Liberdade, é com essa palavra que a parasurfista Ingrid Medina define a sensação de sentir a temperatura da água, remar e levantar da prancha após ouvir a orientação da técnica. A fluidez que realiza o movimento e desliza nas ondas é quase inacreditável diante a deficiência visual que carrega desde os 16 anos.

Há 10 anos em Florianópolis, a atual campeã brasileira de parasurfe quer ganhar o mundo, encarar novas ondas e mostrar a evolução que consegue a cada sessão de treino na Barra da Lagoa.
“Eu amo surfar, então, pra mim, todo treino é treino. Às vezes eu vou conseguir pegar umas ondas boas, às vezes nem tanto, mas sempre vai sair um aprendizado de tudo isso. Pra mim é gratificante saber que deu certo treino na areia e saber que ali dentro, na instabilidade, deu certo. Quando a onda me leva eu sinto a sensação de liberdade”, descreve.
Ingrid Medina nasceu com glaucoma congênito, teve baixa visão durante toda a infância até ter a perda total na adolescência. A falta de autonomia, ainda mais em um período de descoberta como a juventude, foi um desafio a mais na construção da hoje parasurfista.

“Foi bem difícil porque na adolescência você está se descobrindo, conhecendo pessoas e de repente vem a perda total. Era totalmente independente e me vi na situação de precisar dos outros. Até conseguir a minha autonomia de novo demorou. Nenhum adolescente quer a mãe na escola, mas eu tive que ir. Minha autonomia foi quando eu vim pra cá, deixando Brasília, para ganhar o rumo da minha vida”, conta a mãe do pequeno Henry, 2 anos, formada em serviço social pela UFSC.
A parasurfista está com a vaga para a disputa do mundial da modalidade na Califórnia (EUA), em novembro. A paixão pelo esporte começou em 2018, através do projeto Surf sem Fronteiras, que possibilita pessoas com deficiência praticarem o esporte.
Depois do hiato causado pela pandemia e também pela gravidez, o retorno recente tem gerado cada vez mais frutos. A classificação para o Isa World Para Surfing é reflexo do desafio que é cair na água sem enxergar.

“Os cegos pra mim são um desafio porque eu tenho pânico de escuro, medo de escuro e trabalhar com ela pra mim é um quebra de paradigma minha. Ela veio comigo pra colocar ela nesse meio competitivo, não só terapia ocupacional. Ela, no Brasil, é a única que é cega total e compete, ninguém não pode tocar nela, tem que ter autonomia total. E aí nessa busca de autonomia que ela me procurou. Tem dias que dou aula muito emocionada, às vezes eu tenho que me segurar pra não chorar, porque o dia que tu surfar, que tu pegar a onda e fechar teus olhos, tu vai entender o tamanho da dificuldade que esse povo a”, relata Val de Bem, professora de Ingrid.

Apoio para Ingrid Medina competir 2q95n
Ao lado do marido Manssuelo Brazil, Ingrid faz literalmente uma boa viagem entre a casa, que fica no Ribeirão da Ilha, e os treinos na Barra da Lagoa. São pelo menos duas vezes por semana que ela cai na água para se aprimorar e buscar o título mundial.
“A atual campeã nunca perdeu, porque a dificuldade para quem tem cegueira total é maior. Quero me preparar bem para trazer esse título e ajudar a divulgar ainda mais o surfe paralímpico”.

Por sinal, a parasurfista está com uma vaquinha on-line para ajudar nos custos. A vaga no mundial está confirmada, mas ainda é preciso comprar uma roupa nova de borracha, alimentação e também trâmites legais.
Ingrid é atleta da categoria da categoria PS-VI 1, que conta com pessoas com deficiência visual e que podem contar com um guia na água para competir. Nos treinos Val posiciona e até empurra a atleta para as ondas, nas na Califórnia será apenas a voz guiando os drops e sonhos da surfista que não enxerga, mas desce as ondas criando uma nova história.