Choro, dor e empatia: 5 profissionais revelam o que viveram no massacre em Saudades 6h6q62

Médicos, enfermeira, auxiliar de médico-legista e bombeiro, falam sobre como foi o ataque que chocou o mundo; crime completa 1 ano 653e11

Um ano após o ataque brutal  à creche Pró-Infância Aquarela, que chocou a pacata cidade de Saudades, no Oeste de Santa Catarina, – e resultou na morte de cinco pessoas, entre elas três bebês de menos de 2 anos e duas agentes educativas – profissionais contam como foi o dia 4 de maio de 2021 a partir das experiências individuais de cada um.

Profissionais que atuaram na chacinaProfissionais contam como foi a rotina no dia do ataque à creche Pró-Infância Aquarela. – Foto: Montagem/ND

Os relatos emocionantes demonstram a empatia e o sentimento de cada profissional que dedicou intensamente seu trabalho para minimizar a dor de um dia que gerou comoção e revolta internacional. A auxiliar de médico-legal Aline Kardauke, a enfermeira Nádia Bender, os médicos Rogério de Souza Barcala e Alexsandro Marcos Rosa, e o bombeiro André Carlos Galiazzi contam em detalhes o que viveram no dia da chacina.

A empatia de lidar com a morte 3o2j4r

O dia 4 de maio de 2021 amanheceu ensolarado, cheio de cor e tinha tudo para ser um excelente dia. A auxiliar de médico-legal da Polícia Científica de Chapecó, no Oeste Catarinense, Aline Kardauke, chegou para o expediente muito animada. Colocou uma música e iniciou os trabalhos istrativos — o que faz sempre enquanto não há acionamentos para ocorrências.

Por diversas vezes a profissional precisou engolir o choro durante o atendimento. – Foto: Ezequiel Marsango/NDTV ChapecóPor diversas vezes a profissional precisou engolir o choro durante o atendimento. – Foto: Ezequiel Marsango/NDTV Chapecó

“Quando eu já estava na segunda xícara de café do dia, e em meio à papelada, tocou o telefone. Era perto das 10h30 quando um policial civil de Saudades informou que havia acontecido um ataque em uma escola — não falou creche — e que haviam duas mortes confirmadas. Acredito que o serviço de emergência estava ainda trabalhando, por isso não tinham maiores detalhes”, conta Aline.

O crime para o qual Aline e a equipe da Polícia Científica de Chapecó foram chamados chocou o país e o mundo. Fabiano Kiper Mai, de 18 anos — na época — invadiu uma creche e matou a golpes de adaga cinco pessoas, entre elas três bebês de 2 anos e duas professoras. 365 dias depois, o ataque brutal ainda é incompreensível.

O sentimento era diferente 4y415q

Imediatamente após receber o chamado, Aline, o auxiliar criminalístico, Dianei Fortti, e o perito criminal, Luciano Bagatini, que estavam de plantão naquele dia se deslocaram para a ocorrência. O trajeto de Chapecó até Saudades é de cerca de 66 quilômetros,  uma média de 1h10 de viagem. No caminho, o sentimento era diferente para os três profissionais, uma mescla de dúvidas, angustias e incertezas.

Ao chegar ao endereço indicado pelo policial civil, os três se depararam com uma creche. A bela e colorida Pró-Infância Aquarela, localizada na rua Quintino Bocaiúva, no bairro Industrial, na pacata cidade de Saudades — com uma população de aproximadamente 10 mil habitantes.

“A notícia era de que em uma das salinhas havia três corpos, dois bebês e uma professora. E, logo após, chegou a notícia de que no hospital havia mais um bebê e uma professora em óbito”, lembra a auxiliar de médico-legal.

Aline não consegue descrever o que realmente sentiu ao ouvir aquilo. “Era uma mistura de fraqueza com a consciência de que eu não podia ficar mal porque sou eu que tenho que exercer o meu trabalho. Costumo dizer: se o telefone tocou no meu plantão, é para mim”, afirma.

