A rica biodiversidade do Parque Estadual Serra do Tabuleiro se estende por mais de 84.130 hectares. Extensão que representa 1% de todo o território do estado de Santa Catarina. Em meio a Mata Atlântica, o parque é a maior reserva estadual de preservação integral e corre o risco de sofrer perdas irreparáveis com os recorrentes incêndios registrados.
O incêndio que durou cerca de 48 horas é o quarto maior registrado nos últimos 15 anos. Mais de 800 hectares do parque localizado no município de Palhoça foram afetados pelo fogo. Impossível saber quantos animais morreram. Difícil calcular em quanto tempo o solo e a vegetação serão recuperados.
Para apurar os possíveis responsáveis pelo incêndio dessa semana, a 4ª Promotoria de Justiça, em Palhoça, está instaurando um inquérito civil. Essa comarca atua na área do meio ambiente, incluindo a proteção do Parque Estadual.
Segundo a Polícia Civil, há indícios de que o incêndio foi criminoso, no entanto, somente a investigação irá apontar o que de fato ocorreu naquela terça-feira (10). Um inquérito policial foi instaurado e a polícia conta com a colaboração da comunidade para receber informações que auxiliem nas investigações. De acordo com a delegada Michele Alves Correa Rebelo, o inquérito deve ser concluído em 30 dias.
Quem são os suspeitos?
Desconfianças sobre a motivação do incêndio que devastou parte da reserva não faltam. Entre os moradores há consenso: o fogo foi ateado por quem tem interesse na terra. Entre as pessoas ouvidas pela reportagem do ND+, apenas um se expôs.

Renato Cordeiro mora em Morretes, localidade da APA (Área de Proteção Ambiental) do Entorno Costeiro, afirma que esse incêndio foi criminoso como os outros ocorridos no parque.
“Aqui é mais interessante, está perto da praia. Imagina o quanto vai valer um loteamento nessa área? É muito dinheiro. Tiraram as praias da reserva para facilitar essa invasão”, argumenta.
No entanto, Cordeiro não soube dizer quem são essas pessoas interessadas em devastar uma área de reserva com o objetivo de invadir e erguer loteamentos.
Áreas de proteção desprotegidas
ados 10 anos da Lei 14.661 que instituiu o Mosaico de Unidades de Conservação da Serra do Tabuleiro e as APAs (Áreas de Proteção Ambiental), as áreas continuam sendo ocupadas irregularmente.
A lei de 2009 redefiniu os limites do Parque Serra do Tabuleiro que estavam descritos no Decreto 1.260 de novembro de 1975, quando foi criado, e o Decreto 17.720, de agosto de 1982, que retificou o documento anterior.
Com essa alteração, foram excluídos da área do parque 98.400 hectares e então criadas as APAs Vargem do Braço, Vargem do Cedro e Entorno Costeiro. Todas elas são unidades de uso sustentável, ao contrário do Parque Estadual que é de proteção integral.

Essas APAs têm como “objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais”.
Porém, não é isso que ocorre. Em muitas áreas houve desde a época da criação da lei um aumento populacional. “São pessoas que não fazem parte da população tradicional e também não fiscalizam”, aponta o professor Jackson Alexsandro Peres, da Faculdade Municipal de Palhoça.
Peres pesquisa e acompanha a situação do parque há muito tempo. Doutor em história cultural, ele fez um estudo sobre a recategorização da parte da reserva onde há conflitos, a APA do Entorno Costeiro. “Estamos há 10 anos com essa recategorização e com os mesmos problemas de décadas”, avalia.
O professor Jackson lembra que a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) ainda não foi julgada pelo STF (Supremo Tribunal Federal). A ADI questiona os artigos da Lei 14.661 que criou as APAs. Para o Supremo, a reserva foi retalhada e isso desrespeita a Constituição Federal.

Regularização fundiária
A regularização fundiária das terras da unidade de proteção é um dos tantos empecilhos para o parque ter paz. É o que os moradores querem, é o que o estado deveria ter feito há 44 anos, quando o Serra do Tabuleiro foi criado.
No mapa mais antigo disponível, é possível perceber a presença de poucas propriedades na área do parque, bem diferente de hoje. “Se essa a regularização tivesse acontecido na década de 1970, possivelmente os problemas atuais seriam menores”, acredita Carlos Alberto Cassini, coordenador do Parque Estadual Serra do Tabuleiro.
De acordo com Cassini, foram regularizados cerca de 20 mil hectares. Para isso foram criados grupos de trabalho que avaliam, após análise de mapeamento da área, quem será indenizado. Quando definido, chega-se a um outro problema: recurso para indenizar.

Na lei de 2009 foi criado o Fundo Especial de Regularização, Implementação e Manutenção do Mosaico, mas que, 10 anos depois, continua somente no papel. Sem esse recurso, o IMA (Instituto do Meio Ambiente) de Santa Catarina utiliza verbas de compensação ambiental.
No mês ado foi contratada uma empresa para fazer o georreferenciamento necessário para a regularização, que vai trabalhar de acordo com o recurso que houver disponível.
No parque há, segundo o coordenador, de 700 a mil propriedades, algumas com mais de 300 hectares. “O poder de fiscalização nem sempre é eficiente”, argumenta Cassini.
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