
O nome é estranho, PANCs. Mas não esquenta. É só uma sigla para ajudar a ciência a organizar a informação que se perdeu nos últimos 50 anos. PANCs nada mais são que alimentos frequentemente desperdiçados por falta de informação. Vamos te contar melhor essa história.
Há 30 mil espécies de plantas identificadas no mundo. De acordo com a FAO, o braço da ONU para Agricultura e Alimentação, 7 mil já foram usadas na história da humanidade como alimento. Atualmente cerca de 150 espécies de plantas são comercialmente cultivadas. Sendo que quatro – o arroz, o trigo, o milho e a batata -, correspondem a 60% da nossa dieta.
Essa mudança é milenar. Fez que nossos ancestrais, caçadores-coletores virassem sedentários ao domesticar as plantas e criar a agricultura há cerca de 9,5 mil anos a.C, no interior montanhoso no sudeste da Turquia, no oeste do Irã e no Levante. Porém, foi depois da Revolução Verde, iniciada nos anos 60, que a monocultura virou a estratégia capitalista dos países subdesenvolvidos. A consequência foi surtos de desnutrição x obesidade, aumento da desigualdade social, degradação dos ecossistemas e impactos irreversíveis no clima.
O estudo das PANCs e todo movimento cultural para trazê-las novamente para a mesa dos brasileiros, é uma contraposição. Pretende democratizar o o à comida e nos ensinar a enxergar alimentos ricos em nutrientes e saborosos onde só víamos ervas daninhas.

O termo PANCs (Plantas Alimentícias Não Convencionais) ou a ser difundido em 2008 e se tornou mais popular, em 2014, graças a um livro de 768 páginas resultado de dez anos de pesquisas de dois dos maiores estudiosos de plantas do Brasil, Valdely Kinupp e Harri Lorenzi. Na obra são apresentadas 351 PANCs. O “não convencionais” da sigla é porque não são produzidas ou comercializadas em grande escala, muitas vezes, por falta de conhecimento.
Depois desse livro, que obviamente, não é o único importante sobre o assunto, houve um aumento na curiosidade da população. O que é fácil de entender. Flores, sementes e matinhos antes vistos como ordinários, pragas, revelaram seu alto potencial nutritivo e gastronômico.
Alguns exemplos são a capuchinha, rica em vitamina C e carotenoides, a bertalha, que possui poderosos nutrientes como vitamina A, ferro, cálcio e fósforo; a folha de batata doce, rica em nutrientes e antioxidantes; o picão, ferro, zinco, cobre e potencial antioxidante; araruta, rica em vitamina B, fibras e potássio. Duas PANCs fáceis de achar em Floripa é a Beldroega, rica ômega 3 e a Buva, tempero ardido rico em ferro e minerais, tem bastante no Campeche.
Foi nessa época, há uns cinco anos, que o ambientalista Alésio dos os, conhecido em Santa Catarina como “o Bruxo das Plantas”, voltou seus olhos para os matinhos. Atualmente no seu jardim, na Lagoa da Conceição, há mais de 200 PANCs, além de 500 outras espécies medicinais.
“Não deveria existir fome no mundo”

Você possivelmente já conhece o Alésio e acha ele mesmo parecido com um bruxo pelo cultivo da longa barba branca, que foi visitada por um arinho. Ele é uma das figuradas queridas, e porque não dizer folclóricas, da Ilha.
O pai de Alésio, seu Zizinho, tinha roça na Ponta das Almas – lugar que dificilmente que não mora ou morou da Lagoa da Conceição conhece. Plantava feijão, batata, aipim e mandioca de dia e à noite pegava a canoa de guarapuvu esculpida à mão e sai para pescar.
O filho costumava andar sempre por perto. Curioso, ia perguntando sobre as ervas descobertas no meio do caminho, como a Baleeira. Quando tiver a chance, esfregue com os dedos. O cheiro vai te lembrar o Caldo Knorr – só que é bem melhor, não tem glutamato!
O pequeno Alésio quando não aprendia com o pai, gostava de conversar com as benzedeiras do bairro. A curiosidade fez dele uma referência no assunto. Biblioteca viva.
Há 40 anos, ele ensina sobre plantas e ervas bioativas. É cientista Social, especializado em Educação Ambiental, com foco em pesquisas etno-botânicas e fitoterápicas. Ajudou a montar farmácias vivas em hospitais, escolas, postos de saúde e parques de 240 municípios catarinenses. Seu conhecimento, costuma dizer, é “fruto do casamento entre sabedoria popular e ciência”.
O que sabe não guarda para si. A cada dia, Alésio escreve sobre uma planta medicinal nas suas páginas sociais, Facebook e Instagram, e alimenta ao lado da farmacêutica e bioquímica Viviane Corazza o blog Farmácia da Natureza.
Ele compartilha seu conhecimento, mas não faz nenhuma prescrição. Recomenda a procura de médicos e nutricionistas que entendam do assunto. Um dos documentos que esses profissionais devem ter é o “Memento Fitoterápico da Farmacopeia Brasileira”, do SUS.
Outra questão enfatizada por Alésio é o lugar de colheita das PANCs, deve ser área de preservação, para que não haja contágio por agrotóxicos ou descargas de automóveis.
Orientado por especialistas e bem orientado, você pode começar a incluir PANCs na dieta.
Para Alésio “não deveria existir fome no mundo” com tanto alimento à disposição.
Do anonimato para a gastronomia