“A música infantil tocava” 1a1q3t

Aline recorda que quando entrou na sala seus olhos correram para as vítimas, mas, em um primeiro momento, desviou o olhar. Na televisão ainda tocava músicas infantis. Foi essa a primeira vez que a auxiliar de médico-legal precisou engolir o choro naquele dia.

Além da música, ela reparou o quanto é linda a sala de uma creche. “Cheia de coisas coloridas, bicos, mamadeiras. Repleta de vida e esperança. Como um crime desse poderia acontecer no lugar mais fofo que existe? E aí, nesse turbilhão de sentimentos, vi meu colega, que era pai há poucos meses, com lágrimas nos olhos. O acolhi e segurei as pontas para ele conseguir finalizar o seu trabalho.”

Aline Kardauke, auxiliar de médico legal da Polícia Científica de Chapecó. - Arquivo Pessoal Divulgação ND
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Aline Kardauke, auxiliar de médico legal da Polícia Científica de Chapecó. - Arquivo Pessoal Divulgação ND
Aline atuou em todo o trabalho com os corpos das vítimas. - Ezequiel Marsango/NDTV Chapecó
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Aline atuou em todo o trabalho com os corpos das vítimas. - Ezequiel Marsango/NDTV Chapecó

Diante da cena dramática, Aline começou o delicado trabalho de recolher os corpos na sala da creche e no hospital e, depois, se deslocar para o necrotério, no HRO (Hospital Regional do Oeste), em Chapecó.

No caminho até Chapecó — pela segunda vez naquele dia — Aline precisou engolir o choro e manter-se em pé para finalizar o que havia sido designada. “No caminho, não resisti e chorei um pouco, mas engoli para dirigir.”

De volta a Chapecó, a auxiliar de médico-legal ou na base da Polícia Científica para lanchar. Já havia ado das 14h e ela só estava com as xícaras de café. Uma amiga a comprou o almoço e quando Aline sentou na cadeira, desabou. O choro incontrolável veio junto de um misto de sentimentos.

“Hoje vejo que foi importante colocar para fora a dor naquele momento. Porque consegui depois falar com todas as mães sem perder o lado profissional”, considera.

Depois de colocar para fora um pouco de sua dor, foi para o necrotério e  começou o serviço com os corpos, ao lado do colega médico legista. “Com o início do trabalho com os corpos, foquei em dar o melhor de mim. Fui técnica até a liberação do último corpo e a limpeza de toda a sala.”

“O olhar das mães” 2u6f2o

Acostumada a realizar o trabalho, Aline afirma que de longe essa foi a ocorrência mais difícil que atendeu na vida. A maior dificuldade daquele 4 de maio foi colher a das mães para a liberação dos corpos.

“O natural é que enterramos nossos avós e pais. No IML (Instituto Médico Legal) é frequente o inverso, mas dessa forma, o inverso foi mil vezes mais doloroso. O olhar das mães nunca sairá do meu coração”.

Aline conta que o que mais a chocou naquele dia foi o nível de transtorno que pode ter um ser humano. O quanto as mentes diferem e o quão suscetível o ser humano está.

A dor abraçada com a empatia 1f1zp

Quando deitou na cama, por volta das 4 da manhã — já do dia 5 de maio — Aline não conseguia dormir e começou a chorar muito. Ela estava sozinha e lembra que sentiu medo. “Na verdade, foram várias sensações diferentes. Não ava pela minha cabeça abandonar o trabalho, mas julguei não ser realmente forte para isso. Hoje sei que sou, e que sou um ser humano com empatia, por isso tudo aquilo me doeu tanto.”

Após encarar um dos momentos mais dolorosos dos sete anos de sua carreira profissional, a auxiliar de médico-legal precisou de acompanhamento psicológico e iniciou a terapia. Para ela, isso foi essencial para aprender a separar as coisas.

“Na minha profissão, cada um terá uma dificuldade diferente e com o dia a dia você vai aprendendo a lidar. Quem faz necropsia não precisa ser frio. Você se torna sim, mais racional, mas acho muito importante nunca perder o amor e o respeito aos corpos, onde ali habitava uma alma e também às famílias.”

