Reportagem investigou a situação de sete lagoas da Ilha de Santa Catarina: problemas am por grave poluição, proliferação de espécie invasora e assoreamento. Raio-x escancara a pressão urbana desorganizada em meio ao vazio de leis, monitoramento e fiscalização para proteger os sistemas.
LAGOA DO JACARÉ, NO NORTE DA ILHA | FOTO: JACSON BOTELHO/ND
A morte de uma lagoa é semelhante a um câncer: conseguimos perceber os primeiros sinais e identificar a doença, mas o declínio final é abrupto. Quando a degradação de décadas (ou apenas anos) alcança certo patamar, resta pouco para que venham à tona os sintomas do desequilíbrio: a floração de algas, o assoreamento, a impossibilidade de banho por conta da poluição e a mortandade de peixes – para citar alguns dos problemas enfrentados pelas lagoas de Florianópolis.
Outra analogia para ilustrar a trajetória fatal de uma lagoa é a montanha bem alta que fica voltada a um precipício. Hoje quatro lagoas da Ilha de Santa Catarina estão no topo do morro, enfrentando processos de degradação semelhantes aos do Rio Tietê, famoso curso d’água paulista que é símbolo da poluição no país. Há ainda três lagoas em Florianópolis que apresentam fragilidades e riscos que ameaçam a saúde de suas águas.
Aqui cabe abrir um parêntese: enquanto os rios têm como marca o movimento e o deságue, as lagoas são cercadas e marcadas pela permanência – muitas vezes destinos dos próprios rios. Elas se formam pelo acúmulo de águas. E Florianópolis tem uma particularidade em relação às demais capitais: por ser um território insular, as bacias hidrográficas são menores e, por isso, ainda mais sensíveis.
Mesmo com esse fator de risco ainda há carência de legislações e ferramentas de fiscalização para preservar nossas lagoas – que além de um bem natural impulsionam o turismo e a economia, são importantes locais de recreação e podem até ser aliadas em situações de estiagem na Capital catarinense.
Falar sobre a saúde das lagoas da Ilha é assunto diretamente associado às condições do saneamento básico. De acordo com o levantamento do SNIS (Sistema Nacional de Informações) realizado em 2021, a rede coletora de esgoto alcança apenas 57,84% de Florianópolis – é a 14ª menor cobertura entre as 26 capitais brasileiras. A Casan (Companhia Catarinense de Águas e Saneamento) estima que 68% da população florianopolitana é atendida pela rede. Comumente localizados nas partes mais baixas, estes corpos d’água acabam sendo o depósito dos efluentes quando não há tratamento individual de esgoto ou rede coletora.
A reportagem é resultado de um ano de pesquisas realizadas pela equipe do ND+ sobre as sete maiores lagoas da Ilha de Santa Catarina. Foram investigados os sistemas inseridos no espaço urbano: Lagoa da Conceição, Lagoa da Chica, Lagoa das Docas, Lagoinha do Norte, Lagoa do Jacaré, Lagoa do Peri e Lagoa Pequena. Junto a pesquisadores, moradores e órgãos ambientais – e baseada em leitura de análises das águas, pesquisas e estudos científicos que ilustram a ocupação da Ilha – foi possível compor um raio-x destes sistemas. Com as conclusões e perspectiva de especialistas, a reportagem dividiu as lagoas em três grupos: degradadas, em risco e conservadas.
- DEGRADADASLAGOA DA CONCEIÇÃO | LAGOA DAS DOCAS | LAGOA DA CHICA
EM RISCOLAGOA DO JACARÉ | LAGOA PEQUENA
CONSERVADALAGOA DO PERI
A ocupação desordenada da Capital catarinense associada à falta de saneamento básico na maior porção de seu território estão entre as principais responsáveis pela degradação das lagoas. “Florianópolis tem uma situação peculiar. Por ser uma ilha, as bacias são pequenas, mas muito impactadas pela drenagem urbana [entrada de águas da chuva e os dejetos carregados por elas] e pelo saneamento básico”, avalia Vinícius Tavares Constante, Gerente de Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos da Sema (Secretaria Executiva do Meio Ambiente de Santa Catarina).
LAGOA DA CONCEIÇÃO | FOTO: LUIS DEBIASI/ND
Dos sistemas avaliados, a Lagoa do Peri (apesar da falta de Plano de Manejo) é a única que foge à regra – sendo um farol necessário para orientar a conservação dos demais sistemas.
