Florianópolis tremeu. E não foi por nenhuma final de campeonato ou qualquer tipo de intervenção divina, apesar do calendário indicar sexta-feira 13. No relógio, às 9h28min46s portas de armários se abriram e o tilintar das cristaleiras quebrou a rotina da cidade antes do temporal: “Eu acabei de sentir minha casa toda tremer, eu achei que fosse um terremoto, mas isso n é possível, eu to ficando maluca, o que tá acontecendo? (Sic)” tuitou Isadora Sanchez. Imediatamente, o telefone da central do Corpo de Bombeiros tocou quase 40 vezes, todos os chamados relataram um tremor de terra, a maioria no Norte da Ilha.

O abalo sísmico com intensidade de 3,6 na escala Richter foi registrado pelo Centro de Sismologia da USP (Universidade de São Paulo). O epicentro do tremor estaria a cerca de 75 quilômetros do litoral de Florianópolis, no oceano. O tremor foi sentido em pelo menos 13 regiões da Grande Florianópolis e até em Blumenau, a 140 quilômetros da capital, onde pessoas relataram terem sentido a terra tremer. O abalo foi considerado leve para os padrões internacionais e comuns para o Brasil, que está no centro da placa tectônica sul-americana. Não foram registrados danos ou vítimas.
Apesar do susto, o ineditismo do episódio ficou mais por conta do que as pessoas sentiram do que apontam análises sismológicas. Segundo relatórios da RSBR (Rede Sismográfica Brasileira), desde 1989, pelo menos 10 abalos sísmicos tiveram Santa Catarina como epicentro. Todos eles com intensidade entre 3 pontos e 3,9 pontos na escala Richter. E o mais impressionante é que diversos desses tremores anteriores tiveram seus epicentros em terra firme, mas que por algum motivo não repercutiram como o desta sexta-feira.

Em novembro de 2012, os registros da RSBR mostram por exemplo um tremor de 3,7 graus em Sangão, no sul do Estado. Já o maior abalo sísmico em território catarinense nos registros ocorreu em 24 de abril de 1992, a cerca de 300 quilômetros da costa.
Segundo o geólogo e chefe do departamento de Geociência da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Norberto Olmiro Horn Filho, os tremores sentidos em Florianópolis na manhã desta sexta-feira foram provocados por um maremoto, ou seja, tremor com origem no mar. “O fenômeno aconteceu na plataforma Florianópolis, que divide duas bacias: a de Santos, para o Norte, e Pelotas, da região Sul do país”, explicou.
No dia 2 de abril deste ano, moradores catarinenses já tinham sentido efeitos de um terremoto de 6,8 graus que teve epicentro na Bolívia. Na ocasião, moradores de São José, Palhoça e Itajaí sentiram os reflexos do tremor. Em dezembro do ano ado, um terremoto de 4,3 pontos foi registrado na fronteira entre Peru e Brasil. Todo ano, em todo o mundo, são registrados 49 mil abalos sísmicos semelhantes ao que ocorreu em Florianópolis.
O engenheiro civil Ronaldo Parisenti, especialista em calculo estrutural, diz que os tremores com magnitude semelhantes ao registrado nessa sexta são mais comuns do que se imagina: “O que aconteceu foi algo normal, que acontece bastante em todo o mundo, inclusive, em Santa Catarina. A sensação é equivalente a um caminhão ando, mas isso não quer dizer que precisamos ter maiores preocupações”, disse.
O alarde em torno do episódio desta sexta-feira pode ter várias explicações. Uma delas é de que o abalo foi sentido de forma mais forte na área urbana e com o advento da internet a boa nova se espalhou mais rápido que em outros tempos. “Muitos desses abalos ocorrem em regiões talvez não tão populosas e as pessoas nem ficam sabendo”, disse Parisenti.
Brasil não está livre de abalos 4c2h1t
Na escola sempre ouvimos que o Brasil está livre dos terremotos como os que vemos na televisão. Esse entendimento ocorre porque o Brasil está sobre uma placa tectônica e não entre duas placas. Para ser mais preciso, estamos sobre a gigantesca placa sul-americana, e como os tremores ocorrem quando duas placas se chocam ou se separam, acabamos não sendo muito afetados por esses eventos, como acontece no Japão, onde há um encontro de três placas, ou nos países andinos, por exemplo.
Mas o fato é que não estamos livres de abalos sísmicos. Isso porque, além das bordas, essas placas também possuem falhas geológicas. A placa na qual o Brasil está localizado possui 48 falhas geológicas, que nada mais são do que pontos de ruptura entre blocos rochosos que compõem o relevo. E mesmo que os abalos sejam de menor grau, eles não deixam de ser intensos.

