Há exatamente 18 anos, a cidade de Florianópolis ficava às escuras durante dois dias por falta de energia elétrica. Quem viveu essa experiência sabe dos transtornos que o Município e seus moradores tiveram depois de uma explosão nos cabos de energia que ficam debaixo da Ponte Colombo Salles. Era para ser apenas uma manutenção de rotina, mas a Ilha inteira acabou sofrendo um prejuízo enorme, tudo por causa de um ‘liquinho’.

Na tarde do dia 29 de outubro de 2003, técnicos da Celesc (Centrais Elétricas de Santa Catarina) faziam uma emenda em um cabo de baixa tensão na galeria central da Ponte Colombo Salles, que fica embaixo das pistas.
“Esse liquinho apagou e depois, na hora que foram reacender, o gás que tava contido ali iniciou uma pequena explosão e continuou queimando”, contou Aldrin Silva de Souza, que era 2º tenente do Corpo de Bombeiros de Florianópolis na época e estava ando justamente por baixo da ponte quando recebeu o chamado. Ele foi o primeiro bombeiro a chegar no local do incêndio.
O problema é que, com o susto, os técnicos acabaram deixando o maçarico aceso. Ninguém que ava pela ponte imaginava o que estava prestes a acontecer.
O engenheiro e ex-diretor da Celesc, Eduardo Sitônio lembrou que, dos trabalhadores que estavam no local, “um foi para um lado, dois foram para o outro e dois pularam num furo que tem aqui na ponte na água”.
“Os cabos são isolados. Uma rede é isolada a seco. Então, não tem risco de pegar fogo. O segundo circuito era isolado a óleo. E o ‘liquinho’ ficou apontado para o cabo isolado a óleo. Então, imagina, o cabo ia até aquela subestação na Ivo Silveira, tava cheio de óleo. Mesmo fechando o registro aquele óleo ia queimar”, explicou Sitônio.
Segundo Souza, quando os bombeiros estavam na ponte, “o incêndio rompeu o cabo e aí aconteceu uma espécie de explosão e veio aquela fumaça negra e nós tivemos que recuar”.
Em cerca de 15 minutos, a Ilha inteira ficou sem energia elétrica. “Qual é o plano B? Não tem plano B. Como os cabos avam numa ponte só, todos eles foram danificados”, disse Sitônio.
Poucos minutos depois, a PM (Polícia Militar) foi chamada para organizar o trânsito na Ponte Colombo Salles. De acordo com o coronel Luiz Rodolfo Hackbarth, as duas pistas da direita foram fechadas e “isso imediatamente causou um congestionamento muito grande. Em questão de minutos, todo o Centro da cidade estava fechado, parado”.

Sem energia, os exaustores dentro do Túnel Antonieta de Barros não funcionavam. “Tinha uma coluna de fumaça saindo de dentro do túnel. Assim que cheguei no local, já tinha pessoas ando mal lá dentro e uma das primeiras providências que nós tomamos foi fechar o o ao túnel da Via Expressa Sul. Muitos veículos nós tiramos de ré depois para que saíssem de dentro daquele ambiente que estava bastante saturado”, disse Hackbarth.
Na ponte, os Bombeiros trabalharam sem parar por mais de 20 horas. “Na época, tínhamos em torno de 70 bombeiros nesse combate a incêndio. Com apoio de botes infláveis embaixo da ponte, na água, trocando os cilindros de ar para poder entrar porque lá é um local confinado”, relatou o bombeiro Souza.
As emissoras de rádio e televisão continuaram operando com geradores. O diretor operacional do Grupo ND, Marcelo Campanholo, trabalhava como gerente de operações da emissora na época.
Campanholo contou que “prontamente já mandamos a equipe para o local. A gente trouxe mais equipes também, mostrando tudo o que aconteceu na Ilha, como é que as pessoas estavam se comportando. Teve todo esse movimento de não deixar faltar nenhuma informação pro telespectador. Todas as informações foram para o estado todo e a gente não parou em nenhum momento de fazer a cobertura”.
Sem luz em casa ou no trabalho, os moradores da Ilha não podiam ver as notícias pela TV. O único meio de conseguir informação era pelo rádio a pilha.
O jornalista Carlos Alberto Ferreira falou que o estoque de pilhas “acabou rapidamente nos mercadinhos dos bairros, nos grandes mercados, porque as pessoas aram a ouvir o radinho de pilha”.
Helton Luiz também lembrou da cobertura jornalística que realizou como radialista: “Eu fui no supermercado e eu tava entrevistando um casal e ele tava com um maço de pilhas, tinha comprado várias. Eu perguntei porque ele tava fazendo aquilo e ele falou: ‘eu não posso ficar sem informação, eu não sei quando é que vai voltar. A gente chega em casa e já fica ouvindo. Os vizinhos chegam ali e ninguém tem’”.