Confira abaixo a situação atual de nossas lagoas. É possível navegar pelos perfis de cada uma delas nesta página, clicando para conferir o raio-x completo. Aqui também estão disponíveis informações sobre Unidades de Conservação, Planos de Manejo, Plano de Bacia Hidrográfica, e problemas (com possíveis soluções) para os cursos d’água de Florianópolis.
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Onde: Leste da Ilha de Santa Catarina
Situação: DEGRADADA
Problemas: alto grau de eutrofização pela entrada de dejetos de esgoto irregular
A Lagoa da Conceição, apesar de ser atendida por rede de esgoto, é exemplo de uma região onde a coexistência entre o homem e a natureza está no limite. Desde 2020 os novos moradores do bairro que leva o nome do corpo d’água precisam instalar fossas individuais, pois o sistema de esgoto não comporta mais novas ligações. O rompimento do sistema que realizava o tratamento dos dejetos no início de 2021 inspirou uma vistoria pelas casas do bairro. A conclusão do programa, finalizado em junho deste ano, foi de que a maior parcela da população, mesmo aquela conectada na rede de esgoto, tem irregularidades que degradam diretamente a laguna.
O risco de uma ocupação que avança a os mais largos que a ampliação do saneamento básico foi alertado em inúmeros estudos realizados desde 1990. Dentre as expectativas para salvar a Lagoa da Conceição estão a ampliação da fiscalização no bairro e a retomada do CBH (Comitê de Bacia Hidrográfica), entidade extinta em 2007 e que reunia moradores, pesquisadores e o poder público na fiscalização da lagoa.
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As lagoas vivem uma febre visível, mas que ainda não tem diagnóstico e nem prescrição de remédio adequados. Falar sobre as lagoas de Florianópolis é difícil. “Em capitais como Curitiba, São Paulo e Porto Alegre existe um sistema patrocinado pela prefeitura ou pelo órgão estadual de monitoramento dos recursos hídricos, pois são de potencial uso pela população. Infelizmente em Florianópolis isso ainda não está bem organizado”, diz Leonardo Rorig, professor do departamento de biologia da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), especialista em monitoramento ambiental e avaliação de recursos hídricos.
Dentre as sete lagoas da reportagem, apenas três contam com algum tipo de monitoramento realizado pelo poder público: as lagoas das Docas, Conceição e Peri. E somente as duas últimas possuem ampla pesquisa histórica documentada – o acompanhamento periódico da Lagoa das Docas se restringe às condições de balneabilidade. Por mais tímido que sejam os esforços, as demais lagoas abordadas – Jacaré, Pequena, Chica e Lagoinha do Norte – começaram a receber mais atenção nos últimos anos, justamente por conta da sua deterioração, detalha Rorig. A saúde destes sistemas e a evolução do “quadro médico” são informações pouco precisas.
LAGOA DAS DOCAS, NO NORTE DA ILHA | FOTO: JACSON BOTELHO/ND
Os esforços de pesquisadores, estudantes e ONGs se restringem a estudos pontuais em determinados períodos, pela falta de recursos humanos e financeiros. As pesquisas mostram desequilíbrios, mas não dão conta de um diagnóstico completo, já que é necessário um acompanhamento contínuo.
“Normalmente é necessário fazer mais monitoramento. Às vezes os desequilíbrios podem ser pontuais, como um boi que fez cocô na lagoa e aumentou a concentração de coliformes fecais no dia da coleta, por exemplo”, explica Rorig. Diante da falta de informação, a reportagem se baseia nos estudos mais recentes e análises de cada sistema.
“Elas [Jacaré, Docas, Chica, Lagoinha do Norte e Lagoa Pequena] são pouquíssimo conhecidas. Não há muito histórico, apenas um conhecimento empírico realizado com imagens aéreas. Isso porque elas são menores e começam a ter uma pressão de urbanização. Muitas pessoas não tinham o a elas, o que mudou. Agora elas começam a ‘aparecer mais’ e rapidamente a mostrar perda de saúde”.
Foi por conta dessa lacuna do poder público, somada ao desastre ambiental na Lagoa da Conceição em 2021, que uma iniciativa ensaiou superar este cenário. A pedido da Frente Ambientalista da Câmara de Vereadores de Florianópolis, Rorig e pesquisadores do Lafic (Laboratório de Ficologia da UFSC) percorreram as lagoas em 2021 realizando coletas de água. Por falta de verba, no entanto, não foi possível concluir todas as análises.
