Psicóloga recorda do trabalho com familiares da tragédia da Chapecoense 2g3528

Apesar do luto coletivo, quem perdeu um familiar precisou se readaptar a uma nova realidade de forma individual nos últimos anos 3i4nq

Há cinco anos, Deisy Parnof era uma das psicólogas que adentrava na Arena Condá para realizar ações de acolhimento junto às famílias dos jogadores, dirigentes, profissionais da imprensa e empresários que estavam no voo da Chapecoense, que caiu na Bolívia em 29 de novembro de 2016.

Dona Ilaíde é mãe do goleiro Danilo Padilha e foi uma das que mais emocionou na despedida em Chapecó— Foto: Carlos Júnior/Arquivo/ND Dona Ilaíde é mãe do goleiro Danilo Padilha e foi uma das que mais emocionou na despedida em Chapecó— Foto: Carlos Júnior/Arquivo/ND 

Psicóloga chapecoense e autora do livro digital “Educando filhos seguros: descubra como a sua infância reflete no comportamento dos seus filhos”, Deisy atuou acolhendo, ouvindo e orientando as famílias. “Não foi somente um filho, um pai, um esposo, um neto, um sobrinho, entre tantos outros que partiram. Foi uma cidade, um estado, um país que ficou partido, comovido e chocado. Vivenciamos um sentimento de luto coletivo”, lembra.

Apesar do luto coletivo, quem perdeu um familiar precisou se readaptar a uma nova realidade de forma individual nos últimos anos. “A dor permanece, mas a vida precisou tomar um novo rumo. Essa dor fica menor, mas nunca irá embora. E assim é a vida, de chegadas, partidas e recomeços, despedidas e recomeços”, comenta a psicóloga.

Em razão da tragédia da Chapecoense e também diante de tantos outros momentos individuais e coletivos de luto nos últimos anos, como da pandemia da Covid-19, conversamos mais com a psicóloga sobre as formas de encarar as perdas, auxiliar familiares e amigos a amenizar essa dor, e como lidar com as crianças que am por perdas. “O luto não é um obstáculo que deve ser quebrado, mas sim, acolhido para ser vivido e um significado construído”, ressalta Deisy.

Como as pessoas costumam encarar o luto? Há formas de amenizar e ressignificar a dor da perda com o tempo? 

Deisy — Primeiro é importante saber que o luto é a forma como lidamos com a perda de alguém, um período de transição, rodeado por mudanças. Não há uma maneira única para enfrentar esse período, cada pessoa tem seu tempo e maneira de lidar com o luto, porém com apoio, o enlutado aos poucos poderá entender sua nova rotina e ir voltando para suas atividades.

Existem sentimentos comuns no processo de luto, e entender que eles podem aparecer, pode auxiliar no entendimento da dor. Entre eles estão: negação, tristeza, raiva, culpa, alívio, saudade, sentimento de vazio, cansaço, solidão, medo, revolta, entre outros. Podem ocorrer ainda alterações ageiras de comportamentos e até mesmo alterações de sono, apetite, concentração, auto estima, déficit na memória, questionamento de sua fé.

É importante ficar de olho em sintomas mais intensos e duradouros de tristeza, isolamento social ou até mesmo comportamentos, ou ideias que possam representar risco a vida do enlutado, necessitando assim buscar ajuda profissional.

A elaboração pode levar meses ou anos, e ocorre quando o enlutado consegue começar a voltar às suas atividades, consegue falar sobre as lembranças de seu ente querido sem chorar tanto, consegue fazer movimentos em memória à pessoa que morreu. Consegue se olhar novamente para recomeçar.

Psicóloga e autora do livro Educando filhos seguros, acolheu familiares após a tragédia. – Foto: Deisy Parnof/Arquivo Pessoal/NDPsicóloga e autora do livro Educando filhos seguros, acolheu familiares após a tragédia. – Foto: Deisy Parnof/Arquivo Pessoal/ND

Como ajudar alguém que está ando por este momento? 1p301k

Deisy — Se você quiser ajudar a amenizar a dor de alguém em luto, escute com atenção e sem julgamentos quando a pessoa falar como se sente. Esteja presente, um abraço caloroso pode ser o suficiente, uma frase como: “Estou aqui e sempre estarei quando você quiser”. Acolher a pessoa, ajudar com a rotina da pessoa com pequenos auxílios, pode ser desde cozinhar algo, até cuidar das crianças para a pessoa ter um tempo pra si. E é importante ficar de olho em sintomas mais intensos e duradouros, buscando ajuda profissional.

É importante falar sobre a morte, sobre o fato de que um dia vamos morrer? Isso pode ajudar de alguma forma na hora de encarar a morte de alguém próximo?

Deisy — Uma das maiores dificuldades dos seres humanos é se deparar com a perda, com a ideia de finitude, com a ideia do desconhecido, o qual gera medo e muitas dúvidas. Sempre costumo fazer a seguinte reflexão: Qual é a melhor maneira de enfrentar nossos medos, se não olhar para eles? Porém, no caso da morte, é um medo instintivo que não tem resposta para tantas perguntas que podem surgir, o que gera em nós angústia, preocupação e ansiedade. Algo inevitável, sendo a única certeza que temos e que um dia acontecerá, por isso, é importante olhar para esse medo e falar sobre ele.