Com a tragédia em Saudades, Aline percebeu o quanto precisam trabalhar unidos. “É de extrema importância que essa carga seja dividida. Na minha região ainda não é por falta de efetivo, mas foi o que mais notei, por ser a pessoa que ficou por mais tempo em contato direto com os corpos”, relata.

Crime chocou a cidade. – Foto: Willian Ricardo/NDCrime chocou a cidade. – Foto: Willian Ricardo/ND

Além de colher a de reconhecimento e liberação dos corpos, a auxiliar de médico-legal também precisou pedir algumas informações para preencher a papelada. Naquele dia, Aline fez isso assim que as famílias chegaram ao IML. “Pude liberar eles antes e, os corpos, eu ia liberando para as funerárias conforme eu e o legista terminávamos as necropsias.”

A profissional fala sobre a importância da humanização nos momentos de dor. “É preciso ser humano para falar com um familiar em luto e também entender que às vezes a revolta e a raiva que ele desconta em você, não é para você. É só uma das formas de colocar o luto para fora. Às vezes uma ajuda ou uma palavra de paz pode fazer toda a diferença”, acrescenta.

Dois dias após viver um dos momentos mais dolorosos de sua carreira, Aline completou 31 anos de vida. A comemoração não foi como ela esperava, afinal, a dor ainda era latente e insistia em escorrer pelos olhos. Como esquecer tudo que viu e sentiu naquele ensolarado 4 de maio? Com a força das pessoas que ama, Aline conseguiu levantar da cama para comemorar a sua vida apenas depois das 19h do dia 6 de maio. Mesmo não sendo como queria, ela reafirmou, mais uma vez, o privilégio de estar viva.

As mãos que salvam 1c5j66

A enfermeira Nádia Bender atua no SARA (Serviço de Atendimento e Resgate Aeromédico) há sete anos — desde que o serviço iniciou em Chapecó. Na manhã de 4 de maio estava na base como de rotina.

Quando o telefone tocou informando sobre a chacina, Nádia lembra que pensou que se tratava de um trote. Porém, mesmo assim, a equipe absorveu a informação inicial e decolou rumo a Saudades. O voo de helicóptero, com a equipe do SAER-FRON (Serviço AeroPolicial de Fronteira), levou cerca de oito minutos.

“Só acreditamos quando chegamos e tivemos o ao cenário. Estou acostumada a lidar com situações diversas e imprevisíveis, mas aquele dia realmente foi muito impactante. Quando me situei, tive que colocar a emoção no bolso para focar naquela criança, que era o sopro de vida e esperança no meio de tanta tragédia”.

Nádia entrou pela porta da frente do Hospital de Saudades — localizado na rua Princesa Isabel, no Centro da cidade — e presenciou toda a correria dos profissionais do pequeno hospital. Todos empenhados em tentar salvar o máximo de vidas possíveis e ainda sem entender a dimensão do que estavam enfrentando.

“Sabemos que essa não é uma rotina comum para um hospital de cidade pequena. Então, fizemos um levantamento rápido da situação e eu parti para a criança de 1 ano e 8 meses que tinha chances de sobreviver”, lembra.

Enfermeira Nádia e médicos Rogério Barcala (ao centro) e Alexsandro Marcos Rosa, atuaram no dia da chacina em Saudades. – Foto: Caroline Figueiredo ND (3)Enfermeira Nádia e médicos Rogério Barcala (ao centro) e Alexsandro Marcos Rosa, atuaram no dia da chacina em Saudades. – Foto: Caroline Figueiredo ND (3)

O silêncio do trauma 1i1i1w

Nádia viu o menino deitado em uma maca sem expressar nenhuma reação. Não havia lágrimas e nem sequer um esboço de sentimento. Ele estava imóvel e totalmente em estado de choque. Com vários cortes no tórax e pescoço — causados brutalmente por uma adaga — o pequeno aguentou bravamente todos os procedimentos feitos pela equipe de enfermeiros e médicos.