LAGOA DO JACARÉ 5c4bq
Onde: Santinho, Norte da Ilha
Situação: EM RISCO
Problemas: presença de coliformes fecais e falta de Plano de Manejo
Da lista de lagoas onde foram feitas coletas de água pelos pesquisadores do Lafic, a do Jacaré foi a única onde foi possível concluir as análises. Suas águas “ganharam” uma Unidade de Conservação em 2016, após constante pressão dos moradores de seu entorno. Dentre as lagoas citadas na reportagem, a do Jacaré é a que tem o o humano mais complicado: sem entradas delimitadas e cercada por pastos para gado. Uma característica marcante é que a maior parte de suas águas é revestida por um grande manto verde.
Os resultados das análises surpreenderam os pesquisadores. Mesmo isolado, este sistema apresentou concentração significativa de bactérias de origem fecal no momento da coleta, o que indica a entrada de esgoto em suas águas. Ordenar a urbanização ao seu redor e instalar o sistema de esgoto são medidas urgentes para evitar o colapso desta lagoa, que pode se tornar uma importante aliada dos moradores de Florianópolis diante das mudanças climáticas e seus eventos extremos, como estiagens e chuvas intensas, destacam pesquisadores. Isso porque ela consegue filtrar, acumular e depois distribuir a água gradualmente para outras áreas.
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Além da falta de monitoramento periódico pelo poder público, há outras duas carências que saltam aos olhos ao considerar estas lagoas e que contribuem para a sua degradação: o primeiro é o atraso na criação dos Planos de Manejo, que regulam as áreas de conservação onde estes sistemas estão inseridos.
A segunda é a ausência de um comitê responsável por gerir as bacias hidrográficas de Florianópolis de forma unificada e monitorada. Ambas começaram a ser atendidas pelo poder público, com a aceleração nos editais referentes aos Planos de Manejo e a reativação do comitê – mas a consolidação ainda caminha a os lentos.
A inclusão dessas lagoas e seus entornos em UCs (Unidades de Conservação) é uma luz no fim do túnel. Com isso se transformam em territórios demarcados, com legislações próprias (que variam conforme o fim e a categoria), voltadas exclusivamente para a conservação e proteção de tudo aquilo que abraça. É como se uma grande cúpula invisível fosse posta nos limites destes terrenos, impedindo que os impactos da atividade humana cruzem a fronteira e inspirando uma relação saudável de coexistência.
Hoje, cinco das sete lagoas citadas na reportagem se encontram dentro dos limites de uma Unidade de Conservação. As duas exceções são a Lagoa da Conceição e a Lagoa das Docas (que mesmo com a pressão de ambientalistas e moradores, não foi incluída na recém-criada Revis Miembipe).
LOCALIZAÇÃO DAS LAGOAS DE FLORIANÓPOLIS | ARTE: GIL JESUS/ND
A inserção dessa “cúpula invisível” no entorno das lagoas é uma mudança recente. Das lagoas abordadas, até 2016 a do Peri era a única que contava com uma Unidade de Conservação para si. A ampliação desse amparo às demais lagoas começou nos últimos seis anos, com a criação do Parque Natural Municipal Lagoa do Jacaré das Dunas do Santinho, em 2016. Dois anos depois, Lagoa Pequena e Lagoa da Chica (ambas tombadas desde 1988) aram a fazer parte do Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição. Por fim, no final de 2021 a Lagoinha do Norte foi inserida na Révis Meiembipe.
Promessa para 2023
A situação das Unidades de Conservação da Capital é irregular: o SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza) determina que os Planos de Manejo sejam efetivados até cinco anos após a criação das áreas protegidas. Para resolver a irregularidade, a Prefeitura de Florianópolis contratou a empresa Geo Brasilis para elaborar o documento de sete Unidades de Conservação: a Lagoa do Peri, das Dunas da Lagoa da Conceição, do Meiembipe, da Galheta, da Lagoinha do Leste, do Maciço da Costeira e da Lagoa do Jacaré das Dunas do Santinho.
A empresa tem até setembro de 2023 para realizar estudos sobre a qualidade da água, conservação da natureza, fauna e flora destes locais, por exemplo. Os resultados orientam a criação do Plano de Manejo para cada uma delas. É a partir desse diagnóstico que a legislação é definida, determinando o melhor uso para o local. O plano responde perguntas como:
É necessário realizar acompanhamento periódico da qualidade de água?
