* Juliana Kroeger é documentarista, doutora em Cinema e Artes Digitais pela Sapienza Università di Roma. Natural de Florianópolis, vive na Itália há 4 anos
Roma parece deserta, irreconhecível. Grande parte dos italianos inicialmente subestimou o coronavírus e o surto iniciado na China era aparentemente distante. Em poucos dias, o vírus já estava por aqui e se espalhou rapidamente no norte do país.

Num piscar de olhos, chegou a todas as regiões da Itália e uma sequência de decretos do primeiro-ministro Giuseppe Conte foi progressivamente aplicando medidas restritivas, a ponto de bloquear a inteira nação.
A Itália está pagando um alto preço por ter demorado a agir de forma mais enérgica e somente a quarentena é capaz de frear o crescimento exponencial da epidemia. Mesmo tomando medidas inéditas na Europa, a resposta italiana foi mais lenta do que o avanço do coronavírus.
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O país está fechado e estamos todos isolados. A ordem é não sair e não ter contato nem mesmo com os parentes que vivem em outra casa. “Temos que pensar que toda e qualquer pessoa pode ser um possível contagiado”, dizia minha vizinha pela janela hoje (domingo) de manhã.
As janelas e sacadas, aliás, são o único local de socialização permitido. Deslocamentos são aceitos em casos de necessidade, como comprar alimentos, buscar tratamento de saúde de emergência ou ajudar um parente idoso em dificuldade. A maior parte das pessoas está trabalhando em home office, com exceção de quem atua na área da saúde, no ramo alimentício e nos serviços públicos essenciais.
Para se afastar da residência, é necessário levar no bolso uma “auto-certificação” que a justifique. O policiamento foi reforçado e, se o argumento apresentado para o deslocamento for falso, o infrator pode pegar até três meses de prisão.

Nem na Segunda Guerra se fechou parques e igrejas 5m455f
Aqui em Roma, a reclusão forçada não teve adesão maciça imediata. Nos primeiros dias de quarentena, era possível notar redução de movimento nas ruas, mas as pessoas ainda eavam, se reuniam nas praças, enchiam bares e restaurantes, iam jantar na casa dos amigos.
Somente com o endurecimento dos bloqueios, a movimentação das pessoas foi substancialmente reduzida. Hoje, todos os estabelecimentos comerciais, à exceção daqueles que garantem as necessidades básicas, estão fechados. Nem parques e igrejas estão abertos, o que não aconteceu nem na Segunda Guerra. Até os funerais estão proibidos nestes nestes dias.
Sair de casa para comprar comida é um desafio. Dentro dos supermercados e mercearias, as pessoas cobrem o rosto como podem, com echarpes, lenços, toalhas. Basta alguém tossir para causar correria entre as gôndolas. Os italianos, em geral, não têm costume de estocar comida em casa.

Sistema de saúde no limite 206i20
Nas últimas semanas, porém, houve corrida aos supermercados. Há seguranças nas portas que controlam a entrada e as pessoas que estão na fila precisam manter um metro ou mais de distância umas das outras. Máscaras de proteção estão esgotadas das prateleiras.
São tempos sombrios, o sistema de saúde público está no limite. As vagas nas unidades de terapia intensiva estão terminando e os especialistas dizem que o pico da doença ainda não chegou. Restiamo a casa (fiquemos em casa) é a única opção para a Itália neste momento.
Cantoria e desenhos das crianças yj6h
Um bálsamo que corta o silêncio da cidade e faz a quarentena se tornar mais leve chega todos os dias às 18h, quando as pessoas abrem as janelas dos apartamentos para cantar e tocar instrumentos. A esperança também se mantém viva nos desenhos das crianças, que têm colorido as ruas e as redes sociais com a frase “andrà tutto bene”, vai ficar tudo bem. Um arco-íris que virou símbolo da Itália que não desiste.