Em março, o médico Fernando Aranha foi morar sozinho, deixando a casa em que vive com a família. Na época, o diretor técnico do Hospital SOS Cárdio, em Florianópolis, ou a atuar na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) exclusiva para pacientes com a Covid-19. “Eu não sabia muito bem se tinha um grande risco de contaminar a minha família”, lembra Aranha.

O auto-isolamento durou um mês. Na volta para a casa, a rotina ou a incluir um ritual de higienização das roupas e de banho logo ao chegar. Contudo, nenhuma mudança no cotidiano foi tão impactante quanto a enfrentada no hospital. Intensivista há 30 anos, Aranha diz que a Covid-19 é diferente.“O paciente um dia está ótimo, sem precisar de oxigênio, e no outro dia está precisando ser entubado”.
Na linha de frente, os médicos precisaram lidar com uma realidade pesada. Além do cansaço físico decorrente de longas horas de trabalho, há também a ansiedade e outros problemas que podem levar ao esgotamento profissional.

Aranha relata ter sentido apenas sintomas físicos. “A carga de trabalho com esses doentes foi maior, não a minha somente, mas de toda a equipe”. O aumento de infectados fez com que o hospital onde trabalha precisasse abrir leitos extras, fazendo com que os médicos trabalhassem por mais horas.
No início da pandemia, o tempo de sono diminui para que fosse possível estudar o inimigo até então desconhecido. No hospital, o número de pacientes e de EPIs (Equipamento de Proteção Individual) só aumenta. Máscara, óculos, luva e avental.
“Está todo mundo meio meio cansado e como o movimento de Covid-19 está aumentando, claro que sempre preocupa. Mas, apesar do cansaço temos que seguir na luta até que isso tudo acabe, diz o médico.
Cansaço e desinformação d5g1
O cansaço extremo pode levar a quadros de esgotamento, como os causados pela Síndrome de Burnout e até mesmo afetar o rendimento dos médicos.
Doutor na área de Avaliação em Saúde pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e professor de Saúde Pública na mesma instituição, Douglas Francisco Kovaleski, alerta que a Covid-19 acaba sendo um potencializador para esse quadro.
“A Síndrome de Burnout […] é decorrente de uma tensão emocional crônica que é vinculada ao trabalho. Isso é caracterizado por uma exaustão emocional muito forte, uma despersonalização, a pessoa não se reconhece mais”, relata.
No contexto da pandemia, o Burnout, segundo Kovaleski, está relacionado a jornada extenuante de trabalho, mas também a problemas causados pela desinformação. Para o professor, muitas pessoas acabam acreditando em informações falsas em detrimento ao que é dito por profissionais da saúde.
“Quando de repente o seu familiar, o seu pai, sua mãe, seu filho, entra numa UTI e você não consegue mais vê-lo e isso se prolonga por dias, as reações são terríveis. A gente vê pessoas enlouquecendo e xingando os profissionais de uma maneira terrível”, comenta.
A desvalorização, em conjunto com o cansaço físico e mental, pode ter consequências na prática médica. De acordo com Kovaleski, os profissionais podem apresentar falta de atenção, alterações na memória e lentidão no pensamento.
Uma pesquisa de junho feita pela Associação Paulista de Medicina ouviu 1.984 profissionais de todo o país. Segundo os resultados, 69% dos pesquisados manifestaram ansiedade e 63,5% estresse. A exaustão emocional foi relatada por 49% dos médicos. Desse grupo, 76% atendem mais de 20 pacientes por dia e 60% atuam na linha de frente da Covid-19.
Valorização dos médicos 3x221s
Carlos Roberto Seara não abandonou os pacientes durante a pandemia. “Eu sou um médico que tenho diabetes e sou insulino dependente. Sou grupo de risco, mas não parei de trabalhar”. No consultório, em Blumenau, ou a atender com maior espaço entre as consultas e a não deixar pessoas do grupo de risco expostas em ambientes com outros doentes.
Tratou a Covid-19 em um sobrinho e em sua esposa e viu um amigo, também médico, morrer em decorrência da doença. Perguntando sobre a ansiedade causada durante a pandemia, lembra que sempre manteve os cuidados e que é algo que conseguiu controlar. “Não vou dizer que foi tranquilo, porque eu estaria mentindo. Sempre tem um grau de estresse, um grau de preocupação”.
Membro da diretoria do Simesc (Sindicato dos Médicos do Estado Santa Catarina), Seara defende a melhoria nas condições de trabalho no Brasil. “As autoridades, não só as públicas, mas as privadas também vão ter que melhorar muito e, nós como classe, vamos ter que lutar muito para que isso mude”, defende.
O professor Douglas Francisco Kovaleski enxerga como necessário que os médicos tenham tempo no horário de serviço para estudar e se capacitar. Ele também defende um melhor aproveitamento das tecnologias para facilitar o trabalho e diz que é necessário que os profissionais façam pausas. “É importante que o trabalhador tenha 20 minutos, meia hora para respirar no meio dessa correria”.