Onde e o que pode construir de forma que não prejudique o sistema?
Como devem ser utilizados os recursos naturais?
Qual deve ser o uso de cada região dentro da Unidade de Conservação?
Como as pessoas podem visitar esses sistemas sem prejudicá-los?
Os trabalhos são realizados pela Secretaria do Meio Ambiente de Florianópolis, com fiscalização da Floram (Fundação Municipal do Meio Ambiente). Antes de entrarem em funcionamento, os Planos de Manejo devem ter a aprovação dos conselhos consultivos das Unidades de Conservação.
No primeiro semestre de 2023 estão previstas audiências públicas com as comunidades envolvidas em cada unidade, destaca a superintendente da Floram, Beatriz Kowalski. O cronograma ainda deve ser anunciado.
“Os Planos de Manejo vão permitir conservar melhor os sistemas e direcionar adequadamente os investimentos”, destaca a superintendente.
LAGOA DO PERI 5w116
Onde: Sul da Ilha
Situação: CONSERVADA
Problemas: espécie invasora e falta de Plano de Manejo
Apesar das pesquisas indicarem a boa qualidade de suas águas, o Peri é hoje a lagoa que mais vive a urgência do Plano de Manejo. Esta é a primeira lagoa que ou a ser resguardada por uma Unidade de Conservação, instituída em 1981 por conta da sua importância hídrica para Florianópolis. A falta de manejo, no entanto, cria um ambiente de insegurança tanto para a lagoa, que abastece mais de 90 mil moradores da região, como para as duas comunidades históricas que vivem em seu entorno.
Além disso, as águas do Peri convivem com uma cianobactéria invasora cuja remoção se tornou praticamente impossível. A espécie tem a capacidade de armazenar nutrientes e sobreviver durante períodos de estiagem. E a proliferação em grandes quantidades ameaça o uso do Peri como fonte hídrica por conta da liberação de toxina. O comportamento desta cianobactéria e a melhor forma de lidar com essa ameaça são perguntas que precisam ser respondidas pelo Plano de Manejo.
Lagoa do Peri: a coexistência da janela para o ado e uma intrusa ameaçadora 3t3i2i
Um comitê para gerenciar as águas de Florianópolis 2m5u4v
Se o Plano de Manejo é o “plano diretor” das Unidades de Conservação, regendo o entorno das lagoas, o Plano de Bacia Hidrográfica é o documento que protege as águas de uma região considerando todo o seu corpo.
“Não adianta querer preservar o mangue da Daniela, por exemplo, se o rio de Ratones estiver contaminado. Isso é fruto de gerenciamento desintegrado”, ilustra o pesquisador Leonardo Rorig.
Esse documento é instituído pelos chamados CBHs (Comitês de Bacias Hidrográficas), entidades que reúnem todos os atores que utilizam ou dependem de uma lagoa: a empresa que capta a água, o Município, os órgãos ambientais, os pesquisadores e os moradores, por exemplo. Juntos formam um grande colegiado que cria o chamado “Plano de Bacia Hidrográfica”, tomando decisões que levam em conta todos os usos e funções do sistema.
“Praticamente todo o Estado tem comitês de bacia hidrográfica, menos aqui [em Florianópolis]. É a única região do Estado que não tem”, destaca Vinícius Tavares, Gerente de Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos da Sema (Secretaria Executiva do Meio Ambiente) de Santa Catarina.
LAGOA DAS DOCAS, NO NORTE DA ILHA | FOTO: JACSON BOTELHO/ND
Entre os anos de 2000 e 2007 a Lagoa da Conceição teve um comitê próprio, mas que parou de funcionar porque entidades que o encabeçavam foram extintas. Desde então persiste o vácuo.
Com a piora na qualidade das águas de Florianópolis e os imbróglios relacionados ao saneamento básico, o Comsab (Conselho Municipal de Saneamento Básico) deliberou pela reativação do comitê durante uma reunião em abril de 2022. O novo CBH, no entanto, vai englobar toda a Ilha de Santa Catarina – a previsão é de que a entidade seja reativada até o final deste ano (confira os detalhes na entrevista abaixo). Além do plano, estas entidades têm a função de enquadrar lagoas e rios, definindo metas de médio e longo prazo que devem ser cumpridas para a recuperação de suas águas.
Perguntas e respostas sobre o comitê 731843
*Entrevista com Vinícius Tavares, Gerente de Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos da Sema
Quais são os motivos para criar o Comitê de Bacias Hidrográficas?
