Uma saidinha de carro para curtir a noite. Uma conversa regada a alguns goles de bebida. O motorista sabe da proibição e do perigo, mas tem quem ignore as consequências de consumir bebidas alcoólicas e assumir a direção de um veículo. A comprovação da irresponsabilidade vem na constatação de quem está na linha de frente, na porta das emergências dos hospitais.
“Ainda é muito frequente mesmo com leis mais pesadas, com lei seca, a gente ainda tem muito paciente alcoolizado chegando do trânsito, infelizmente isso acontece ainda bastante. Eu arrisco a dizer que todo fim de semana chega um paciente alcoolizado vítima de acidente de trânsito”, revela Daniel Carvalho, médico ortopedista do Hospital Regional de São José, um dos locais para onde são levadas as vítimas de acidentes, principalmente ocorridos na BR-101, na Grande Florianópolis.

Em Santa Catarina, o número de multas por embriaguez ao volante nas rodovias federais revela o tamanho da insensatez de milhares de condutores com a própria vida e a de outras pessoas. “É uma pena que pessoas inocentes também paguem com a vida a irresponsabilidade de pessoas que dirigem embriagadas”, indaga Adriano Fiamoncini – chefe do núcleo de comunicação da PRF/SC.
De 2017 até a primeira semana de agosto deste ano, os policiais rodoviários federais flagraram 35.756 motoristas bêbados nas BR´s catarinenses. O recorde de flagrantes neste período foi em 2019 com quase 11 mil notificações, representando um crescimento de 105% em comparação a 2018, e 182% em relação a 2017.
“A partir de 2019, a PRF em Santa Catarina, resolveu fiscalizar com mais força a embriaguez ao volante porque é um dos principais responsáveis por acidentes graves”, explica Fiamoncini.
Por outro lado, em 2020 e 2021 houve uma redução na quantidade de multas aplicadas pela PRF se compararmos os dados com 2019. A maior queda foi em 2020, com quase 204% menos flagrantes. Conforme a PRF/SC, as restrições impostas pela pandemia prejudicaram o trabalho de fiscalização o que diminuiu os flagrantes nos anos de emergência em saúde por causa da Covid-19. Em 2022, até o dia 8 de agosto, a PRF autuou 3.173 motoristas alcoolizados nas BR´s.

Fiscalização
Popularmente conhecidos como bafômetros, os etilômetros são equipamentos essenciais para as abordagens e os flagrantes de embriaguez. A PRF catarinense conta com 161 aparelhos convencionais e outros 37 ivos que funcionam sem a necessidade do motorista soprar em um bocal.
“Ele [etilômetro ivo] serve apenas para triagem e rapidamente separar o motorista que pode ter bebido do que não pode ter bebido. Isso ajuda a fiscalizar um número maior de motoristas né. Mas, ele não serve pra multa”, reforça Fiamoncini.

O condutor não é obrigado a fazer o teste, mas a recusa resulta em multa no mesmo valor do caso de flagrante. Em maio o STF (Supremo Tribunal Federal) confirmou que a aplicação de multa a quem se recusar a fazer o bafômetro não viola o direito a não autoincriminação e validou a punição para o condutor que optar por não fazer o teste.
“É uma pena que pessoas inocentes também paguem com a vida a irresponsabilidade de pessoas que dirigem embriagadas”, Adriano Fiamoncini –chefe do núcleo de comunicação da PRF/SC
A decisão foi publicada depois da análise do recurso de um motorista do Rio de Janeiro que entrou na Justiça para invalidar uma multa por embriaguez ao volante. Os policiais também podem adotar outro procedimento para constatar que um motorista está bêbado na direção. A partir do comportamento apresentado pelo condutor a autoridade pode conduzir o cidadão para a delegacia.
“Se ele estiver com visíveis sinais de alteração da capacidade psicomotora para dirigir ele pode sim ser preso mesmo sem fazer o teste com etilômetro”, confirma Fiamonicini.