Ela lembra que avaliou o menino e ajudou na estabilização. Uma cena a marcou muito. “Puncionei a veia dele e ele permaneceu quietinho, sem nenhuma reação, mas quando a mãe chegou e o abraçou ele chorou. Foi o momento mais comovente. Não teve quem segurou a emoção naquela hora”, conta.

Após o encontro com os pais, a criança precisou ser transportada rapidamente pelo helicóptero até o hospital em Chapecó. A enfermeira acompanhou o menino em todos os momentos até chegar na unidade e lembra do sentimento de presenciar a separação dos pais e da criança para seguir o atendimento hospitalar. “Foi muito emocionante”, resume.

Nádia Bender, enfermeira do SARA. – Foto: Caroline Figueiredo ND

O menino ou acordado todo o período do transporte. As lesões eram consideradas graves, mas a agilidade de toda a equipe envolvida no atendimento fez com que o trabalho tivesse êxito. “Ele ou o voo acordadinho e sem chorar. Era um quadro grave e ele precisava de intervenção rápida e foi o que fizemos. Entregamos ele estável no hospital e voltamos para a base, com a esperança de que ele ficasse bem. E foi o que aconteceu”, relembra.

Forças para seguir 614ki

Nádia considera que o pequeno guerreiro e único sobrevivente da chacina é a fonte de esperança e forças para que tanto as famílias, como a cidade, sigam a vida após tanta dor.  “As famílias foram devastadas por essa tragédia e acredito que esse menino seja a fonte da esperança. Simboliza vida em meio a tanta dor.”

A enfermeira considera que o atendimento em Saudades foi um dos mais difíceis que já enfrentou. Há quase 10 anos atuando no atendimento pré-hospitalar e de urgência, já vivenciou inúmeras situações difíceis e delicadas.

“Depois dessa, vi que sempre podemos ser surpreendidos, mas temos que ser fortes para desempenhar nosso papel com excelência e somente depois, quando chegamos de volta à base, podemos extravasar e colocar para fora os sentimentos. Isso também é importante”.

O olhar do médico que ajudou a salvar uma vida 2r414x

Rogério de Souza Barcala, médico coordenador do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) estava de plantão com a equipe do SARA, enquanto o colega de profissão e coordenador do SARA, Alexsandro Marcos Rosa, estava na ambulância do Samu. A rotina seguia normal naquela manhã até que o telefone tocou informando sobre a chacina.

Barcala lembra que a equipe foi acionada com poucas informações. “Não é um acionamento comum. Deslocamos em contato com a regulação do Samu que nos orientou e avisou preliminarmente da situação, inclusive que alguns pacientes haviam sido levados para o hospital.”

A equipe do SAER-FRON/SARA pousou direto no hospital, local em que estariam as vítimas. Porém, apenas três pessoas foram levadas ao hospital: dois bebês e uma professora. “Cheguei e fiz uma avaliação geral do local. Foi uma cena bastante forte”, conta.

Em outra sala, Barcala se deparou com dois médicos e uma enfermeira que tentavam reanimar Mirla Renner, de 20 anos. Ela foi uma das duas professoras que foi brutalmente assassinada enquanto tentava proteger seus alunos.

“Pequenos indefesos” 3yk60

O médico afirma que o que mais chamou sua atenção no fatídico ataque à creche foi a idade das crianças. “Estamos acostumados com cenas de trauma e situações de emergência, mas agressão contra crianças tão pequenas e indefesas foi chocante.”

Segundo ele, no dia a dia, os profissionais estão acostumados a atender acidentes e, geralmente, situações que envolvem crianças são em sua maioria incidentes. “Agressões com tanta violência contra crianças são incomuns. Em 20 anos de atuação nunca havia visto uma cena de tanta violência contra crianças tão indefesas.”