De uns anos pra cá a Ilha teve vários conflitos relacionados ao saneamento e à qualidade da água. Nosso maior problema é relativo à qualidade da água. Não temos grande captação e nem grandes indústrias. Os problemas não são a quantidade, mas a qualidade.
O que está sendo feito agora?
Existe uma série de os necessária para a reativação [do comitê]. Agora foi criada uma comissão pró-comitê, com entidades da sociedade civil e governo, como ONGs, organizações de classe (Associações de engenheiros, Conselho Regional de Biologia), UFSC, Udesc, Prefeitura de Florianópolis.
Qual será a primeira decisão?
Primeiro será decidido se o comitê será específico para a Ilha de Santa Catarina ou se ele será anexado ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Cubatão, do Rio da Madre e bacias contíguas, de onde vem boa parte da água captada e utilizada na Ilha. Marcamos uma reunião para o início de dezembro, quando será decidido.
Quais são os próximos os?
Novas eleições para definir a composição do comitê devem ser realizadas em ambos os casos. Elas são feitas a cada quatro anos. Em seguida será feito o enquadramento das bacias em paralelo à criação do plano. Nele é feito diagnóstico, com lagoas, rios, aquíferos, entre outros. A partir daí se tem um prognóstico que decidirá se será feita expansão das demandas e a qualidade e a proposição de ações para resolver problemas. Com plano de ações, de curto a médio prazo. O plano é exatamente isso.
Quando será colocado em prática?
Imagino que no início do próximo ano conseguimos reativar o comitê e fazer as primeiras reuniões. Depois viria o processo de contratação dos estudos: tem o processo licitatório que pode levar até um ano. Para o final do ano que vem estaremos contratando estudos, que levam cerca de um ano e meio para ficar pronto.
Quais serão as funções desse novo comitê?
O comitê poderá decidir uma série de questões. Hoje utilizamos critérios de outorga que são definidas para todo o Estado, como o quanto de água pode ser retirada de cada aquífero e o enquadramento dos corpos d’água. O comitê pode estabelecer novas classes [classificações previstas pelo Conama segundo as características de cada sistema], voltadas para a qualidade da água. Elas definem onde queremos chegar em 10 ou 20 anos, contendo parâmetros que cada corpo d’água deve ter, como a concentração de fósforo etc. Hoje todos os cursos d’água estão num padrão geral do Estado. Isso às vezes não é o adequado.
Há chance de ampliar o monitoramento das lagoas?
Sim. Um dos instrumentos que o comitê trabalha é o Plano de Bacias, que também define os locais que devem ter monitoramento; Depois que o comitê voltar a funcionar, deverá realizar o Plano de Bacias e, a partir disso, ver o que deve ser monitorado. O Estado não tem recurso para monitorar todos os pontos, mas o comitê deve apontar quais serão os críticos. As lagoas serão atendidas por uma entidade contratada pelo governo do Estado, que prestará apoio istrativo e auxiliará em pareceres e discussões técnicas.
LAGOA DAS DOCAS 3m4u26
Onde: Ponta das Canas, Norte da Ilha
Situação: DEGRADADA
Problemas: concentrações gravíssimas de coliformes fecais
A degradação da Lagoa das Docas impulsionou a implementação em 2012 do saneamento básico nos bairros Cachoeira do Bom Jesus, Lagoinha do Norte e Ponta das Canas. O acompanhamento periódico da qualidade de suas águas sustentou uma ação civil pública movida pelo MPF (Ministério Público Federal), que resultou no avanço do saneamento básico para a região.
Levantamento feito pela reportagem, no entanto, mostra que esta lagoa nunca teve tantos relatórios de balneabilidade do IMA (Instituto do Meio Ambiente) de Santa Catarina) indicando concentração gravíssima de coliformes fecais como no ano de 2021. Em 2022, até o fechamento da reportagem, todas as análises realizadas indicam taxas gravíssimas de coliformes fecais.
O cenário compromete um sistema único na Capital, responsável por ser berçário da vida marinha, reunir características da água salgada e doce e mudar constantemente – é a lagoa mais instável de Florianópolis. A Justiça determinou que a Casan e a Prefeitura de Florianópolis fiscalizem as ligações de esgoto na região, processo em andamento.
