O catarinense Flávio Luís Pazeto, que atua como diplomata na capital chinesa Pequim há quatro anos, contou como foi a “aventura” de resgatar os 31 brasileiros que estavam em Wuhan, epicentro do coronavírus na China.

Para fazer a evacuação dos brasileiros, foi necessária a autorização do governo chinês. Por isso, o chefe do posto em Pequim, o embaixador Paulo Estivallet de Mesquita, iniciou as negociações com o governo central chinês, enquanto Pazeto tratava com o governo da província de Hubei, à qual Wuhan pertence. Do Brasil, o Itamaraty também mediou as conversas.
Foram três dias para obter uma resposta favorável e mais três para organizar a evacuação. “Nunca tinha participado de uma missão como essa, que, em geral, é feita pelo Consulado. Eu faço parte da área política, mas sempre tem uma primeira vez”, brinca Pazeto.
Brincadeiras à parte, a tensão marcou todo o trabalho até a chegada ao aeroporto, onde as aeronaves da FAB (Força Aérea Brasileira) aguardavam os cidadãos para a repatriação.
Neve e 16 horas de carro 4z6ie
Em entrevista ao ND+ por telefone, Pazeto disse que ele e outros dois colegas da Embaixada brasileira em Pequim enfrentaram 16 horas de carro para chegar a Wuhan. O tempo estimado para o trajeto de 1.250 quilômetros era de 13 horas, mas acabou se estendendo devido a uma nevasca que raramente cai no norte da China nessa época do ano.
“Tivemos pelo menos dois incidentes, um por perder momentaneamente o controle do carro devido à neve e depois colidimos o veículo da embaixada contra o guardrail”, relembra. Danificado, o veículo teve de ser abandonado em Wuhan e só será recuperado após o fim das medidas de isolamento na cidade.
“Não levamos motorista porque se ele fosse não poderia embarcar no voo para o Brasil e teria que ficar em quarentena em Wuhan”, explica. “Nosso maior receio era não chegar a tempo de fazer o resgate e pegar o voo de volta para o Brasil”.

Para se proteger contra o vírus, os diplomatas seguiram o protocolo da OMS (Organização Mundial de Saúde), cujas orientações são muito simples. “Ficar a pelo menos um metro de distância das outras pessoas, usar máscara e lavar as mãos sempre que possível”, conta Flávio.
Cidade-fantasma 3s4h1y
Chegando ao destino, o primeiro choque foi a cidade vazia. “Parece uma cidade-fantasma. Ninguém nas ruas, tudo fechado. Apenas alguns comércios abrem em horários pré-determinados pelo governo e as pessoas então podem sair de casa e ir comprar algum alimento. O que mais me impressionou foi como o governo local conseguiu fazer isso em uma cidade com 11 milhões de habitantes. É maior que o Rio de Janeiro”, aponta.

No entanto, para o diplomata, o vírus foi contido justamente por conta dessa medida drástica de isolamento. “Estamos nessa crise de coronavírus há mais de um mês. Se não fossem as medidas chinesas, o vírus teria se espalhado para fora do país muito antes”, avalia.
Para ele, algo semelhante no Brasil seria impensável. “Não funcionaria. Primeiro porque não temos os meios legais e, depois, por conta do perfil da sociedade. Aqui, em menos de dois dias alguém ia postar em algum lugar que conseguiu ir ao restaurante e os amigos iam fazer o mesmo. Se fosse necessário, o governo teria que pensar em outras medidas levando em conta o perfil do brasileiro”.
Veja o relato do diplomata antes do embarque para o Brasil:
O resgate 6n4914
A primeira coisa ao chegar a Wuhan foi se reunir com o governo local para organizar a operação. “Alugamos um ônibus e duas vans e fomos recolhendo as pessoas nas casas, como um transporte escolar, durante quatro horas. Já tínhamos mapeados os locais em Pequim antes de ir e levamos todos para o hotel onde estávamos hospedados em Wuhan. Pernoitamos dois dias, e os cinco poloneses que embarcaram conosco nos encontraram lá”.
De lá, o comboio seguiu para o aeroporto, parando apenas para conferir documentos. No terminal, foram feitas duas inspeções médicas. A primeira pelo governo chinês e a segunda antes de entrar na aeronave brasileira, pelos médicos que integravam a equipe de resgate.

O diplomata conta que das 50 pessoas que formam a comunidade brasileira em Wuhan, apenas 31 solicitaram o retorno ao Brasil. “Felizmente deu tudo certo e tivemos tempo para fazer o resgate e levar todos ao aeroporto. As pessoas estavam tensas por estarem confinadas há cerca de duas semanas, mas aliviadas com o resgate. Fizeram tudo com calma e sem desespero”, conta.
Ele só relaxou após as inspeções revelarem que ninguém estava com febre. “Se isso acontecesse, teríamos que levar a pessoa de volta à Wuhan”.
Da adrenalina ao tédio 3v4a17
Pazeto conta que depois de 36 horas de voo, chegar a Anápolis (GO) significou “ir da adrenalina ao tédio”. “Não tinha muito o que fazer, além de assistir TV, ler e ar pela rotina das inspeções e alimentação. Mas todo o trabalho da FAB foi brilhante”, elogia.
Há cinco dias de voltar para Pequim (deve retornar na quarta, 4), Pozeto explica que não precisará ar por nova quarentena ao chegar. “Temos um atestado certificando que amos por quarentena aqui no Brasil e estamos aptos a voltar ao trabalho. Meu único receio é como vou encontrar a cidade, pois quando saímos de lá já havia comércios fechados porque muitos chineses que viajaram ao interior da China no feriado do Ano Novo foram impedidos de retornar à capital”.
Aos 38 anos, Flávio Pozeto é formado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina e entrou para a carreira de diplomata em 2007. É natural de Caçador, no Meio Oeste catarinense, mas os pais moram em Florianópolis. No momento, se encontra em Brasília e pretende visitar a esposa no interior de São Paulo antes de retornar ao posto na Embaixada de Pequim.