O centenário do ensino superior em Santa Catarina se completou em 2017. A marca histórica, no entanto, foi praticamente ignorada pela comunidade universitária. Nos registros da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), o ano de 2017 estará manchado pelas acusações de desvios de recursos públicos e pela trágica morte do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo. Na mira das autoridades está, principalmente, a falta de transparência nas relações entre a universidade e as fundações de apoio.

Criadas pouco depois da própria UFSC, as fundações surgiram nos anos 1970 para atender às “necessidades crescentes de captação de recursos financeiros e apoiar o desenvolvimento do ensino, da pesquisa e da extensão”, como define texto no site da Fapeu (Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária). Instituída como pessoa jurídica sem fins lucrativos, a Fapeu recebe o maior volume de recursos entre as fundações e é o principal alvo de irregularidades nos relatórios da CGU (Controladoria- Geral da União).
Somente em 2017, foram repassados pelo menos R$ 71 milhões à Fapeu em contratos. O destino desses valores não está totalmente claro, na avaliação da CGU. Há mais de dez anos, o órgão de controle apresenta relatórios à UFSC com solicitações de correções, mas pouco foi feito desde então, de acordo com o superintendente substituto da CGU em Santa Catarina, Marcelo Campos da Silva. “Entendemos que aquilo que recomendamos desde 2007 não foi atendido a contento pela universidade”, afirma.
Os problemas com as fundações de apoio culminaram na Operação Torre de Marfim, da Polícia Federal, deflagrada em dezembro de 2017. Os recursos investigados são de R$ 500 milhões. Como as investigações ainda estão em curso, não se sabe quanto desse valor foi desviado no total.
Um único investigado movimentou R$ 245 milhões gerindo projetos e apresenta patrimônio incompatível com os rendimentos de servidor público. Outro contrato é referente à compra de um programa de computador para a área de saúde realizada entre Fapeu e Tríplice, empresa que tem como proprietário um professor aposentado da UFSC. A compra foi considerada ilegal pelo Tribunal de Contas da União, que prevê devolução de R$ 23 milhões.
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CGU analisa taxas istrativas
Os indícios de irregularidades começam na prestação de contas da taxa istrativa que as fundações cobram para a execução dos projetos. São porcentagens pequenas dos contratos, mas como alguns deles giram cifras milionárias, as taxas também são altas. Segundo o relatório da CGU, isso traz distorções, uma vez que as despesas istrativas não aumentam na mesma proporção do valor do orçamento. “Não conseguimos identificar o que, de fato, compõem essas taxas nem como são aplicados esses recursos, o que foi gasto e o que não foi gasto”, relata Marcelo Campos da Silva.
As suspeitas de mau uso do dinheiro público continuam na execução dos projetos. Os auditores identificaram a contratação de pessoas físicas ligadas aos coordenadores, inclusive familiares. Também há casos de empresas contratadas que têm pesquisadores dos projetos como sócios e contratos com empresas de fachada.
Fundações são consideradas imprescindíveis para a UFSC
São quatro fundações de apoio que atuam na UFSC e executam mais de 880 projetos nas áreas de saúde, tecnologia, jurídica, estudos socioeconômicos, entre outras. Apesar da polêmica, as fundações de apoio são consideradas fundamentais para a realização de projetos de pesquisa e extensão. “Muitas vezes, os recursos para istração dos projetos não têm como entrar no orçamento da universidade. As fundações intermediam a gestão desses recursos, permitindo o desenvolvimento de grandes pesquisas feitas no âmbito da UFSC”, explica o reitor Ubaldo César Balthazar, eleito no dia 11 de abril e nomeado ontem pelo Ministério da Educação para o mandato de quatro anos. Procurada, a Fapeu não se manifestou.
O chefe de gabinete da reitoria, Áureo Moraes afirma que as fundações são entidades credenciadas e autorizadas a fazer contratos e que o Conselho de Curadores da universidade aprova a prestação de contas. “A operação Ouvidos Moucos apontou que ‘a UFSC não tem controle’, é mentira. É possível ter havido alguns equívocos na gestão, é preciso aprimorar os mecanismos de controle interno, mas não há desvio de recurso público. Tudo que acontece está sob os olhos dos órgãos de controle”, afirma.
Reitor da UFSC por três mandatos (1984-1988, 1996-2000 e 2000-2004), o professor Rodolfo Pinto da Luz também entende as fundações como imprescindíveis. “Essa relação sempre foi necessária dada a falta de autonomia para a universidade realizar essa parceria com a sociedade. Talvez o Marco Regulatório de Ciência e Tecnologia, recentemente regulamentado, facilite essa relação. Mas esse mesmo marco reconhece a necessidade das fundações atuarem nessa intermediação entre universidade e sociedade, inclusive na gestão de parques tecnológicos”, justifica.

Objeto de contrato com Fapeu, obra no HU está parada
Entre as consequências mais nefastas para a sociedade está a não realização de serviços contratados. Um exemplo é a construção da ala de queimados do HU (Hospital Universitário). A obra, não concluída, foi objeto de um termo de cooperação firmado entre o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura) e a UFSC em 2010, para fazer um sistema integrado para atendimento do programa de transportes de produtos perigosos no trecho Sul da BR-101.
O DNIT reou R$ 4 milhões para a pesquisa, feita pela Fapeu, e R$ 2,4 milhões para a construção da ala de queimados do HU. A obra, que deveria ter sido entregue em 2011, está parcialmente erguida e apresenta rachaduras e infiltrações. Em vez do atendimento a vítimas, o espaço é usado para depósito de materiais de construção.
De acordo com o relatório da CGU, em 2014, foram constatadas irregularidades na gestão do contrato, incluindo pagamento de agens aéreas e hospedagem a pessoas sem vínculo contratual com o projeto, assim como a locação de veículos sem explicação plausível. Nesse mesmo contrato, foram verificados pagamentos de aluguéis de imóveis em valores não justificados.
A conclusão da obra deve ficar a cargo do hospital. A superintendente do HU, Maria de Lourdes Rovaris, explica que existe uma pendência no Corpo de Bombeiros quanto ao projeto de prevenção e combate a incêndios, que contempla saídas de emergência daquela unidade, não previstas anteriormente. Para isso, é preciso construir uma torre, que deve custar em torno de R$ 2 milhões aos cofres do hospital. “O projeto arquitetônico é da década de 1960. Foi construído em forma de blocos [horizontal], e não vertical. É uma construção antiga e estamos com dificuldade de atender às exigências dos bombeiros”, diz.
Ala de queimados faz falta para Florianópolis
Não é de hoje que obras no HU se arrastam por anos. A construção do hospital começou em 1966, mas foi concluída somente em 1980. O tratamento de vítimas de queimaduras faz falta para Florianópolis. Santa Catarina tem três unidades públicas de referência no atendimento a queimados, uma para adultos – Hospital Tereza Ramos, em Lages -, e duas para crianças e adolescentes – Hospital Jesser Amarante Faria, em ville, e Hospital Infantil Joana de Gusmão, em Florianópolis.