A forma de encarar a morte é muito subjetiva, cada um sente e reage de forma diferente, porém, mesmo sendo importante falar e falando sobre, nunca estaremos preparados para nos deparar com a falta de alguém próximo, mas, ajudará no processo de elaboração do luto.

Sofrer diante de uma perda é natural, sendo necessário se permitir sentir e chorar. Falar somente da perda faz parte do processo, não é necessário evitar sofrer.

Como lidar com as crianças em caso de perdas/lutos? 2h6846

Deisy — A infância pode ser considerada um período transitório e que geralmente traz a ideia de ser um momento que envolve alegria, diversão e despreocupação, porém, devemos levar em consideração que as crianças também am por emoções de difícil compreensão e se deparam com situações de perdas e lutos. Principalmente em ocasiões que envolvem doenças, divórcios dos pais, mudanças de cidade ou escola, morte de um animal de estimação, morte de alguém muito próximo.

Se falar sobre morte na vida adulta já é difícil, imagina falar com as crianças sobre esse assunto. Por mais que é uma tratativa complicada por envolver muitos sentimentos, como medo, angústia, insegurança, culpa, vazio, é muito importante falar sobre isso com a criança, para que estes sentimentos não se intensifiquem e se transformem mais tarde em um luto complicado, ansiedade, depressão, entre outros sintomas.

Podem ocorrer mudanças comportamentais que são esperadas, variando a reação e a intensidade de acordo com a idade e nível de compreensão da criança. Podem estar presentes a inquietação, questionamentos, alterações de sono ou apetite, retraimento afetivo, choro, momentos de raiva, necessidade de ficar mais aconchegado ou isolamento social. Aspectos estes que tendem a diminuir com o ar do tempo, por isso, é importante acolher e não deixar a criança com dúvidas. É preciso ouvir atentamente suas dores, respeitar seu tempo. Em casos de mortes com rituais fúnebres, explicar sobre e questionar o desejo da criança em participar.

Não é possível evitar que a criança sofra, por isso, forneça informação adequada, acolha, proporcione segurança afetiva, assim ela não se sentirá sozinha.

Como para o adulto também é difícil falar sobre morte, existem alguns livros infantis que colaboram para o entendimento da perda e auxiliam na elaboração do luto. Metáforas e brincadeiras podem ser usadas como forma de expressão da dor e a elaboração do que está acontecendo.

E sempre ficar atento se os sintomas ficarem mais intensos e persistirem por muitos dias. Neste  caso é importante buscar auxílio profissional.

Você é autora do livro digital “Educando filhos seguros: descubra como a sua infância reflete no comportamento dos seus filhos”. Como é possível educar filhos seguros? Isso também a em como os pais/responsáveis lidam com a criança sobre perdas/lutos?

Deisy — Nestes quase 12 anos de profissão me deparei com muitas realidades na escuta terapêutica, indivíduos, famílias, pais, e filhos, com muitos medos, angústias, dúvidas, traumas, dificuldades de relacionamento, sentimentos de desamparo, problemas psicológicos, questões emocionais imensuráveis e falhas egóicas irreparáveis. Assim, despertando o meu interesse em estudar mais a fundo e descobrir sobre os aspectos psicológicos da infância, como é o funcionamento do inconsciente e como ele se manifesta a partir das vivências infantis na vida adulta. Foi assim que me encantei e continuo a me encantar por uma área da Psicologia Clínica que é a Psicanálise. É nisso que acredito e concordo com os autores de que tudo que acontece na infância não permanece na infância, mas sim, nos acompanha pela vida toda.

Para tanto, os pais têm papel fundamental para o desenvolvimento psicológico dos filhos e necessitam ser fonte de apego e segurança para os filhos. Claro que não há uma receita para isso, mas, existe o à informação e ao conhecimento, sendo este o principal objetivo do meu livro digital, fornecer informações para gerar auto reflexões e ideias de auto conhecimento para proporcionar uma relação um pouco mais saudável no relacionamento entre pais e filhos.

O luto não é um obstáculo que deve ser quebrado, mas sim, acolhido para ser vivido e um significado construído. Esse é o papel dos pais ou responsáveis pelas crianças que também am pelo processo de perda ou de luto. Fornecer acolhimento através de um espaço onde a criança possa falar sobre suas dúvidas; expresse seus sentimentos; não seja julgada; receba informação sobre a ausência daquela pessoa, objeto, animal ou lugar.

Os pais também podem se permitir sentir junto a criança e compartilhar sobre seus sentimentos com ela. Precisamos entender que para nos sentirmos seguros precisamos de um lugar seguro, para a criança o lugar mais seguro que deveria existir é em contato com os pais, sabemos que nem toda realidade é assim, mas ao menos ter alguém que faça a função de proteção, segurança e apego seguro.

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