Os matinhos antes renegados entraram nos últimos cinco anos na alta gastronomia. Chefs como Helena Rizzo e Alex Atala incluíram em seus cardápios peixinho da horta, bilimbi, flor-de-ipê, tansagem e dente de leão, por exemplo.
Voltado à culinária de compaixão com o planeta e com o próximo, Fafá Flores utilizou recentemente duas PANCs em suas criações, a salicórnia, conhecida como sal do mangue, faz parte do Samburá, um prato autoral que traz uma interessante releitura sobre a identidade de Florianópolis, e é servido no Empório Capella. E a clitoria, que infusionada no gin deixa a bebida num belíssimo tom de azul, um dos drinks de sucesso do Delfino 146.
O projeto gastronômico de Fafá surgiu no ano ado, após retiros budistas e cursos de culinária, e foi batizada de Flor e Sal. Sua ligação com as PANCs vem desde a infância quando comia trevos e almeirão no sítio do avô, que faz parte da terceira geração de agricultores.
Quem também faz eventos interessantes de participar é Cleia Bregue Daniel dos Santos. Gastrônoma formada pela Univali, com formação em plantas nutracêuticas pela Epagri de Itajaí, ela traz em seus pratos o potencial das PANCs, além de trabalhar com o reaproveitamento total de alimentos orgânicos, que significa utilizar o que costuma ser jogado fora como a casca da banana e as folhas da cenoura.

Floripa tem cem hortas orgânicas públicas
Se engana quem pensa que as revoluções precisam ser grandiosas. Um novo hábito pode transformar uma pessoa e até uma cidade. De um jeito simples, mas poderoso, Florianópolis têm se tornado uma cidade mais sustentável. Há cem hortas urbanas em parques, escolas, postos de saúde e hospitais da cidade. Os benefícios são incontáveis. Permite uma reconexão das pessoas com a natureza, o que reduz o estresse e promove a convivência comunitária.
Orgânicas, as hortas urbanas melhoram a qualidade dos alimentos, do ar e reduzem até a poluição sonora, já que as plantas absorvem ruídos. Ainda permitem maior conforto térmico. Sem contar, que em muitas dessas hortas há uma infinidade de Pancs.
Para as pessoas interessadas em conhecer mais sobre os benefícios dessas plantas há oficinais sobre fitoterápicos como a Hora do Chá, que ocorre nas primeiras quintas-feiras de casa mês das 14h às 16h, no Parque do Córrego Grande, o Quinta das Plantas, todas as quintas-feiras, no mesmo horário, na base norte da Comcap, no Jardim Botânico, no primeiro sábado de cada mês. Também há mutirões sem periodicidade na Horta Luz e no HU (Hospital Universitário)
Dia 17 de setembro, Alésio e Cleia estarão na UFSC com oficina de degustação de 101 PANCs. As informações são com a Sala Verde.
Janine Alves, funcionária da Floram, costuma ministrar algumas oficinas da Hora do Chá. Cercada de muitas espécies, ela explica o nome e a propriedade das plantas como potencial alimentar e medicinal. Saberes ancestrais cada vez mais reivindicados para trazer conforto e qualidade de vida à população.