Como projeto que busca impedir delação de réu preso pode afetar Operação Mensageiro 2c5s3w

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Especialistas divergem sobre efeitos de uma possível mudança na lei que rege acordos de delação premiada no Brasil e sobre como a alteração pode impactar investigações em curso

Assim como ocorreu com o projeto de lei que equipara o aborto ao crime de homicídio, a Câmara dos Deputados aprovou, no dia 12 de junho, a tramitação em regime de urgência de uma proposta que pode impedir que réus presos firmem acordos de delação premiada. O PL 4.372/2016, que divide opiniões, acende uma discussão que está no cerne da questão: quais as chances das delações firmadas anteriormente serem anuladas?

Delação premiada deu origem à Operação Mensageiro Operação Mensageiro descobriu esquema de corrupção em diferentes cidades de SC – Foto: 105 FM/Reprodução/ND

Em Santa Catarina, a investigação que descobriu um dos maiores esquemas de corrupção da história do Estado nasce, justamente, de um acordo de colaboração firmado em outra operação. Estaria, então, a própria Operação Mensageiro ameaçada?

Para o advogado criminalista Matheus Felipe de Castro, esta possibilidade não está no radar. O doutor em Direto e professor de direito processual penal na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) explica que este tipo de lei não tem efeito retroativo.

“Os acordos de colaboração premiada são medidas processuais com o fim de produzir meios de prova. As leis processuais penais não possuem efeitos retroativos, de modo que não há risco desta lei, aprovada, retroagir e colocar em cheque colaborações já realizadas anteriormente”, defende.

O professor não vê uma possibilidade imediata de anulação dos acordos já firmados, e afirma que a proposta apresentada pelo PL 4.372/2016 é bem-vinda. Segundo ele, o fechamento de acordos de delação premiada com réus presos sempre foi alvo de críticas de especialistas.

“Nessa situação, eles [réus] são evidentemente coagidos pelas circunstâncias a firmar o acordo, sendo bastante questionável a voluntariedade da adesão em situação de evidente pressão física e psicológica”, explica Castro, que vê um uso exacerbado das prisões preventivas para “forçar” acordos de delação.

Jurista aponta riscos à limitação da delação de réus presos 2l663d

O entendimento da integrante da executiva nacional da ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia), Tânia Maria de Oliveira, sobre o uso da prisão como meio de obtenção de acordos de delação vai em linha com a visão defendida por Matheus de Castro.

“A delação ou a ser usada a partir de 2014 pela Operação Lava Jato de forma completamente abusiva e ilegal. Havia a regra da na Lava Jato de prender para delatar”, afirmou a jurista à Agência Brasil.

Tânia ressaltou, porém, que brechas que permitiam os abusos aos quais ela se refere foram sanadas com a Lei 13.964, aprovada em 2019. “Hoje, para fazer delação, a pessoa tem que ter participado [do crime delatado], está lá na Lei 13.964″, disse.

“Outro ponto é que todas as etapas da delação premiada são obrigatoriamente gravadas e a pessoa que delata fica com a cópia da delação”, argumentou a especialista.

Ainda de acordo com Tânia, a aprovação do projeto apresentado pelo ex-deputado Wadih Damous (PT) pode servir a outros interesses para além dos efeitos jurídicos.

“A gente tem muitas investigações em curso, muitas pessoas sendo ainda procuradas, que estão foragidas. Então, talvez eles estejam de olho nisso, de impedir novas delações de pessoas presas”, disse a jurista à Agência Brasil.

Especialista aponta reação política a investigações sobre corrupção 4i5q3i

Para o professor de ciência política da UFSC, Luciano Da Ros, a articulação para tramitar o PL 4.372/2016 em regime de urgência nasce, em parte, de um movimento de reação política à Operação Lava Jato, movimento este que não é novo.

“Foi levado adiante [o movimento] pelo menos desde o governo Temer, com continuidade durante o governo Bolsonaro e, aparentemente, alguma continuidade durante o governo Lula”, afirma Da Ros.

A reação da classe política à Lava Jato durante governos de diferentes espectros indica que, da esquerda à direita, a limitação dos acordos de colaboração premiada recebe amplo apoio na Câmara dos Deputados, independentemente de questões ideológicas.

“Essa medida encontra guarida, também, neste sentimento difuso – que é quase consensual dentro da elite política – de tentar reverter poderes nas mãos de procuradores, que deram vazão a coisas como a Operação Lava Jato”, ressalta o especialista.

Efeitos de possível mudança na lei de delação são incertos 6w5w48

Enquanto o criminalista Matheus Felipe de Castro acredita não haver possibilidade de retroação caso o PL 4.372/2016 seja aprovado, o professor Luciano Da Ros entende que tudo depende da redação final da lei que for sancionada, mas aponta um risco.

“De modo geral, sim, isso tende a beneficiar réus que foram objeto de investigação por conta de delações premiadas nas quais os investigados estavam presos, mas vai depender muito do teor específico da legislação”, detalha Da Ros.

O professor de ciência política acredita que, caso aprovada, a lei possua uma redação genérica, o que pode levar à judicialização e “a um alongamento da discussão para além do poder Legislativo […] com possibilidade, obviamente, de manifestação por parte do STF”, explica.

Ainda não há previsão para que o mérito do projeto seja votado no plenário da Câmara dos Deputados. Se a possibilidade de judicialização apontada por Da Ros se cumprir, apesar da urgência aprovada para a tramitação do projeto, o resultado final desta discussão pode estar mais distante do que seus entusiastas gostariam.