Barcala acredita que, em decorrência dos ferimentos e lesões, as crianças não conseguiram sequer correr. “Não tinham marcas de sinais de defesa nos braços. Ferimentos que normalmente ocorrem quando ocorre ataque com arma branca, porque via de regra a pessoa acaba erguendo os braços e mãos para se defender. Já as crianças não tinham esses ferimentos, o que mostra que morreram sem defesa”.

Doutor Rogério de Souza Barcala, coordenador médico do Samu. – Foto: Caroline Figueiredo ND (2)Doutor Rogério de Souza Barcala, coordenador médico do Samu. – Foto: Caroline Figueiredo ND (2)

Lesões graves 3c4e73

A maioria dos ferimentos das vítimas eram graves. O médico cita que o bebê de 1 ano e 8 meses que sobreviveu apresentava cortes em volta do olho, na boca, uma fratura na órbita e lesões graves no pescoço e tórax. “Um sinal de agressão e violência muito chocante. Não foram golpes qualquer”.

O médico considera que o menino teve muita sorte e, por obra divina, nenhum vaso do pescoço foi atingido, o que seria possivelmente fatal mesmo com todo o atendimento prestado. “Ele não teve lesão na artéria subclávia, ou muito perto, mas não teve. O pulmão dele foi perfurado, a lesão com maior risco de vida, mas graças ao rápido atendimento de toda a equipe conseguimos salvá-lo”.

Agilidade que salva-vidas f621l

O rápido atendimento do menino no hospital e a transferência instantânea após a estabilização, foram essenciais para sua sobrevivência. O médico destaca que no momento não havia como avaliar se existiam outras lesões no tórax, como um sangramento interno, por exemplo. Por isso, a decisão foi estabilizar e transferir o bebê.

“Deslocamos rápido para o hospital e a regulação do Samu já havia avisado ao hospital onde tinha um cirurgião torácico, um cirurgião pediátrico e uma intensivista pediátrica, além da equipe de emergência à disposição. Isso fez toda a diferença”.

Barcala cita que o que mais o marcou no atendimento foi a reação dos pais ao encontrar o menino com vida no hospital. “Fico imaginando esses pais recebendo a informação do ataque, indo à creche, possivelmente vendo a cena e correndo para o hospital. Quando chegaram na sala e viram o menino, ele começou a chorar. Não teve quem segurasse as lágrimas, mas seguramos a emoção para focar no atendimento”.

Lembrança viva na memória 6k4y3t

O médico lembra com clareza o dia da chacina e fala do misto de sentimentos após ter conseguido ajudar a salvar uma vida. “Graças a Deus conseguimos ajudar a salvar uma vida. Infelizmente os outros não tiveram a mesma sorte, mas teria sido pior se chegássemos ao local e não conseguíssemos salvar ninguém.”

Embora esteja acostumado a lidar com perdas, essa sem dúvidas foi uma das mais dolorosas para o médico. Barcala cita que para salvar uma vida, várias mãos ajudam.

“Hoje vivemos um sentimento misto. Felizes pelo menino que ajudamos a salvar e tristes pelas fatalidades. É emocionante ver essa criança crescendo, brincando e vivendo, mas é doloroso saber que outras pessoas não tiveram a mesma oportunidade. Porém, salvar uma vida nos faz sentir que vale a pena o esforço, estudo e dedicação. É gratificante e sensação de dever cumprido”, finaliza.

Rotina atípica 1591c

Diferente de sua rotina, no dia 4 de maio, o médico coordenador do SARA, Alexsandro Marcos Rosa, estava de plantão na ambulância do Samu. Foi por meio de um aviso da regulação que recebeu a informação de um assassinato de crianças em uma creche em Saudades.

“Falaram que era um atentado e pediram que fôssemos de forma emergencial porque havia várias crianças feridas e mortas. Saímos da base e nos comunicamos com a equipe do SAER/SARA. Nos deslocamos com uma ambulância UTI e o helicóptero”.

A ambulância se deslocou diretamente ao hospital, onde estavam as vítimas. “A cena era de filme de terror. Tinha uma criança sem vida. Estavam atendendo outra professora, a qual ajudamos no atendimento, mas ela estava muito grave e acabou morrendo no local”, conta.

