostas enviadas por meio da assessoria de imprensa:

Das 13 unidades que abrigam mulheres no Estado, quantas possuem berçário? Em 2017, a informação era de que havia nas unidades de Florianópolis e Itajaí. A informação segue a mesma?
Deap: Não. Atualmente possuem berçário a Penitenciária Feminina de Criciúma, o Presídio Feminino de Chapecó e o Presídio Regional de Itajaí. Importante salientar que após o Habeas Corpus coletivo (HC 143641) concedido em 2018 pelo STF, há uma tendência de que a Justiça conceda prisão domiciliar para mulheres grávidas ou mães de crianças na primeira infância.

Nas demais unidades do estado, as presas gestantes que não são beneficiadas são encaminhadas para as unidades com berçários. Atualmente, 11 unidades prisionais abrigam mulheres no Estado sendo seis mistas e cinco exclusivamente femininas.

Até 2017, nenhuma unidade feminina dispunha de creche e áreas de atendimento à saúde. A situação continua a mesma? Como tem sido o atendimento ginecológico e o pré-natal para gestantes?
Deap: Desde 2017, o Presídio Regional de Itajaí e o Presídio Feminino de Florianópolis possuem unidade básica de saúde e equipe para atendimento. Atualmente, além dessas duas unidades, a Penitenciária Feminina de Criciúma e o Presídio Feminino de Chapecó também possuem a mesma estrutura, incluindo creche. As unidades oferecem exames ginecológicos já nos 10 primeiros dias de alocação das mulheres e o exame pré-natal é realizado na unidade prisional.

Em 2017, o secretário Leandro Lima informou que o Estado pretendia desidratar as prisões femininas e extinguir as mistas assim que quatro novas unidades fossem entregues. A expectativa para o Presídio Feminino de Chapecó era fim do ano de 2017. A de Itajaí era 1º trimestre de 2018. O Presídio Feminino de ville estava previsto para o 2º semestre de 2018. As três unidades estavam sendo construídas com recursos federais. Todas foram entregues? Se não foram, por quê? Qual a previsão? As presas já foram remanejadas?
Deap: O Presídio Feminino de Chapecó foi inaugurado no segundo semestre de 2018, extinguindo as unidades mistas da região e concentrando todas as mulheres presas na nova unidade. O Presídio Feminino de Itajaí está concluído e aguarda a realização do novo concurso público para inauguração. O Presídio Feminino de ville está em construção e deve ficar concluído em 2020. Os atrasos na obra ocorreram em virtude da necessidade de adequação e adaptação dos projetos ao local das obras.

A Penitenciária Feminina de Criciúma, primeira unidade para mulheres condenadas no Estado e construída com recursos estaduais, estava prevista para dezembro de 2017. Ficou pronta? Se ficou, as presas já foram remanejadas?
Deap: Sim. Foi inaugurada em janeiro de 2018. As presas já foram remanejadas.

As obras de uma 5ª unidade, o novo Presídio Feminino de Tubarão, deveriam começar em 2017. Como ficou? Já está pronta?
Deap: Sim. As obras começaram em 2017 e está com mais 90% da obra concluída, restando ajustes finais.

A promessa era de renovar o sistema prisional feminino com mais 1,3 mil vagas (286 em cada unidade, com exceção de Tubarão que teria 224). Foi possível cumprir? Se não, por quê?
Deap: Esta é uma meta que será alcançada com a inauguração das novas unidades femininas de Itajaí, ville e Tubarão.

Quais unidades masculinas estão sendo construídas neste momento? Qual a previsão de entrega?
Deap: Ituporanga está em fase de finalização e São Bento do Sul, 24 meses após o início das obras. O Alvará para a construção já foi expedido pela prefeitura. Nesta segunda-feira (12), começou a ser instalado o canteiro de obras da empresa que vai executar o projeto.