O MASC (Museu de Arte de Santa Catarina), em Florianópolis, recebe a partir da próxima quinta-feira (29) a maior exposição sobre o artista Ernesto Meyer Filho desde os anos 2000. Será também do jeito que o artista queria: “Arquivos Implacáveis de Meyer Filho” foi fruto de pesquisa direta no acervo do pintor, onde foram encontradas as “pistas” deixadas por ele.

Para respeitar as vontades do pintor nascido em Itajaí e que ou a vida em Florianópolis, as curadoras Kamilla Nunes, Gabi Bresola e Aline Natureza imergiram no arquivo deixado pelo pintor, hoje guardado no Instituto Meyer Filho, sediado no loteamento Parque São Jorge, em Florianópolis. O que encontraram não foi apenas a sua trajetória, mas o trabalho de um arquivista.
“Ele deixou muita coisa mapeada. Quando as curadoras mergulharam no acervo, viram que a proposta já estava lá. Ele sempre pensou na memória e como a obra deveria ser vista no futuro”, conta Sandra Meyer, filha do pintor, pesquisadora e coordenadora do Instituto. Em papéis, Meyer Filho sinaliza quais são os primeiros desenhos, os movimento em que se inscreviam, as exposições iniciais. Ele escreveu a própria história.
O resultado é uma exposição que reúne mais de 500 itens (escolhidos entre cerca de cinco mil) entre cartas, correspondências, escritos, recortes de jornal, pinturas, desenhos e outros. Tudo isso ocupará 80% de todo o espaço do MASC até janeiro de 2023. “O que estará no museu é uma obra em si. Para ele, tudo aquilo é a construção de uma obra poética”, considera Sandra.

O tom biográfico decorre tanto do centenário de Meyer Filho, completado em 2019, mas adiado por conta da pandemia. Também porque a proposta fundante é um livro, que será lançado nos próximos meses. “Começou como um projeto editorial que virou curatorial”, explica Kamilla Nunes, curadora geral.
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Segundo Sandra, Meyer Filho se percebe artista a partir de 1946, ao ver uma exposição em Curitiba. “É quando ele vê que tinha talento para tal”, afirma. Funcionário do Banco do Brasil, ele ou a construir a trajetória artística conciliando com a vida de bancário. Nos anos 50 a a participar dos movimentos que vieram a compor a arte moderna de Florianópolis.
No entanto, Meyer Filho sempre dispensou rótulos. “Tem um manuscrito que orientou o processo curatorial: ele escreve que não era surrealista, primitivo, fantástico, underground. Ele era tudo ao mesmo tempo”, conta Nunes.
Para dar conta dessas multifaces construídas durante cinco décadas de trabalho, e que vão além dos galos que o consagraram, a exposição foi dividida em “ilhas”. Os títulos foram criados pelo próprio Meyer Filho: “Arquivos Implacáveis”, “Estalo de Vieira”, “É VERDADE, É TUDO VERDADE!!!!”, “Hora de Um Certo Cafezinho”, “Plantando da, pessoal…”, são algumas.

Ao selecionar uma parte favorita do trabalho do pai, Sandra escolhe os desenhos feitos com tinta nanquim sobre o papel, ainda no início da carreira. “Acho que tem aí um momento de descoberta, onde ele se vê como artista e começa a ser reconhecido. É um desenhista que pintava”, conta.
Já Kamilla é apaixonada pela produção dos anos 60, povoada por desenhos diabólicos e soturnos. “O Meyer estava criando um mundo, criando possibilidades de existir e coexistir. Era um artista inconformado”, considera.
“Ele entendia que toda a obra era política. Se dizia um socialista a sua maneira. As críticas que fez em charges publicadas 54 (apresentadas na exposição) parece que foram feitas ontem. Tem trabalhos que seguem reverberando”, conta Nunes.
A proposta, segundo as organizadoras, é que o público encontre sua própria forma de navegar pela obra. Para Kamilla, “toda ilha tem ponto de partida, mas não um ponto de chegada: as pessoas devem criar suas próprias elocubrações e teorias”.