Segundo ele, o menino que sobreviveu estava em estado de choque e foi transportado o mais rápido possível. “O tempo de voo é de 8 a 10 minutos. A equipe desceu, teve tempo de estabilizar a criança e a levou para o hospital. O tempo resposta do atendimento com o helicóptero faz toda a diferença nesse tipo de atendimento”, acrescenta.

Deslocamento do agressor 1q4b6u

Após ajudar no atendimento às vítimas no hospital de Saudades, o médico e a equipe do Samu — enfermeira e motorista — foram designados a deslocar Fabiano Kiper Mai do hospital de Pinhalzinho a Chapecó. O jovem se golpeou após agredir as vítimas e ficou em estado grave.

“Ele estava entubado e em estado grave. Estava sedado e não teve nenhuma comunicação com a equipe durante o deslocamento. Foi uma situação bem difícil porque ficamos sabendo que havia realmente sido ele que matou as crianças e as professoras”, relata.

Doutor Alexsandro Marcos Rosa, coordenador médico do SARA. – Foto: Caroline Figueiredo ND (4)Doutor Alexsandro Marcos Rosa, coordenador médico do SARA. – Foto: Caroline Figueiredo ND (4)

O jovem ou estável em todo o período de transporte até Chapecó. O médico cita que a maior preocupação da equipe era mantê-lo vivo até a chegada ao hospital para evitar qualquer tipo de dúvida na conduta dos profissionais de saúde. “Um caminhoneiro que vinha atrás filmou um momento que paramos no acostamento e chegou a dizer que no mínimo iríamos matá-lo. Jamais faríamos isso. Somos profissionais e nosso compromisso é salvar vidas, seja ela qual for. Nosso trabalho é salvar, não julgar”, enfatiza.

“Quando envolve crianças é mais doloroso. Estamos muito acostumado com esse tipo de situação, mas nunca esperaria que esse atentado fosse acontecer em uma cidade pacata como Saudades. Foi uma surpresa, ficamos muito chocados, mas ficamos calmos para atender as vítimas.”

Um marco na carreira 934u

Alexsandro é médico há 25 anos e há 17 atua no atendimento pré-hospitalar. Ele conta que já ou por muitas situações difíceis que o treinaram para não se envolver emocionalmente nos casos. Porém, ocorrências que envolvem crianças e com tamanha brutalidade sempre chocam.

“O atendimento foi padrão. Já tivemos atendimentos mais complicados tecnicamente falando, mas psicologicamente foi um dos mais difíceis que fiz até hoje pelo fato de envolver crianças e depois ter que transportar o criminoso”.

O médico destaca a união de todos os serviços que atuaram no dia do massacre e a importância do trabalho em equipe neste tipo de ocorrências. Junto com o médico Rogério Barcala, ambos atuam nos dois serviços (Samu e SARA) empenhando seus esforços e conhecimentos em salvar vidas.

“Ficará marcado para sempre” 2m2o3w

“É algo que ficará marcado para sempre na minha vida e de todas as pessoas que participaram de alguma forma dessa tragédia”, afirma o soldado do Corpo de Bombeiros Militar, André Carlos Galiazzi, que atuou no atendimento e transportou o agressor de Saudades até Pinhalzinho.

Galiazzi trabalha há 7 anos como bombeiro e na época da tragédia contou ao ND+ que ele e um colega faziam vistorias na cidade de Pinhalzinho, distante cerca de 11 km de Saudades, quando captaram a ocorrência via rádio.

“A informação inicial era crua. Sabíamos apenas que alguém havia invadido a creche com um facão. Perguntamos para a guarnição de Saudades se era necessário apoio. Nos orientaram a se deslocar”.

No caminho até Saudades, em meio algumas interferências no rádio de comunicação, o soldado e seu colega ouviram a frase: “Deixamos uma vítima no hospital ainda com vida”. Naquele momento entenderam que a situação era grave.

