Nos últimos dois meses, pelo menos três crimes bárbaros que tiveram como vítimas homossexuais horrorizaram os catarinenses. Ameaças de morte por suposto grupo neonazista em Imbituba, um assassinato em Abelardo Luz e o mais recente, nesta segunda (31), que mistura tortura e estupro em Florianópolis.
O crime de homofobia é a principal suspeita em todos eles. Os registros de cada uma dessas histórias chocou Santa Catarina e repercutiu na sociedade e na internet.

Para ONGs e entidades, os casos condensam as consequências mais graves deste tipo de delito. São a “ponta” de uma cadeia de crimes que permanece subnotificada em Santa Catarina e ainda não conta com uma lei específica.
No próximo dia 13 de junho, tanto a homofobia quanto a transfobia completam dois anos desde que foram enquadradas na lei de racismo pelo STF (Superior Tribunal Federal).
A tipificação permanece até que o Congresso Nacional aprove legislação específica aos crimes – demora já classificada como omissão pelo STF, quando o Legislativo aprovou a nova lei.
Um dos primeiros indiciamentos por homofobia em Santa Catarina, dentro da nova lei, ocorreu em Orleans, no Sul do Estado, em maio de 2020.
O alvo foi um radialista que disferia xingamentos, divulgava histórias falsas e promovia ódio contra homossexuais da cidade. Com a lei, a violência motivada por orientação sexual se tornou crime hediondo e inafiançável, com penas que variam de dois a cinco anos.
O problema é que a adoção ainda é tímida no Estado, segundo avaliação da advogada e presidente da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero da OAB/SC (Ordem dos Advogados do Brasil), Margareth da Silva Hernandes.
“A maioria dos casos ainda é tipificado como injúria”, explica. Para este crime, as penas são mais brandas: de um a seis meses de prisão, ou multas, que podem ser substituídas por serviços prestados à comunidade. “É uma situação que deixa a desejar”, lamenta a advogada.
Subnotificação dos casos continua 1x2k16
Para Hernandes, essa tipificação errada é causada principalmente pela falta de formação dos agentes de segurança, responsáveis por registrar boletins de ocorrência e realizar investigações. Antes da nova lei, a regra era registrar os casos como injúria – o então hábito se manteve.
Outro ruído é o fato dos boletins de ocorrência não contarem com campos para informar a orientação sexual das vítimas. “É uma reivindicação da Comissão de Direito Homoafetivo que nos BOs seja incluso o gênero e a orientação sexual. E que seja criada a qualificadora homofobia para os homicídios, muita vezes enquadrados como ‘motivo torpe'”, afirma Hernandes.
Dentro do guarda-chuva do racismo, e muitas vezes tipificado de forma errada, Santa Catarina conta com uma subnotificação de casos de homofobia.
“Existe uma cadeia prévia, que consiste, por exemplo, nas ofensas sofridas na rua, que não é relatada”, segundo Bruno Jordão de Miranda, cofundador e diretor de comunidade da Nohs Somos, uma startup voltada ao bem-estar do público LGBTQIA+ em Florianópolis.
Por isso, ambos convergem em uma orientação: na hora de registrar os boletins de ocorrências, as vítimas devem falar que é crime de homofobia, e se possível explicar a legislação. “O ideal mesmo é que levem o advogado na hora de fazer o BO”, sugere Hernandes.
Realidade pode ser pior que o registrado w2ss
Sem ter os dados oficiais contabilizados pelos registros de boletins de ocorrência, as entidades e ONGs acabam reféns das denúncias recebidas e dos casos veiculados na imprensa, muitas vezes reportando apenas as situações mais graves de crime de ódio.
O cenário dificulta a elaboração de políticas públicas para o problema, segundo o cofundador da Nohs Somos. “Sem dados oficiais, o Poder Público trata como se esses casos não ocorressem”, ressalta Miranda.
“Tomamos conhecimento principalmente dos crimes mais bárbaros”, afirma Hernandes, que também é coordenadora jurídica adjunta da Aliança Nacional LGBTI.
Para, Miranda, o fato de LGBTs precisarem se isolar com familiares durante a pandemia é outro fator que contribui para o aumento da violência, pois muitas vezes se isolam com agressores.
“É uma percepção empírica. Pode ser porque hoje o tema é mais pautado ou realmente vivemos um aumento de violência”, avalia. “É um sinal da própria LGBTfobia a demora em gerar esses dados.”
Também em função dessa ausência de dados, é difícil dizer, por exemplo, se os crimes de homofobia cresceram durante a pandemia, assim como foi registrado com os feminícidios e crimes de violência doméstica – categorizados adequadamente e registrados nos boletins da SSP (Secretaria de Segurança Pública).