As lembranças de um período negro do país e de Santa Catarina estarão afloradas nesta sexta-feira em Florianópolis. Representantes do Ministério da Justiça avaliam abusos cometidos no Estado após o Golpe Militar de 1964. Ao todo, 32 casos de prisões, torturas e perseguições políticas serão analisados por 12 conselheiros da Comissão da Verdade. Os processos deferidos garantem o pedido de perdão do Estado. Na prática, é o primeiro o para as vítimas conquistarem uma reparação financeira.
O jornalista Jurandir Pires de Camargo, 60 anos, não apaga da memória os anos de chumbo. Natural do Paraná, foi para a Bahia em 1975 para fugir da pressão dos militares. Lá foi preso ao tentar retirar da cadeia um amigo, que se recusou a desviar da calçada de um quartel. Foi salvo pelo chefe de redação do jornal “Tribuna da Bahia”, o renomado escritor João Ubaldo Ribeiro, mas foi demitido. Junto com colegas fundou um jornal alternativo para combater o regime. Na terceira edição, a sede do veículo foi invadida por militares que colocaram ácido nas máquinas de escrever e danificaram as fotos. Quem estava no local foi detido.
Camargo escapou após permanecer 40 dias escondidos em um apartamento. Nesse período, a alimentação tinha como base lentilhas cozidas em um pequeno fogareiro. Voltou para o Paraná e depois migrou para Florianópolis. Aqui, trabalhou no extinto jornal “O Estado”, onde conheceu Sérgio Antonio Flores Rubim, 59 anos, o Canga. A partir daí os dois estavam entrelaçados.
Em 1979, foram demitidos após a cobertura da “Novembrada”, manifestação contra o presidente João Baptista Figueiredo, durante visita a Florianópolis. “Era repórter especial do jornal. Normalmente ficaria encarregado de cobrir a visita no palácio, mas como a relação não estava boa, me mandaram para a Praça XV. Era um repórter predestinado. Quando a confusão começou, era eu quem estava lá. No final da noite fui até a redação ver o material. Só que tinham cortado quase tudo”, lembra.
Publicação contra a ditadura militar
A história completa da visita conturbada de João Figueiredo a Florianópolis só pôde ser publicada no primeiro aniversário do episódio. Depois da demissão no jornal “O Estado”, Canga e Jurandir participaram da fundação do veículo “Afinal”, criado para combater a ditadura. A publicação circulou durante um ano e rendeu a dupla o enquadramento na LSN (Lei de Segurança Nacional) e uma fuga de três anos para o Uruguai.
Canga contou que o caso foi julgado no Tribunal Militar, em Curitiba. Como o resultado não foi divulgado na hora, optaram pelo refugio no Uruguai. “Tinha jornalistas do Rio de Janeiro e São Paulo já tinham ido para a prisão. Nós também iríamos”, lembrou. A fuga manteve Canga e Jurandir longe das prisões brasileiras, mas eles foram detidos na Argentina, Uruguai e Paraguai. “Eles mantinham arquivos nossos. Quando fomos presos no Uruguai, o delgado me chamou pelo nome”, recordou.
“Não há valor que repare as perdas”, diz presidente da Abap
Alexandrina Cristensen preside a Abap (Associação Brasileira dos Anistiados Políticos). A entidade foi criada em 1995 para defender o direito dos anistiados. Segundo ela, a Caravana julga apenas casos de perdas materiais. São profissionais que tiveram a carreira interrompida, devido a ações dos militares. Embora lute para que o Estado peça perdão para mais de mil associado, Alexandrina diz que não há dinheiro que apague os danos causados pela ditadura. “Elas perderam a cidadania, o direito de trabalhar. Há casos de quem nunca mais conseguiu estabilidade na carreira”, destacou.