A Celesc e o governo do Estado montaram uma força tarefa para conseguir restabelecer a energia o mais rápido possível. Segundo Sitônio, “tivemos ajuda de algumas prefeituras da região, tivemos que arrumar areia de madrugada, tivemos que ter esse cimento de madrugada. Quer dizer, nós tivemos que alimentar 500 pessoas num lugar onde não tinha nenhuma”.
Com o ar do tempo, a vida na Ilha foi ficando mais complicada. “Porque a energia acabou, as pessoas aram a usar vela. Na época, eu me lembro que houve um incêndio lá num hotel na Praia Mole”, recordou Souza.
“Uma mulher ligou para a rádio durante a noite desesperada porque o filho dela tinha problemas respiratórios e ela precisava fazer nebulização. E ela não tinha o aparelho em casa, a energia para ligar. A gente colocou essa angústia dela no ar. Um hotel nos Ingleses ofereceu e ela foi lá, foi levada lá”, contou Ferreira.
Para piorar a situação, a Ilha ficou sem água e sem comunicação, porque os cabos de água e telefonia também avam pela ponte. E, depois de um dia inteiro sem luz e sem água, os prejuízos começaram a aparecer.
“Você imagina o cidadão que tem uma peixaria, um açougue, uma sorveteria, um pequeno armazém com um balcão de frios. Perda total”, avaliou o advogado e engenheiro Carlos Roberto Gallo.
A comerciante Rosa Margarida Guesser, que tem um minimercado, teve dificuldade em manter o estabelecimento funcionando. Um pequeno gerador não dava conta de suprir a falta de energia.
“Perdemos bastante. Desde sorvete, congelados, carne, frango, essas coisas assim. Não tinha como assar pão. Tivemos que comprar pão fora”, contou Rosa.
O governo do Estado na época sabia que era um problema gravíssimo. “Da catástrofe, você tem que tirar os exemplos para que não aconteça mais. Então, nós amos os cabos de baixa tensão para a Ponte Pedro Ivo Campos. E com um pedido especial para a Pirelli. A Pirelli confeccionou o cabo sem nenhuma emenda. Dá mil e poucos metros. Esses cabos são contínuos, para nunca mais fazer essa manutenção”, conforme o engenheiro Sitônio.
Depois de 56 horas de muito trabalho, a Celesc conseguiu restabelecer a energia elétrica em toda Ilha de Santa Catarina. Os prejuízos das famílias e dos comerciantes nunca foram calculados. Na época, o MP (Ministério Público) entrou com uma ação civil pública contra a Celesc para tentar indenizar as pessoas mais prejudicadas. Mas esse processo corre até hoje.
O advogado Carlos Roberto Gallo teve o a todos os relatórios sobre o incidente na Ponte Colombo Salles. “Por exemplo, existia previsão de ampliação da rede? Se existia, por que não foi feito? Preparei um parecer técnico respondendo principalmente as dúvidas que o Ministério Público apresentou naquele momento, entreguei ao MP, que juntou aos autos e, para nossa alegria, a ação foi julgada procedente. Por isso, as pessoas que tiveram prejuízo poderiam procurar pela Celesc para se ressarcir”, explicou Gallo.
O procurador da República, Carlos Augusto Amorim Dutra, revelou que o processo ainda não tem data para terminar: “Segundo o STJ, o Tribunal Regional Federal de Porto Alegre não teria analisado o pedido de condenação da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) na obrigação de fiscalizar a Celesc a respeito da contratação de sistema de monitoramento das galerias porventura existentes, como a galeria lá da ponte. O processo voltou agora para decidir isso. Ou seja, ados esses anos, não há decisão ainda definitiva.”
Mas será que a Capital catarinense ainda corre o risco de sofrer um apagão parecido com aquele de 2003? O diretor de distribuição da Celesc, Sandro Levandoski, disse que “os consumidores nem sentiriam. O sistema hoje funciona automaticamente. A gente chama de trabalho por fluxo de potência. Uma determinada conexão deixou de estar apta, a outra assume automaticamente sem o cliente perceber. A não ser que haja uma coisa fora do normal completamente, o risco de um novo apagão é bastante reduzido”.
A subestação na entrada do Campeche foi construída logo depois do apagão, o que diminuiu bastante o risco de desabastecimento de energia na Ilha. E desde o início do ano, uma empresa privada já começou o trecho subterrâneo e a subestação do bairro Ratones, que faz a interligação elétrica entre Biguaçu e Florianópolis. A parte subaquática vai ter uma extensão de 13 km do Continente até a Ilha. E com isso, a Capital a a contar com três sistemas de transmissão, e não apenas um como havia há 18 anos.
Levandoski disse que “a partir de 2022, ela poderá ser conectada e, aí sim, toda essa melhoria da qualidade, da confiabilidade vai ter o resultado esperado”.
Ferdinand Vale é gerente da empresa responsável pela obra, a ISA CTEEP, e explicou que “pode perder duas dessas linhas que mesmo assim a cidade de Florianópolis não terá apagão”.
Hoje, o pesadelo de ar dois dias sem energia, sem água e sem comunicação é coisa do ado. Mas aquele 29 de outubro de 2003 ainda vale como lição.
Saiba mais sobre o apagão na reportagem do Balanço Geral Florianópolis.