Laços familiares cortados há duas décadas e da forma mais brutal possível. Bebês protagonizaram uma triste história de tráfego internacional. Agora jovens, as vítimas desta separação buscam resgatar o que lhes foi tirado: o direito de conhecer os pais biológicos. Na década de 1980, o Sul do país ficou manchado pelo escândalo de quadrilhas que levavam crianças daqui para serem facilmente vendidas em países da Europa e Oriente Médio. Em Israel, um grupo de jovens pede ajuda ao governo brasileiro para reencontrar seus pais.
Eles eram escolhidos por terem pele clara e, se tivessem olhos azuis ou verdes, o preço subia. Quadrilhas lideradas por Arlete Hilu, em Curitiba, e Carlos César Pereira, em Camboriú, foram responsáveis pela venda de mais de 650 bebês, segundo estimativa da Polícia Federal na época. Ainda de acordo com a PF, em todo o país, foram roubadas 3000 crianças por ano, naquela época, sendo Curitiba o ponto central do esquema.
Hoje, após 25 anos, um grupo de jovens, em Israel, une-se para resgatar o ado que lhes foi roubado. “Eu soube que fui adotado quando tinha seis anos. Eu estava no quarto dos meus pais adotivos quando minha mãe, sentada na cama, brincou com o meu cabelo, e, de repente, me disse: ‘sabe que você tem duas mães’,
Eu sorri e nada mais. Não entendi o que ela queria me dizer”, conta Lior Vilk, 26, que mora em Israel, uma das vítimas da quadrilha do tráfego, em entrevista ao ND.
Lior Vilk sonha em reencontrar os pais biológicos
Com um português claudicante, que aprendeu por conta própria, Lior Vilk diz que sonha em reencontrar os pais biológicos.
“Para adotar aqui (Israel) é preciso esperar até sete anos. Meus pais conheceram uma pessoa chamada Arlete Hilu no Brasil”, relata.
De acordo com os pais de Vilk, eles viram Arlete Hilu pela primeira vez em um hotel em Tel-Aviv, Israel. “Cheguei ao aeroporto de Israel com mais duas crianças, alguns dias após ter nascido. No aeroporto esperavam meus pais adotivos, junto com outros, Arlete e o advogado Henrique Bazura. Assim fui levado para minha nova casa”, repete Lior Vilk a história que lhe foi contada pelos pais adotivos.
Documentos falsos dificultam reencontro
Com nomes e documentos falsificados, restava aos jovens israelenses acreditar na esperança para reencontrar seus pais adotivos. Foi deixando mensagens com a sua história pela internet que Lior Vilk conseguiu ajuda. Sandra Andreassa e Amanda Boldeke, responsáveis pelos sites: www.filhosadotivosdobrasil.com.br e www.desaparecidosdobrasil.org, comoveram-se com o caso do jovem Lior Vilk e resolveram ajudar.
Assim como Vilk, apareceram outros jovens querendo achar seus pais. “De efetivo não conseguimos nada. Pesquisamos a documentação e concluímos que eram todos falsos”, lamenta Amanda. “Um deles chegou a vir ao Brasil, pensando ter encontrado sua mãe, mas o resultado de DNA deu negativo”, lembra.
Conforme o levantamento feito, as documentações das crianças foram misturadas e as certidões todas falsificadas. Uma única mulher se apresentava como mãe de várias outras crianças. “A esperança é encontar estas mães, pela divulgação das fotos. Quem teve um filho desaparecido entre os anos de 1985 a 1992 pode nos procurar”, frisa Amanda.
Escândalo mudou a legislação
O escândalo do tráfego de bebês no Sul foi um divisor de águas na legislação sobre adoção. Até a década de 1990, a legislação dava margens para que nossas crianças fossem levadas para o exterior. Israel, um país onde muitos casais queriam adotar crianças e não conseguiam, foi um dos principais alvos do tráfego internacional. Estima-se que para lá foram levadas mais de 2000 crianças de forma irregular.
Segundo a apuração da revista “Veja”, edição de 29 de junho de 1988, Arlete Hilu era curadora do Juizado de Menores, em Curitiba, e, com uma quadrilha de 24 pessoas, entre as quais enfermeiros, médicos e advogados, conseguia falsificar documentos das crianças que foram levadas para o exterior.
A coordenadora do Ceja (Comissão Estadual Judiciária de Adoção) no Paraná, Jane Pereira Prestes, viveu intensamente esse período. Ela atuou em um trabalho conjunto com a equipe coordenada pelo desembargador Moacir Guimarães contra o tráfego de crianças. “Tivemos que fazer um trabalho de reconstrução. Junto com a PF, começamos a atuar nos hospitais”.
Jane lembra que o momento mais difícil, quando flagrado o tráfico, era retirar as crianças dos futuros pais adotivos. “Os casais, muitas vezes, eram vítimas. Uma vez fomos a um hotel e o casal estava com dois irmãos gêmeos. Parecia que estávamos tirando a alma deles”, conta Jane. “Muitos pais biológicos nunca foram localizados”, lembra.
O delegado Ildo Rosa foi um dos agentes da Polícia Federal que trabalharam para flagrar as quadrilhas que agiam interligadas na região Sul. “Crianças de Camboriú, Itajaí, ville e interior eram sequestradas, e a quadrilha mandava para Curitiba, onde o dono de uma clínica médica, irmão de um delegado paranaense, fazia a receptação”, lembra o delegado Ildo Rosa.