A primeira morte causada por terremoto no Brasil foi registrada em 2007, quando um tremor de 4,9 graus foi registrado em Caraíbas (MG). Mas além dos tremores que ocorrem por conta das falhas geológicas no interior da placa tectônica, o Brasil ainda é atingindo pelos tremores que têm como epicentro países vizinhos. Em 1994, por exemplo, a cidade de Porto Alegre registrou efeitos de um tremor de terra que ocorreu na Bolívia, a mais de dois mil quilômetros.
O maior terremoto no país foi registrado em 1955, no Mato Grosso, mais precisamente na Serra do Trombador. Naquele ano, foi detectado um terremoto de 6,6 graus na escala Richter. Por se tratar de uma região pouco habitada não foram registradas vítimas ou estragos. No mesmo ano, a terra também tremeu em Vitória, no Espírito Santo, com um abalo sísmico de 6,3 graus. Apesar de ser considerado forte para os padrões brasileiros, as casas apenas balançaram, sem maiores estragos.
Já em 1980, pelo menos quatro mil casas foram atingidas pelos tremores de terra em João Câmara, município do Rio Grande do Norte. O terremoto de 5,1 graus na escala Richter foi o mais grave de uma série de tremores registrados na região naquele ano.
O mais recente dos tremores de impacto no país ocorreu em 2008, quando foi registrado terremoto de 5,2 graus na escala Richter e que atingiu diversas regiões de São Paulo. Os efeitos do tremor foram sentidos também nos estados do Rio de Janeiro, Paraná, Minas Gerais e Santa Catarina.
Normas brasileiras para construção am abalos 39y
O adensamento dos centros urbanos, com prédios cada vez mais altos, sempre são os principais focos de atenção quando são registrados tremores de terra. Mas segundo o engenheiro civil Ronaldo Parisenti, as normas brasileiras de edificação são capazes de mitigar tranquilamente os efeitos desses abalos considerados de nível leve.
“Não precisamos tomar precauções adicionais para abalos dessa ordem, além das normas já utilizadas para a construção civil. Tem algumas regiões do Brasil, como no nordeste e noroeste, em que existem alguns cuidados a mais, mas na nossa região, no sudeste, não se justifica um investimento de grande porte como ocorre no Japão, por exemplo”, explica Parisenti.
O engenheiro ainda explica que, em alguns casos, a intensidade dos abalos não precisa ser muito forte para provocar destruição, e cita o terremoto de 2010 que devastou o Haiti. Naquela ocasião, o tremor atingiu 7,0 na escala Richter, mas foi a falta de estrutura e padronização que fez as construções ruírem. No Haiti, o terremoto deixou mais de 200 mil mortos e 1,5 milhão de desabrigados.
Parisenti cita as regiões do centro-oeste e nordeste como as mais críticas no país. Mas que mesmo assim não chegam a representar grandes riscos a ponto de derrubarem construções. “A escala Richter pontua de zero a nove, a magnitude de 3,6 é a sensação de um caminhão ando. Quando se a de 5 graus começamos a ter outros impactos mais relevantes. Acima de 6 graus, é preciso de mais cuidados e há riscos de derrubar construções”, informou.
Tremores não podem ser previstos 1p6k4i
Juraci Carvalho, sismólogo do Observatório de Sismológico da Universidade de Brasília, disse que o abalo desta sexta foi um dos maiores tremores já registrados na imediações de Florianópolis. Ele lembra ainda que o maior tremor de terra no Estado foi registrado em 1939, em Tubarão, quando um terremoto de magnitude de 5,5 foi registrado e sentido inclusive em Florianópolis. Questionado se o tremor não poderia ser um indicativo de outros abalos, o cientista disse que “na ciência do terremoto não há como prever novos eventos”.
A classificação de tremores da Escala Richter 636c24
A escala Richter é a medida universal para dimensionar a intensidade de um tremor, seja na terra (terremoto) ou no oceano (maremoto). A medida foi desenvolvida em 1935 pelo pesquisador norte-americano Charles F. Richter e pelo alemão Beno Gutenberg. De acordo com a quantidade de energia liberada por um tremor, há um número correspondente na escala. Sismos com mais de 4,5 graus, por exemplo, já costumam provocar estragos. Não há um limite matemático para os tremores, mas o terremoto mais intenso da história alcançou 9,5 pontos e foi registrado no Chile, em 1960.
Ao contrário do que muitos pensam, a progressão da escala Richter não se dá de forma linear e, portanto, um tremor de 3,6 como o registrado em Florianópolis, não é o dobro de um tremor de 1,8 graus. A escala funciona de forma logarítmica, ou seja, é multiplicada por dez. Assim, quando acontece um terremoto de magnitude 6, seus efeitos são dez vezes maiores do que um de 5, e assim por diante.