Os julgamentos da Caravana da Anistia são abertos ao público. Serão duas sessões no Cesusc (Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina), na SC-401, Km 10.O presidente do Cesusc, Prudente José da Silveira Mello, participa da avaliação dos casos como conselheiro. Segundo ele, é importante a participação dos jovens para conhecer o que ocorreu na época. “Queremos impedir que aqueles fatos se repitam e a democracia no país não seja atacada como foi em 1964”, ressaltou Mello.
Processos que serão julgados
Arnaldo Camargo de Freitas, funcionário Itaipu diz que foi demitido por motivação política
Carlos Alberto Berger, teve o pai preso e torturado durante 30 dias por ter participado de manifestação estudantil
Maria Damásio Zeferino Domingos, presa e torturada em decorrência da Operação Barriga Verde
José Roberto de Lima, militante da Ação Libertadora Nacional preso no DOPS de São Paulo em 1974
Antônio João Manfio, militante do movimento estudantil preso no Congresso da UNE em Ibiúna/SP em 1968
Ironaldo Pereira de Deus, estudante preso em 17 de abril de 1964. Foi condenado a um ano de reclusão.
Manoel de Oliveira Martins, denunciado em processo sob acusação de pertencer ao Grupo dos 11. Absolvido em 1967.
Amilton Alexandre, estudante preso em 1979 por participar da manifestação conhecida como Novembrada
Ilda Dorini – Viúva de anistiando, pleiteia reparação
José Wilson da Silva Junior, sofreu com o exílio do pai, morou fora do Brasil e ou por constantes mudanças ainda criança.
Carlos José Gevaerd, viúva solicita reparação em nome do esposo, ex – funcionário do BB e professor da UFSC
Italo Jesiel Pereira da Silva, excluído da Polícia Rodoviária Federal por motivos políticos
Luiz Ernesto Reis Quaresma, ex-bancário respondeu inquérito policial e processo judicial, sendo absolvido
Zelma Medeiros – excluída da Polícia Rodoviária Federal por motivos políticos
Manoel Pedro Rosa, sofreu perseguição e foi afastado das suas atividades sindicais
Brigitte Buchli de Sousa, assessor Legislativo da Câmara de Vereadores de ville, preso na “Operação Barriga Verde”
Maria Lúcia dos os Assis, militante do MCR (Movimento Comunista Revolucionário), presa em dezembro de 1971
Carlos Correa David, militar das fileiras da Marinha do Brasil, foi desligado pelo Ato nº 424/1964
Tarcísio Eberhardt, militante político e sindical, membro da liga operária, preso por sua militância
Ludmila dos Santos Demaria, teve seus direitos políticos suspensos pelo Ato Institucional nº1
João José Costa, preso no DOPS por ter praticado atividades consideradas subversivas.
Osni Rocha, foi preso em 1975 por conta da operação “Barriga Verde” e respondeu a processo que visava apurar atividades subversivas e comunistas em Santa Catarina
Divo Fernandes D’oliveira, pertencia à Marinha Mercante e era membro do PCB. Foi preso no Rio de Janeiro em abril de 1964. Ao tentar visitá-lo no presídio em 1965, a esposa descobriu seu desaparecimento.
Jaime Aleixo Da Silva, sucessoras alegam que o anistiando foi preso e acusado de pertencer ao Grupo dos Onze.
Sirley Baptista, indiciado em inquérito policial militar em 1970 por colaborar com o funcionamento do PCB.
Helbert Georg, foi preso em seu escritório de Advocacia e condenado a dez anos de prisão
Paulo Marcomini, viveu 15 anos na clandestinidade.
Ricardo Przemyslaw, teve o nome citado na Operação Bom-Bril por ocasião dos interrogatórios dos presos políticos membros do MR-8 e foi denunciado por atividades subversivas.
Jurandir Pires de Camargo, despedido do jornal “O Estado” após a cobertura da Novembrada. Viveu três anos no Uruguai
Sérgio Antonio Flores Rubim, despedido do jornal “O Estado” após a cobertura da Novembrada. Viveu três anos no Uruguai
L. O, perseguida e violentada por cidadãos que aproveitaram a prisão do seu pai, quando tinha apenas 16 anos