Camaleoa de Florianópolis, Lagoa das Docas bate recorde de poluição e recuperação é incógnita 1j4a6b
LAGOINHA DO NORTE E LAGOA DA CHICA 6r3bc
Onde: Norte e Sul da Ilha, respectivamente
Situação: DEGRADADAS
Problemas: assoreamento acelerado pela ação humana e falta de Plano de Manejo
Localizada a pouco mais de 1km da Lagoa das Docas está a Lagoinha do Norte, corpo d’água marcado pelo assoreamento: a terra e os sedimentos tomaram o lugar onde antes a água fazia profundidade. O cenário contrasta com aquele vivido há décadas pelos seus moradores, quando o volume era tão farto que desaguava na praia que leva o mesmo nome. Hoje, quando isso ocorre após chuvas intensas, o ponto de balneabilidade na praia fica impróprio para banho. Com suspeita de entrada de esgoto irregular, a qualidade de água na Lagoinha do Norte foi considerada uma das piores na Grande Florianópolis, segundo estudo conduzido em 2018.
No extremo oposto da Ilha de Santa Catarina está a Lagoa da Chica, outro exemplo de assoreamento crônico na Capital, mesmo após ser revitalizada. Lá também as memórias de água farta contrastam com a realidade atual. Pesquisadores e moradores pressionam a realização de estudo para entender o motivo de tal problema, com a esperança de que seja resolvido com a concretização do Plano de Manejo do Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição (onde a lagoa está inserida).
Gravemente comprometidas, Lagoinha do Norte e da Chica têm promessa de proteção em Florianópolis 135y50
LAGOA PEQUENA 1w5a65
Onde: Rio Tavares, Sul da Ilha
Situação: EM RISCO
Problemas: altas concentrações de esgoto sanitário e falta de Plano de Manejo
A Lagoa Pequena escancara o problema da falta de saneamento básico no Sul da Ilha de Santa Catarina – e mostra os sintomas dessa carência especialmente após os dias de chuvas. É quando a concentração de coliformes fecais dispara na parte mais próxima da Avenida Campeche, identificou estudo conduzido por pesquisadores do IFSC (Instituto Federal de Santa Catarina). A hipótese é de que as águas levem o esgoto doméstico até a Lagoinha, localizada na parte mais baixa do bairro.
Os pesquisadores apontam que o problema pode ser provocado por uma possível ocupação irregular na região, tal como a presença de irregularidades na rede de esgoto. A história da Lagoa Pequena é também exemplo de como as flexibilizações nas leis ambientais podem ser drásticas: a alteração por quatro anos nos perímetros de proteção da lagoa ainda nos anos 1990 estimulou uma ocupação desordenada no seu entorno. Herança que permanece lá.
A Lagoa Pequena que já foi menor: chuva expõe herança da pressão urbana em Florianópolis 276r65
Florianópolis precisa abraçar suas lagoas 45l72
Preservar as lagoas da Ilha de Santa Catarina é também uma urgência econômica. Em uma cidade com poucos reservatórios naturais de água, estes sistemas podem ser aliados diante dos efeitos das mudanças climáticas, responsáveis por eventos extremos de chuvas e estiagem cada vez mais frequentes. E também por servirem como atrativo turístico: fazem parte da identidade da Ilha.
“Florianópolis precisa abraçar as suas lagoas. É uma ilha que não tem muitos recursos hídricos e os poucos que tem estão ameaçados ou comprometidos. Elas são importantes não só como fontes alternativas de água, mas também para sustentar uma ecologia e biota com potencial tremendo de turismo ambiental, mas que entra em conflito com a falta de planejamento e de uma política ambiental”, destaca o pesquisador Leonardo Rorig.
Quanto da Lagoa da Conceição esteve e está atrelada à economia de Florianópolis? O questionamento de Rorig relembra as facetas da laguna: no início como recurso hídrico, fonte para pesca e em parte pela irrigação. “Depois pela navegação turística, construção e turismo. Um grande contingente da economia historicamente está associado à existência da lagoa. Nós não podemos deixar degradar”, conclui.
EQUIPE DE REPORTAGEM
REPORTAGEM: Felipe Bottamedi
EDIÇÃO E APOIO REPORTAGEM: Beatriz Carrasco
FOTOGRAFIA: Leo Munhoz, Jacson Botelho e Luis Debiasi
INFOGRAFIA: Gil Jesus
IMAGENS DE DRONE: Jacson Botelho e Karina Koppe
EDIÇÃO DE VÍDEO: Gustavo Bruning
DESIGN PÁGINA PRINCIPAL: Luis Debiasi