O trajeto até a escola levou em torno de 12 minutos. Quando chegaram na creche encontraram três vítimas fatais, entre elas uma professora e duas crianças, além do agressor algemado. “Ele tinha ferimentos nos dois lados do pescoço, no abdômen e na perna. Estava algemado e deitado no chão próximo a muito sangue e da sala em que estavam as vítimas”, relata o soldado.

“Pedia que cuidassem de sua arma” 2k1c4h

Galiazzi lembra que o jovem tinha uma expressão assustada, mas não demonstrava arrependimento. Estava com as pupilas dilatadas e pedia que cuidassem de sua arma. “Ele apontava com a cabeça para a arma e dizia ‘cuidem dela, ela é minha amiga’. Também perguntava e, ao mesmo tempo, afirmava: ‘Matei cinco, né? Foram cinco! Parecia que ele tinha uma meta a cumprir’”, conta.

Segundo o soldado, o agressor pedia que o matassem e dizia que sabia que iria morrer. Na ambulância, a caminho do hospital de Pinhalzinho, o jovem conversava com os socorristas.

“Em momentos de lucidez ele falou que a intenção era invadir outra escola, uma na avenida da cidade, mas não conseguiu e por isso foi para a creche. Também contou que tentou comprar uma arma e que também não conseguiu”.

Galiazzi detalha o que ouviu do agressor durante o transporte até Pinhalzinho. “Ele dizia que há cerca de 10 meses planejava o ataque”.

Soldado do Corpo de Bombeiros Militar, André Carlos Galiazzi. – Foto: Diego Antunes/NDTV ChapecóSoldado do Corpo de Bombeiros Militar, André Carlos Galiazzi. – Foto: Diego Antunes/NDTV Chapecó

“Nunca imaginamos viver isso” p1967

“No nosso dia a dia atendemos várias ocorrências e tentamos nos preparar ao máximo para cada uma. Nenhuma é igual, mas essa foi totalmente atípica, nunca imaginamos que isso aconteceria em uma cidade tão pacata quanto Saudades”.

Para Galiazzi, o que mais marcou foi encontrar as duas crianças e a professora mortas na sala. “Olhando à primeira vista, as crianças pareciam duas bonequinhas pelo tamanho e a forma que estavam no chão. Foi muito forte”, relembra.

Ao fazer o transporte do jovem que atacou a creche, o bombeiro lembra que precisou separar a razão da emoção. “Apesar de dar um sentimento de raiva, nosso serviço é socorrer vidas. Fizemos todo o procedimento de protocolo dos bombeiros. Fizemos o que faríamos por qualquer vítima”.

Crime ocorreu na creche Pró-Infância aquarela – Foto: CBMSC/Divulgação/NDCrime ocorreu na creche Pró-Infância aquarela – Foto: CBMSC/Divulgação/ND

Ataque brutal 5k6y

O ataque à creche aconteceu na manhã de 4 de maio. Três crianças e duas agentes educativas, morreram após o ataque com uma adaga. Um menino de 1 ano e 8 meses sobreviveu.

O autor da chacina responde processo por cinco homicídios qualificados, por motivo torpe, cruel e em ação que impossibilitou a defesa das vítimas. Além disso, é réu por 14 tentativas de homicídio. Ela está preso preventivamente no Presídio Regional de Chapecó à disposição da Justiça. O processo corre em segredo de Justiça.

Vítimas da chacina em Saudades – Foto: Montagem/NDVítimas da chacina em Saudades – Foto: Montagem/ND

Quem são as vítimas? 6j2j68

  • Keli Adriane Aniecevski, de 30 anos, era agente educativa e dava aulas na unidade havia cerca de 10 anos;
  • Mirla Renner, de 20 anos, era agente educacional na escola;
  • Sarah Luiza Mahle Sehn, de 1 ano e 7 meses;
  • Murilo Massing, de 1 ano e 9 meses;
  • Anna Bela Fernandes de Barros, de 1 ano e 8 meses.
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