O número de motoristas bêbadas nas rodovias pode ser ainda mais do que revelam as estatísticas oficiais. “Com certeza a PRF consegue flagrar uma fração mínima de motoristas dirigindo embriagados. Nós conseguimos menos de 0,1% do total. A polícia não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Então nós precisamos que a sociedade se conscientize de que direção e bebida tem que estar separados porque o resultado disso são tragédias e vidas perdidas”, afirma.
Efeitos do álcool no organismo
Basta um gole de bebida alcoólica para o cérebro começar a emitir sinais da presença substância no corpo humano. “O álcool inibe o sistema nervoso central ativando os neurotransmissores Gaba diminuindo a comunicação entre os neurônios”, explica a médica neurocirurgiã Melina Moré.
Quando uma pessoa consome este tipo de bebida, o pensamento fica mais lento, os reflexos diminuem e ela tem uma tendência a sentir mais sono. O álcool interfere na área pré-frontal do cérebro responsável pelo julgamento e por fazer o ser humano distinguir o certo do errado, a segurança do perigo.

“Quando a pessoa está alcoolizada, ela perde este discernimento achando que é capaz de tudo e que nada pode acontecer e nestas horas pode acontecer os acidentes de trânsito”, complementa.
O tempo de permanência da ação do álcool no organismo varia conforme o indivíduo e a metabolização da bebida. “A pessoa que bebe mais, os efeitos ficam mais tempo. Agora quem bebe pouco e com menos frequência, tem os sintomas mais agudos, mas a metabolização acaba sendo mais rápida, então isso depende muito do organismo e da quantidade de bebida ingerida”, explica a médica.
De acordo com a neurocirurgiã, no caso de bebida e trânsito, o motorista embriagado fica mais agressivo porque ele perde a inibição, tornando-se mais atrevido e violento. Basta um gole para o corpo humano apresentar os efeitos de alcoolemia. “50 mg de álcool etílico por 100 ml de sangue já é o suficiente para causar alterações neurológicas e alteração no comportamento. Portanto qualquer gole de bebida alcoólica, cerveja, cachaça, já pode causar alterações no reflexo e a pessoa pode ficar impossibilitada de dirigir”, afirma.
Conscientização e educação
Na madrugada do dia 7 de agosto quatro pessoas morreram num acidente na BR 282, a via expressa, na entrada da Ilha de Santa Catarina. Entre as vítimas estava uma criança de 4 anos. Segundo a PRF, o motorista que causou o acidente, também morto na batida, invadiu a pista contrária.
Há suspeita de que ele estava embriagado. “A PRF encontrou várias garrafas e latas de bebidas alcoólicas dentro do veículo causador do acidente”, confirma Fiamoncini.
O caso está sendo investigada pela Polícia Civil. Há um ano, a FIESC em parceria com o Grupo ND, promove a campanha SC Não Pode Parar. A atual fase do movimento tem chamado a atenção de toda a sociedade catarinense para a responsabilidade de cada cidadão e motorista tem na construção de um trânsito mais seguro. Com foco nas rodovias federais, a intenção é promover uma ampla discussão e reflexão sobre as atitudes individuais e coletivas para frear as estatísticas de acidentes e mortes. A rodovia é um meio e não pode ser o fim.

Embriaguez ao Volante
Teste < 0,33mg/l : infração istrativa + multa
Teste > 0,33mg/l: crime de trânsito, detenção de 6 meses a 3 anos + multa
Infração gravíssima
Multa – R$ 2.934,70
Suspensão direito de dirigir 1 ano
Reincidência em 12 meses – multa R$ 5.869,40
Além cassação da CNH
Fonte: Artigo 306, Código de Trânsito Brasileiro
Flagrantes de motoristas embriagados nas rodovias federais SC
2017 – 3.858
2018 – 5.310
2019 – 10.912
2020 – 8.729
2021 – 3.594
2022* – 3.173
*até 8 de agosto
Fonte: PRF/SC